iNFRADebate: A insustentável elasticidade das concessões rodoviárias

Eduardo de Abreu Moraes*

Têm sido noticiadas nos últimos meses não apenas a devolução de uma série de concessões rodoviárias realizadas nos últimos anos, mas também a dificuldade do governo relicitar tais equipamentos. Tanto o fracasso dos contratos de concessão ora devolvidos quanto o desinteresse do mercado nas relicitações parecem compartilhar uma causa em comum: problemas na modelagem econômico-financeira dos projetos. Entendo que, de fato, existem várias melhorias metodológicas que precisam ser implementadas nas modelagens de concessões rodoviárias, como, por exemplo, a adoção de uma abordagem probabilística em vez de determinística no cálculo das outorgas (ao incorporar incertezas quanto aos valores de CAPEX, OPEX, e outras premissas do modelo), a utilização de estimativas mais conservadoras para o crescimento do PIB no longo prazo, e o cálculo correto da elasticidade renda demanda para a adequada estimativa do tráfego nas rodovias. A boa notícia é que ninguém precisará reinventar a roda, já que a literatura em microeconomia, econometria e finanças já apresentam as soluções que precisamos. O presente artigo irá tratar especificamente do problema dos erros de cálculo na elasticidade renda demanda nos projetos de concessões rodoviárias.

O que é e para que serve a elasticidade renda demanda?
Elasticidade renda demanda é o impacto que a variação de 1% na renda (nesse contexto, o PIB nacional) gera sobre a demanda (no caso de concessões rodoviárias a demanda é compreendida como o tráfego de veículos). Em geral, em projetos de concessão, estima-se o tráfego futuro em uma rodovia por meio da elasticidade renda demanda e da estimativa de variação do PIB ano a ano durante o prazo da concessão. Dessa forma, se a elasticidade adotada na modelagem estiver muito diferente da elasticidade real do equipamento, a projeção de demanda também estará errada. E se a demandar for superestimada, também o será a receita da concessionária, o que, por sua vez, fará aumentar a estimativa da outorga. Esse valor superestimado de outorga se transforma, no edital de licitação, em um valor de lance mínimo também superestimado. Se o mercado perceber o erro na conta, não haverá interessados na licitação. Se o mercado não perceber o erro, o equipamento será licitado. Mas, de uma forma ou de outra a realidade irá se impor e a demanda pelo equipamento se mostrará menor do que o esperado, podendo gerar até mesmo a devolução do equipamento ao poder concedente.

Análise da concessão BR-381/262/MG/ES
No dia 18/02/2022, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) suspendeu o leilão da concessão da BR-381/262/MG/ES aparentemente por falta de interessados. Ao analisar os Estudos de Tráfego disponíveis na audiência pública1 constatei que foi adotada uma elasticidade renda demanda igual a 1. O estudo não apresentou como se chegou a esse valor, o que dá a entender que ele foi definido arbitrariamente. De fato, eventualmente, é necessário estimar arbitrariamente valores em uma modelagem. Mas entendo que isso só deve ser feito quando não houver dados para se calcular o que se pretende estimar ou quando a literatura não apresenta respostas. Além disso, o valor estimado arbitrariamente deve ser plausível. Uma elasticidade renda demanda de 1 significa que o tráfego de veículos irá aumentar em 1% caso o valor do PIB aumente 1%. Isso coloca o serviço rodoviário brasileiro praticamente como um bem de luxo (ou seja, bens com elasticidade renda demanda maior que 1, como é o caso da carne vermelha ou de viagens de férias). Em um país tão dependente do transporte rodoviário quanto o Brasil, é de se esperar que a elasticidade renda demanda das rodovias seja bem menor do que 1 (mas acima de 0), pois havendo ou não crescimento econômico as pessoas continuam precisando que cheguem até suas casas remédios, cereais, frutas, legumes etc.

