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A exequibilidade das propostas na nova Lei de Licitações – como ela afeta positivamente o setor de engenharia e construção

Giuseppe Giamundo Neto*

A nova lei de licitações e contratos administrativos foi sancionada na última semana. Com quase duzentos artigos, a Lei 14.133, de 1º de abril de 2021, consolida práticas de diplomas licitatórios específicos (pregão e RDC), positiva entendimentos de órgãos de controle e traz algumas inovações, casos do PNCP (Portal Nacional das Contratações Públicas) e da introdução do diálogo competitivo como modalidade licitatória, dentre outras.

Em relação às licitações de obras e serviços de engenharia, uma das mudanças está na regra da exequibilidade das propostas. O diploma estabelece que serão consideradas inexequíveis – e, portanto, desclassificadas –, propostas cujos valores forem inferiores a 75% do valor orçado pela Administração (art. 59, §4º). Além disso, será exigida garantia adicional do licitante vencedor cuja proposta for inferior a 85% do orçamento de referência. Nesta hipótese, além das garantias exigíveis de praxe, deverá ser apresentada garantia correspondente à diferença entre o orçamento da Administração e o da proposta ofertada (art. 59, §5º).

A nova regra substitui a da Lei 8.666/1993, que considera inexequíveis as propostas de montantes inferiores a 70% do menor de dois valores: a) do orçado pela Administração; ou b) da média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% do valor orçado pela Administração.

Na prática, raramente uma proposta se tornava inexequível pela sistemática da Lei 8.666/1993. Ainda que inferior a 70%, a existência de outros lances e a respectiva média aritmética faziam com que o limite da exequibilidade, não raras vezes, se aproximasse dos 50%. Considerando que a orçamentação realizada pela Administração deve se pautar em preços praticados pelo mercado, parecia temerário obrigá-la a contratar empresa disposta a executar determinada obra ou serviço por quase metade desse valor. 

Contudo, tal cenário revelou-se recorrente nos últimos anos. A crise econômica e a falta de projetos em razão do aperto fiscal dos governos fizeram com que a competitividade do setor aumentasse. Ofertas agressivas de deságio passaram a ser comuns no intento arriscado de a empresa se manter em atividade. A vantagem para a Administração, nesse contexto, não passava de um simulacro. O risco de a obra ser paralisada ou restar inconcluída, elevadíssimo. De outro lado, para as empresas de engenharia, a competição nesses termos igualmente não era saudável, tampouco sustentável.

Vem em boa hora, portanto, a exclusão da sistemática de média aritmética das propostas para aferição de sua exequibilidade, bem assim o aumento de 70% para 75% do valor do orçamento como limite de oferta para ser considerada exequível. 

Dada essa nova realidade, e levando em conta a prática existente de expressivos deságios nas licitações de obras e serviços de engenharia, surge a seguinte pergunta: se mais de um licitante oferecer o mínimo legal (75% do orçado pela Administração) e houver empate, quem vence a licitação?

A resposta está no artigo 60 da Lei 14.133/2021, que fixa critérios de desempate. São eles, nesta ordem: (i) a disputa final, hipótese em que os licitantes empatados poderão apresentar nova proposta em ato contínuo à classificação; (ii) a avaliação do desempenho contratual prévio dos licitantes; (iii) o desenvolvimento de ações de equidade de gênero no ambiente de trabalho; e (iv) o desenvolvimento de programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle.

Tendo em conta que a disputa final não terá lugar no cenário de empate por preços no limite do exequível – na medida em que já se chegou ao máximo desconto possível –, restam os demais critérios de desempate.

O primeiro será o da avaliação de desempenho contratual prévio das empresas. Para esse efeito, a Administração preferencialmente deverá se valer dos registros cadastrais dos licitantes. Estes registros, também novidade da Lei 14.133/2021, farão parte do PNCP, cujo sistema ainda será regulamentado. No entanto, o diploma estabelece que o contratante, ao final da execução, deverá avaliar a atuação do contratado, emitindo documento indicativo do seu desempenho (com base em parâmetros objetivos) e eventuais penalidades aplicadas. Empresas sérias e cumpridoras de suas obrigações, portanto, tendem a se beneficiar deste preceito.

O segundo critério será a verificação de que o licitante promove ações de equidade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho. A matéria ainda será objeto de regulamentação, mas antecipa a relevância de as empresas de engenharia e construção se preocuparem com o tema. Trata-se de importante fomento à cultura de equidade de gênero. 

O terceiro critério avalia o desenvolvimento de programa de integridade pelo licitante, que deve obedecer às diretrizes dos órgãos de controle. Tal providência segue tendência inaugurada com a Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), que exige, para efeito de atenuação de sanções, a existência de mecanismos efetivos de compliance nas empresas.

Em sequência, permanecendo o empate após avaliação dos critérios acima, a lei estabelece a preferência por empresas, sucessivamente: (i) estabelecidas no território do respectivo ente federativo que realize a licitação; (ii) brasileiras; (iii) que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no país; e (iv) que comprovem a prática de medidas que reduzam as emissões de gases de efeito estufa (mitigação).

Como se observa, uma vez mantida a prática atual de deságios verificada nas concorrências de engenharia e construção, o empate de preços poderá ser corriqueiro. Com efeito, critérios de desempate determinarão o vencedor da disputa. Essa realidade exigirá das empresas maior cuidado no cumprimento de obrigações contratuais, na medida em que será fundamental constar de seu registro cadastral histórico de bom desempenho. Também tenderá a haver forte movimentação em busca da implementação e desenvolvimento de programas de equidade de gênero e de integridade. Aqueles que ainda não o fizeram, deverão adaptar-se rápida e definitivamente para manter-se competitivos.

A nova regra de exequibilidade, portanto, parece salutar. A um só tempo, inibe a contratação de propostas temerárias pelo poder público, elevando a qualidade e certeza das entregas pretendidas. Serve, igualmente, de incentivo a boas práticas contratuais (nenhuma empresa quererá uma sanção em seu registro cadastral), além de promover pautas nobres como equidade de gênero, integridade, inovação, meio ambiente e desenvolvimento local. Que a prática confirme o potencial positivo da mudança.

*Giuseppe Giamundo Neto é doutorando e mestre em Direito do Estado pela USP. Sócio do Giamundo Neto Advogados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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