iNFRADebate: A importância da renovação das concessões ferroviárias no Brasil – um momento decisivo para a competitividade nacional

Paulo Resende*

Dentre as nações mais desenvolvidas e com características de extensão continental, o Brasil é aquela com a menor rede ferroviária. A malha operacional é cerca de 30 vezes menor do que a dos Estados Unidos, chegando inclusive a ser menor do que a da Argentina, que possui 14 km de ferrovias por Km2, quando a do Brasil é de 4 km por Km2. Tudo isso se reflete em uma participação das ferrovias de 22% na matriz de transportes e que, quando retirados os carregamentos de minério de ferro, cai para 8%. Para reverter esse quadro, na década de 1990, o Governo Federal transferiu suas ferrovias para a gestão da iniciativa privada por meio de concessões. Iniciava-se uma recuperação lenta, mas contínua do sistema ferroviário nacional.

Em 2021, a movimentação de cargas nas ferrovias foi de 372 bilhões de TKU (toneladas por quilômetro útil), um crescimento de 171% quando comparado a 1997. Desde o início das concessões, as ferrovias já investiram R$ 142 bilhões atualizados pelo IPCA. Com um impressionante crescimento no transporte de minério de ferro e granéis sólidos agrícolas (93% e 49%, respectivamente), e com um salto na geração de empregos de 209% desde 1997, as concessões ferroviárias se consolidaram em sua importância. E para acelerar o crescimento, iniciou-se um ciclo de renovações antecipadas de concessões, com a maioria das malhas nesse momento já repactuadas.

Pautada para o segundo semestre de 2022, uma última etapa se refere à FCA (Ferrovia Centro-Atlântica), cuja malha passa por 10 estados brasileiros, abrangendo 276 municípios em sua área de influência. Ela se destaca não só nas cargas transportadas, mas também no direito de passagem para o acesso a portos estratégicos, na integração de atuais e futuras áreas de produção, e na capacidade de diversificação de cargas. Isso faz com que a FCA receba a condição de ferrovia de integração nacional. Como a última na repactuação, a FCA se transforma no exemplo da importância de se trazer uma visão de Estado para a renovação das concessões. O Brasil não pode se dar ao luxo de adiamentos e questionamentos de importância duvidosa para a sua eficiência logística.

A visão estratégica de país demanda que a participação das ferrovias siga cinco vetores principais: a racionalização da atividade logística nas regiões; o fomento à multimodalidade; a promoção de ganhos socioambientais; a busca permanente do desenvolvimento econômico regional e o aumento da competitividade. Um bom exemplo é o programa de fomento agrícola do Noroeste de Minas Gerais, com a recuperação de solos degradados por meio do pó de basalto, uma parceria entre a concessionária FCA e a Embrapa. Com capacidade de gerar cerca de 6 milhões de toneladas para o transporte ferroviário, trata-se da criação da maior fronteira de granéis agrícolas em uma região desfavorecida de chuva e de qualidade do solo, com impactos positivos em Minas, Tocantins, Sudoeste da Bahia, Oeste de Goiás, e Espírito Santo. É um exemplo da importância de ferrovias no destravamento de investimentos futuros visando o desenvolvimento regional.

O mais ambicioso e abrangente PEF MG (Plano de Ferrovias em Minas Gerais), lançado em 2021, e o próprio Plano Nacional de Logística 2035 não deixam dúvidas de que as ferrovias podem acelerar a geração de riquezas e de empregos, fomentar o desenvolvimento regional, e tratar de gargalos históricos como os do conhecido corredor Centro Leste. Mas para tal não se pode enquadrar as renovações em ambiente de vieses políticos. O PEF MG mostrou que a modelagem científica pode descortinar oportunidades de reconfiguração da malha, de devoluções de trechos antieconômicos, mas com potenciais logísticos não aproveitados.

A renovação das concessões não pode ser uma frente de arrecadação extra e de interesses questionáveis tecnicamente. É um processo de antecipação de investimentos, de consolidação de projetos estruturantes, de redução de conflitos urbanos, de renovação de frotas, e de melhoria da eficiência logística. Esse processo de renovação precisa ser priorizado. A sociedade tem que compreender a importância de um planejamento de longo prazo que seja protegido das agendas não declaradas, e que faça parte de um ambiente no qual a técnica se sobreponha ao discurso sem embasamento metodológico, onde a transparência impere sobre as vontades circunscritas, e onde o bom legado seja a grande prioridade.

*Paulo Resende é professor de logística, transporte e planejamento de operações e supply chain. É coordenador do Núcleo de Infraestrutura, Supply Chain e Logística da Fundação Dom Cabral e pesquisador responsável pela Plataforma de Infraestrutura em Logística de Transportes. Paulo tem doutorado em Planejamento de Transportes e Logística, pela University of Illinois at Urbana Champaign (EUA) e mestrado em Planejamento e Engenharia de Transportes, pela Memphis State University (EUA).
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