iNFRADebate: A expansão da malha ferroviária norte

Leonardo Coelho Ribeiro*

A recente edição de leis estaduais para permitir a construção e operação de ferrovias sob o regime de autorização está em alta no país. Tais normativos trazem avanços muito bem vindos que, se harmonizados com o arcabouço regulatório e contratual regente da prestação concessionária do transporte de cargas, podem conferir considerável reforço ao Sistema Nacional de Viação, inclusive contribuindo para a desejada expansão da malha ferroviária nacional.

Há caso, no entanto, em que o próprio contrato de concessão já provê ferramentas suficientes para permitir expansões da malha, o que, a rigor, dispensaria até mesmo a necessidade de se recorrer ao regime autorizatário. Falo da concessão da Malha Norte, que assim o é por uma série de razões.

Como se sabe, contratos de concessão são ferramentas de Direito Administrativo vocacionadas a repartir riscos e arranjar incentivos, alinhando os interesses do parceiro privado a interesses públicos perseguidos em concreto. É por essa lente que devemos investigar a modelagem contratual desenhada para a construção e exploração da Malha Norte. Nesse quadrante, é valioso diferenciar as delegações das malhas da RFFSA e da FEPASA à iniciativa privada, na década de 90, da delegação da Malha Norte.No universo das concessões ferroviárias brasileiras, a Malha Norte é conformada por uma modelagem contratual que destoa das demais concessões que lhe são contemporâneas, da década de 90. O modelo concessionário adotado nas malhas concedidas na década de 90 a partir da RFFSA e da FEPASA foi pautado na lógica de ferrovias preexistentes (brownfield), com linhas predefinidas, que já contavam com usuários, muitos com polo de demanda certo e conhecido (em virtude da rigidez locacional da mineração) e com propósitos de desincumbir o Estado do ônus fiscal e promover aumento da participação do modo ferroviário por meio de metas de produção e de redução de acidentes preestabelecidas.

O projeto da Malha Norte é diferente. Trata-se de uma ferrovia greenfield, que não contava com qualquer estrutura prévia, e que é, pois, geneticamente privada. Além disso, é uma ferrovia de penetração, porquanto pensada não apenas para atender a uma demanda conhecida, mas também para viabilizar a ocupação e exploração de novas áreas interiorizadas no país, conforme avance a fronteira agrícola, em adequação à carga que transporta (flexibilidade locacional do agronegócio). Diante das incertezas, ou da certeza da mudança que esse tipo de projeto carrega consigo, sua modelagem contratual adotou a ferramenta de expansão por gatilho de demanda situada em sua zona de influência econômica, com o propósito de prover o transporte de cargas da região Centro-Oeste e da Região Norte, expandindo sua infraestrutura e capacidade pari passu com a evolução da demanda. Essa é a plasticidade que o mecanismo contratual incorporou, acertadamente, à arquitetura jurídica da concessão.

Dessa forma, a modelagem veiculada na Concessão da Malha Norte reconhece a sua incompletude, em razão da certeza da alteração da sua curva de demanda. O contexto histórico de incerteza que permeou o início do projeto culminou em um desenho contratual que endereçasse uma incompletude deliberada do seu objeto, por intermédio do estabelecimento da possibilidade de exploração de novas áreas dentro de sua zona de influência econômica, para que assim fosse possível reduzir custos de transação para a exploração do ativo, em benefício do agronegócio brasileiro e de seu dinamismo.

Daí o direito que a concessionária detém à expansão da malha ferroviária, mediante a demonstração da existência de demanda a atender em sua zona de influência econômica, e da viabilidade técnica, econômica, ambiental e financeira para fazê-lo. Demonstrado o atendimento a esses requisitos ao Poder Concedente, não resta a este espaço de discricionariedade para decidir quanto a consentir ou não com a expansão, vis a vis sua vinculação ao instrumento convocatório, às bases objetivas do contrato e à manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro. Eventual negação ao direito subjetivo da concessionária à expansão, ou mesmo, por exemplo, a licitação de uma nova ferrovia que atue na mesma zona de influência econômica, pelo Poder Público, importaria em manifesta violação à segurança jurídica e à boa-fé objetiva. Mais, importaria numa postura ativa do poder público, que militaria em desfavor da sustentabilidade econômico-financeira do contrato de concessão da Malha Norte, desequilibrando-o, e configurando conduta oportunista que tipicamente caracteriza o problema da inconsistência dinâmica. Isto porque contratar uma concessão com mecanismo de expansão concomitante à demanda, e depois simplesmente negar a sua expansão (ou omitir-se a seu respeito) importaria em ato contraditório que, para além de ensejar o reequilíbrio do contrato, violaria a boa-fé contratual, constituindo hipótese de venire contra factum proprium.

Como se vê, o caso da expansão da Malha Norte é daqueles em que: i) há demanda e interesse dos usuários; ii) há interesse concessionário em investir; iii) há desenho contratual adequado que assim permite; e, além de tudo, iv) há alinhamento com o compromisso do Ministério da Infraestrutura de ampliar o alcance das ferrovias para uma participação de 35% na matriz de transportes, visando seu equilíbrio. São bons motivos para se ser otimista.

*Leonardo Coelho Ribeiro é sócio do LL Advogados. Professor do LL.M em Direito da Infraestrutura e da Regulação na FGV Direito Rio. Mestre em Direito Público pela UERJ.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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