Douglas Estevam*
O ano de 2021 foi marcado pela realização do maior projeto ambiental da história do país: a desestatização dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, também considerada a maior concessão pública de infraestrutura em saneamento básico da América Latina.
O vulto astronômico dos investimentos fez-se sentir já na tarde do dia 30 de abril de 2021, em que o leilão arrecadou R$ 22,689 bilhões – com o ágio de 133,61% (cento e trinta e três por cento e sessenta e um centésimos)1 sobre os valores de outorga – com a concessão dos blocos 1, 2 e 4.
O bloco 3, por sua vez, leiloado na sede da B3 em 29 de dezembro de 2021, arrecadou R$ 2.201.523.000,002, com o ágio de 90% sobre o valor da outorga mínima estimado no edital de concessão.
Ao cabo, a prestação regionalizada desses serviços públicos passou a contar com múltiplos atores dentro da região metropolitana, cujo mercado a montante de abastecimento de água (captação, adução e tratamento) é explorado pela Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro), enquanto as fases do serviço à jusante (reserva e distribuição) – assim como as do serviço de esgotamento sanitário – são prestadas pelas concessionárias públicas.
À vista da governança entre os prestadores desses serviços interdependentes, o Anexo IV – Caderno de Encargos do contrato de concessão previu um Centro de Controle Operacional para o Sistema de Macroadução de Água Tratada da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, cujos detalhes foram estabelecidos em dois outros instrumentos, dentre os quais o Anexo X – Regramento do Sistema de Fornecimento de Água.
Nesse documento, foi idealizado o Conselho do Sistema de Fornecimento de Água, então composto pelos representantes: (i) das concessionárias de cada bloco, (ii) do Instituto Rio Metrópole, (iii) da Cedae, (iv) do Estado do Rio de Janeiro e (v) da Agenersa (Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro), cujas decisões são tomadas sempre por maioria simples e cada membro possui direito a um voto.
A presidência desse conselho, por seu turno, pode ser ocupada apenas pelos representantes da Agenersa ou do IRM, de modo que nenhuma das concessionárias faça prevalecer seus interesses, nem mesmo a Cedae interfira na solução dos impasses que eventualmente ocorram, por também ser prestadora de serviço público na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Contudo, à parte a instância deliberativa, também foi incumbido ao Instituto Rio Metrópole a gestão do Sistema de Fornecimento de Água por meio de um CCO (Centro de Controle Operacional), a fim de monitorar e fornecer informações técnicas sobre a vazão de água nos macromedidores.
Nesse modelo, o CCO é a unidade responsável pelo gerenciamento da operação de todo o sistema da região metropolitana, medindo o volume de água potável fornecido pela Cedae a cada uma das concessionárias, considerando o IRM uma instância imparcial no processo de aferição e quantificação do serviço entre seus prestadores interdependentes.
Assim, nos três primeiros anos de vigência dos contratos de concessão, cada concessionária será obrigada a pagar à Cedae pelos volumes mínimos de água, independentemente de seu uso efetivo. Contudo, a partir do quarto ano de sua vigência, o procedimento de aferição e pagamento pelas vazões do sistema será realizado por meio do Centro de Controle Operacional, então gerido pelo Instituto Rio Metrópole.
Além disso, o CCO deverá não só aferir os dados de consumo e vazão, como encaminhar à agência reguladora, mensalmente, um relatório com informações sobre a quantidade e a qualidade da água produzida nos blocos que integram a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Ressalte-se que a agência reguladora, na estrutura de governança do Sistema de Fornecimento de Água, também atua como última instância administrativa para a resolução de conflitos entre as concessionárias, entre essas e a Cedae, assim como em conflitos que envolvam o IRM.
É importante mencionar que, até a implantação definitiva do CCO, o Instituto Rio Metrópole também deverá se responsabilizar pela gestão de um centro de controle e operação provisório, assegurando condições adequadas para a gestão do sistema, assim como o fornecimento de informações técnicas sobre a vazão de água nos macromedidores.
Nesse sentido, o Anexo X do contrato de concessão estipula que o “CCO será implantado por empresa(s) ou entidade(s) capacitada(s), contratada(s) pelo INSTITUTO RIO METRÓPOLE, às expensas das CONCESSIONÁRIAS”3, devendo o contratado pela autarquia metropolitana emitir a fatura pela prestação dos serviços diretamente a cada concessionária.
Nos termos do parecer do procurador do estado Flavio Amaral Garcia, o Instituto Rio Metrópole “exerce papel fundamental [pois que] dotado de neutralidade para a melhor implementação do CCO e, consequentemente, de execução do contrato de concessão”, razão por que o edital teria adotado “um regime híbrido no qual o IRM promove a contratação, mas com recursos privados das Concessionárias”4.
Desse modo, previu-se um formato jurídico “incomum e dotado de certo hibridismo, na medida em que o ente público é obrigado a realizar uma licitação, ainda que a contratação não seja custeada com recursos públicos”5. Na vista do processo, o subprocurador-geral do estado destacou a inviabilidade jurídica das concessionárias contratarem diretamente a implantação do Centro de Controle Operacional – a partir de referências técnicas previamente determinadas pelo Instituto Rio Metrópole – e chancelou o modelo híbrido adotado pelo edital de concessão, segundo o qual o IRM é responsável por licitar os serviços, e as concessionárias, por custear sua contratação.