Busquei artigos científicos que já tivessem calculado a elasticidade renda demanda de rodovias. Não encontrei nenhum específico para o Brasil, mas GOODWIN (2004) realizou um estudo de revisão sobre o assunto que abarcou Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Bélgica, doze países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), Dinamarca, Itália, Holanda, Áustria, Suécia, Noruega, Espanha, Austrália e Japão. O artigo apresenta uma elasticidade estática (ou de equilíbrio) de 0,49 para a renda demanda nos períodos pós-1981 (GOODWIN, 2004, 288). Trata-se de um forte indício de que a elasticidade renda demanda arbitrada em 1 no estudo da BR-381/262/MG/ES está de fato superestimada, ou seja, o dobro do apresentado no estudo internacional feito por GOODWIN (2004).

Cálculo da elasticidade renda demanda das rodovias concedidas no Brasil
Considerando a aparente falta de estudos sobre o tema no Brasil, realizei alguns cálculos preliminares sobre qual seria a elasticidade renda demanda das rodovias concedidas brasileiras. Para tanto, utilizei as séries temporais do Índice ABCR Brasil (da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias) para veículos pesados e leves. Considerando as limitações de espaço para o presente artigo, não será apresentado em detalhes como se chegou aos valores apresentados abaixo, mas foram utilizados modelos ARIMAX especificados por meio da metodologia Box–Jenkins e adotando como variáveis exógenas a tendência temporal, o PIB nacional, e os índices nacionais de preços de pedágio, diesel e gás veicular. Com isso pretendeu-se isolar o efeito da renda (PIB) sobre a demanda (Índice ABCR Brasil) já que outros fatores também podem contribuir para a variação no tráfego, mas a elasticidade renda demanda mede o impacto isolado da renda sobre a demanda.

Para veículos pesados, cheguei ao resultado de elasticidade renda demanda de 0,0575, o que significa que quando o PIB nacional aumenta 1,00%, o tráfego de veículos pesados tende a aumentar, em média, aproximadamente 0,06% nas rodovias concedidas. Para veículos leves cheguei ao valor de elasticidade renda demanda de 0,1292 o que significa que quando o PIB nacional aumenta 1,00%, o tráfego de veículos leves tende a aumentar, em média, aproximadamente 0,13% nas rodovias concedidas.

Conclusão
Os resultados dos cálculos preliminares apresentados acima demonstram que a demanda por rodovias no Brasil possui elasticidade positiva, mas próxima de zero (e bem distante de 1, como arbitrariamente adotado no estudo de tráfego da concessão BR-381/262/MG/ES). Esses resultados fazem sentido econômico. O Brasil é altamente dependente do transporte rodoviário de cargas e, portanto, variações no PIB (para cima ou para baixo) não deveriam ensejar grandes mudanças no tráfego. Interessante notar que o tráfego de veículos leves se mostrou mais elástico (ou menos inelástico) que o tráfego de veículos pesados, o que demonstra que o transporte em veículos leves é menos essencial que o transporte em veículos pesados (o que também parece fazer sentido). No entanto, vale destacar que os valores calculados estão significativamente abaixo dos apresentados em GOODWIN (2004). Uma explicação para isso é que talvez o Brasil seja de fato mais dependente do transporte rodoviário do que os países estudados no artigo (em sua maioria, países desenvolvidos). Recomenda-se, portanto, analisar criticamente os resultados aqui apresentados que, repita-se, são fruto de cálculos preliminares. No meu entendimento, o ideal é que a própria ABCR, que detém todos os dados de tráfego e tarifa das rodovias concedidas brasileiras, fizesse os cálculos tanto da elasticidade renda demanda quanto da elasticidade preço demanda de todas as rodovias em sua base de dados. Essas informações poderiam subsidiar não apenas estudos econômicos de novos projetos (inclusive na determinação do preço ideal de pedágio), quanto estudos de pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro de concessões já existentes. Estimativas mais realistas de tráfego geram estudos econômicos melhores, com menos risco de relicitação, menos risco de interrupção do serviço, e mais ganho de segurança e eficiência para os usuários e para a população em geral.

1 https://participantt.antt.gov.br/Site/AudienciaPublica/VisualizarAvisoAudienciaPublica.aspx?CodigoAudiencia=392
*Eduardo de Abreu Moraes é economista, advogado e mestre em finanças pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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