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iNFRADebate: A “modernização” do setor e a incerteza dos incentivos às fontes renováveis

Rodrigo Machado* e Felipe Zaratini**

Há muito o setor elétrico discute e espera medidas concretas para uma “modernização”, como se convencionou chamar. Inicialmente tivemos o P&D estratégico nº 20/2016, que tinha por objetivo o “aperfeiçoamento do setor”, autossabotado pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) em março de 2017. Na sequência, em 5 de julho, veio a Consulta Pública 33/2017 (a famosa CP 33), com um conjunto de propostas que também buscavam a modernização do setor, as quais, exceto pela redução dos requisitos para enquadramento como consumidor livre, não chegaram a sair efetivamente do papel.

No dia 2 de setembro foi publicada a Medida Provisória 998, tratando de diversos temas estruturantes do setor como a utilização de recursos de P&D e Eficiência Energética para abatimentos das cotas de CDE, em prol da modicidade tarifária, e a contratação de usinas para atender necessidade de potência do sistema elétrico e remanejamento de custos. Além disso, temos disposições bastante específicas, relacionadas à gestão de ativos pela Eletrobras, por exemplo.

Porém, uma medida que se destaca é o fim do desconto nas tarifas de fio (Tust e Tusd) para os empreendimentos de geração com base em fontes renováveis e a sua substituição por um “prêmio” relacionado aos benefícios ambientais dessas fontes (ideia que já constava da CP 33). 

Com efeito, a literatura econômica internacional é praticamente uníssona em defender uma valoração prática das externalidades positivas das energias renováveis. E isso porque essa valoração não é um simples benefício (uma benesse do regulador), mas uma correção de uma falha de mercado (“Market failure”) que não precifica os impactos ambientais de um lado (fontes fósseis), e não premia as energias limpas de outro. Isto é, diante dessa incorreção do mercado, cabe ao Poder Público valorar, de maneira expressa e tangível, os efeitos das fontes renováveis.

Diante desses atributos, temos o particular entendimento de que o desconto a fontes renováveis não era nenhum absurdo e funcionou muito bem ao longo dos anos – o que não quer dizer que não necessite aprimoramentos. E, de fato, a ideia de converter o famoso “desconto na Tust/Tusd” em um mecanismo de premiação não desvirtua esse objetivo.

Também é de se destacar que a MP (medida provisória) estabeleceu um “período de transição” para o novo mecanismo, expressamente assegurando os direitos das outorgas já emitidas (como não poderia deixar de ser, pois trata-se de um direito adquirido). 

Basicamente a MP estabeleceu que a regra atual de desconto na Tust/Tusd continuará valendo para os novos empreendimentos que solicitarem a outorga no prazo de 12 meses, contados de 1º de setembro de 2020, e que iniciarem a operação (não especifica se em testes ou comercial) no prazo de até 48 meses da data da outorga.

Por sua vez, com relação ao novo incentivo relacionado aos atributos ambientais do empreendimento, apesar de não haver um detalhamento desse mecanismo, a MP determinou, expressamente, que o Poder Executivo federal defina “diretrizes para a implementação no setor elétrico de mecanismos para a consideração dos benefícios ambientais” no prazo de 12 meses contados de 1º de setembro de 2020.

No entanto, é exatamente nesse “período de transição” que a MP traz um importante fator de insegurança e imprevisibilidade para novos projetos de geração renovável.

Isso porque, de fato, o conceito de “período de transição” exige que se conheça o lugar de saída e o de chegada. No entanto não é isso que a MP nos apresenta – pervertendo o próprio objetivo do governo ao estabelecer essa regra.

Há um prazo definido para o fim da regra atual (desconto na Tust/Tusd), mas não há nem mesmo uma ideia do que a substituirá. E essa ausência de informações sobre o novo mecanismo impede decisões racionais dos desenvolvedores e investidores, pois eles considerarão um único cenário (dada a incerteza da regra vindoura): o cenário de fim do benefício para projetos cuja outorga seja solicitada após 31 de agosto de 2021.

Em outras palavras, a falta de informação sobre o novo mecanismo de valoração das externalidades positivas das fontes renováveis fará com que os agentes antecipem decisões de investimento, muitas vezes tendo de optar por soluções sub-ótimas, ou até mesmo desfavoráveis em um cenários normal, para assegurar um benefício que eles ainda não sabem se será melhor, pior ou equiparável com o que se tem hoje. Isso sem contar na corrida à ANEEL e a disputa por conexão que potencialmente ocorrerá nos próximos meses, de maneira desnecessária e muitas vezes ineficiente.

O que se conclui, portanto, é que a MP falhou em estabelecer um efetivo período de transição, o que poderá impactar o desenvolvimento e negociação de projetos, especialmente no mercado livre, que assumiu um papel preponderante na expansão do parque gerador nos últimos anos.

A sugestão (se é que há espaço para uma) seria estabelecer que o período de 12 meses se iniciasse após a definição e regulamentação da nova regra de valoração das externalidades, o que, segundo a redação da MP, deverá ocorrer em até 12 meses.

*Rodrigo Machado é sócio do Madrona Advogados.
**Felipe Zaratini é associado do Madrona Advogados.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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