iNFRADebate: A inviabilidade locacional nas autorizações ferroviárias e as novidades da Resolução 6.014 da ANTT

Rafael Wallbach Schwind*

No dia 2 de maio, entrou em vigor a Resolução 6.014 da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). A norma promoveu alguns ajustes nas regras da Resolução 5.987 da agência, que trata de possíveis conflitos entre projetos de autorização ferroviária.

O assunto merece uma digressão.

As autorizações ferroviárias são uma novidade introduzida na legislação federal pela Medida Provisória 1.065, de 30 de agosto de 2021. Antes disso, apenas a legislação de alguns estados (Mato Grosso, Pará e Minas Gerais) contemplava a possibilidade de exploração de ferrovias por meio de autorização, e havia alguns projetos de lei em outros Estados (Paraná, Mato Grosso do Sul e Pernambuco).

Conforme consta de sua Exposição de Motivos, a MP 1.065 buscava facilitar a execução de novos investimentos em ferrovias, “dada a flexibilidade inerente ao regime de exploração por autorização”.

Posteriormente, foi editada a Lei 14.273, de 23 de dezembro de 2021 (“Lei de Ferrovias”), que igualmente previu a figura das autorizações ferroviárias. É este o diploma atualmente em vigor.

Em linhas gerais, qualquer interessado pode fazer um requerimento para implantação e exploração de ferrovia por meio de autorização. Em princípio, nenhuma autorização deve ser negada, exceto se for incompatível com a política nacional de transporte ferroviário ou se houver algum motivo técnico-operacional relevante devidamente justificado (art. 25, § 6º da Lei).

Nesse contexto, um dos aspectos centrais sobre o assunto diz respeito a possíveis conflitos entre projetos. Basta pensar, por exemplo, num possível cenário em que dois ou mais interessados pretendem construir uma ferrovia no mesmo local. Em situações como esta, como definir qual empreendimento poderá ser executado?

O rito procedimental das autorizações ferroviárias é detalhado no art. 25 da Lei 14.273 e nos arts. 25 a 27 do Decreto 11.245.

Primeiro, o interessado apresenta um requerimento ao regulador instruído com os documentos estabelecidos no art. 25, § 1º, da lei. Na sequência, o regulador (1) faz a análise da convergência do requerimento com a política pública do setor ferroviário, (2) publica um extrato do requerimento, (3) analisa a documentação, projetos e estudos apresentados e, ao final, (4) publica o resultado motivado de sua deliberação e, em caso de deferimento, o extrato de contrato de autorização.

Nessa análise, o regulador deve avaliar a viabilidade locacional do requerimento com as demais ferrovias implantadas ou outorgadas. Caso seja verificada alguma inviabilidade locacional, o requerente é intimado a apresentar solução técnica adequada para o conflito.

A lei ainda criou o procedimento de chamamento público para identificar interessados em autorizações ferroviárias (arts. 26 e seguintes; arts. 28 a 33 do Decreto 11.245). Esse procedimento, no entanto, é aplicável a situações específicas, de ferrovias (1) não implantadas, (2) ociosas em malhas com contrato de outorga em vigor ou (3) em processo de devolução ou desativação.

Para os casos de chamamento público, o regulador ferroviário deverá decidir entre as propostas recebidas. Se houver uma única proposta, a autorização deve ser expedida. Já se houver mais de uma proposta, o regulador deve promover processo seletivo público, na forma do regulamento, observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 28, II, da Lei 14.273).

Na hipótese de processo seletivo público, deverá ser considerado como um dos critérios de julgamento “a maior oferta de pagamento pela outorga” (art. 28, parágrafo único, da Lei 14.273).

É importante notar, entretanto, que um dos objetivos centrais da lei é criar um ambiente de busca de solução para possíveis conflitos de projeto. Para isso, proporcionam-se oportunidades para que os interessados apresentem soluções que viabilizem a implantação de todos os projetos pretendidos.

É justamente nesse contexto que se inserem as regras da ANTT, em especial o art. 8º da Resolução 5.987, de 1º de setembro de 2022, agora recentemente aprimorado.

Inicialmente, o dispositivo previa que, havendo requerimento de autorização ferroviária que se sobrepusesse à faixa de domínio de outra ferrovia já requerida, mas ainda pendente de outorga, seria adotado um determinado procedimento, que envolve a solicitação de apresentação de alternativas pelos interessados. Não havia um limite de tempo para a consideração do requerimento superveniente. Ainda que ele fosse apresentado um ano depois, por exemplo, deveria ser considerado (desde que, obviamente, ainda não tenha ocorrido a primeira autorização).

Agora, com o ajuste feito pela Resolução 6.014, o procedimento continua o mesmo, mas foi estabelecido um limite temporal de 60 dias contados a partir da publicação do extrato do primeiro requerimento apresentado. Ou seja, o procedimento em que a ANTT busca possíveis soluções para o conflito de projetos entre os interessados só levará em conta os requerimentos feitos até 60 dias depois da publicação do extrato do primeiro pedido.

Isso ficou claro com a introdução do § 4º ao art. 8º da Resolução 5.987: “Os requerimentos que se sobreponham à faixa de domínio de outra ferrovia já requerida, mas ainda pendente de outorga, encaminhados à ANTT após o prazo de 60 (sessenta) dias de que trata o caput deste artigo não serão considerados no âmbito do procedimento de deliberação sobre a outorga de autorização do trecho em que existe a sobreposição”.

Isso não quer dizer, entretanto, que os requerimentos apresentados depois do prazo de 60 dias serão desconsiderados. Na verdade, de acordo com o § 5º, também introduzido pela nova resolução, eles serão avaliados oportunamente pela ANTT, após o procedimento de deliberação sobre a outorga de autorização do trecho em que existe a sobreposição, ou antes da finalização desse procedimento, na hipótese de apresentação de solução técnica adequada para o conflito identificado. 

Ou seja, se for apresentada alguma solução técnica que permita a convivência dos requerimentos apresentados antes do prazo de 60 dias, aqueles posteriores serão avaliados, observando-se o procedimento aplicável.

Os ajustes introduzidos pela Resolução 6.014 da ANTT, portanto, não promovem mudanças radicais, mas buscam criar uma melhor organização na apreciação dos requerimentos de autorizações ferroviárias.

*Rafael Wallbach Schwind é doutor e mestre em Direito do Estado (USP). Sócio de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini – Sociedade de Advogados.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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