iNFRADebate: A eficiência a qualquer custo

Flávio Freitas*

A busca contínua por qualidade, eficiência e redução de custos tornou-se obrigatória a setores que hoje convivem com os desafios da globalização, enfrentando condições de competição muitas vezes subsidiadas e com forte interferência política na realização de seus negócios.

Trata-se de uma realidade à qual todos devem se ajustar, concordando ou não. Isso impõe, no entanto, que se faça uma reflexão sobre eventuais limites a serem observados.

Na área de mineração, por exemplo, são atualmente proibidos processos de refino úmido do minério de ferro. As barragens de rejeito geradas neste processo, com certeza mais econômicos do que o refino a seco, provaram mais de uma vez que não podem ser toleradas pelo dano ambiental e ameaça a vidas humanas.

A indústria automotiva, por sua vez, no afã de antecipar a homologação e colocação no mercado de seus produtos, tem utilizado simuladores de altíssima tecnologia em substituição aos tradicionais testes de campo. Será suficiente? Com uma incidência cada vez maior, recalls da indústria automobilística têm sido noticiados, para troca e verificação de sistemas de frenagem, direção, “air bags”, cintos de segurança, trazendo com eles a interrogação se os testes de pré-lançamento foram suficientes, seguros e eficazes.

Um exemplo contundente é a fabricação do novo avião Boeing 737 Max 8, que, para utilizar uma turbina mais econômica e de maior dimensão, comprometeu o equilíbrio geral de sustentação e teve a licença de voo cancelada em vários países após a ocorrência de dois acidentes com centenas de mortes.

A indústria sucroalcooleira, destaque inegável de sucesso do agronegócio, tem evoluído, trazendo ganhos notáveis de produção e melhorias ao meio ambiente. A substituição do processo de queima e coleta manual por processo mecanizado é um destaque nessa evolução. As usinas multifuncionais, que podem direcionar sua produção para etanol ou açúcar de acordo com a melhor opção de mercado, são outro destaque. Tais inovações proporcionam maior eficiência e lucratividade, além de facilitar o escoamento da produção.

Entretanto, a busca pela eficiência e lucratividade não pode se dar a qualquer custo.

Nesse contexto, em dezembro de 2016, a ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias) foi surpreendida pela publicação da Resolução Contran 640, que homologou a circulação nas rodovias brasileiras de um tipo de caminhão com 91 toneladas e 11 eixos. Um verdadeiro rodotrem. Atualmente, o limite máximo permitido para circulação de caminhões, usualmente utilizados pelo setor canavieiro, é de 74 toneladas e 9 eixos, o que já causa riscos aos motoristas, caso não sejam observados requisitos mínimos de segurança.

Tal resolução foi publicada, não obstante as reuniões ocorridas durante todo o ano de 2016, com a presença de representantes da Polícia Rodoviária Federal, DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e fabricantes de implementos rodoviários, quando ficou patente que este veículo não poderia ser homologado pois traria riscos à fluidez e segurança de vias e rodovias por onde circularia.

Essa homologação é, em última análise, uma autorização para que qualquer veículo desse tipo possa ser emplacado e circular nas ruas, vias e rodovias do país.

Cabe um esclarecimento: as rodovias brasileiras permitem circulação de equipamentos acima de 600 toneladas (transformadores destinados à exportação) e cargas com 75 metros de comprimento (pás eólicas para geração elétrica) naturalmente com cuidados especiais para garantirem a segurança nesse deslocamento. Os veículos que fazem esse transporte especial não são homologados para um livre trânsito nacional.

Assim, tão logo tomou conhecimento de tal resolução, a ABCR, na defesa de suas associadas e preocupada com a segurança dos motoristas, adotou medidas judiciais para suspender a aplicação da resolução.

O caso está em tramitação na Justiça Federal, que, a pedido da própria União Federal, reconheceu a necessidade de novos estudos acerca do tema, que foram demandados ao Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) e deverão ser iniciados em agosto deste ano.

O estudo realizado por quem defende a Resolução Contran 640 define que as pontes e viadutos do atual sistema viário brasileiro, em diversas hipóteses, deverão ser reforçados para permitir o trânsito da composição de 91 toneladas, sob pena de colapso da estrutura.

Com relação à velocidade, o estudo indica que o veículo de maior potência disponível no Brasil atingirá a velocidade máxima de apenas 20,3 km/h, em pista com ascendência de 6%, padrão de projeto das normas vigentes.

Isso não atende ao parâmetro de velocidade mínima das rodovias, que é de metade da máxima. Tais veículos vão tornar-se verdadeiras barreiras nas estradas, causando um dos mais mortais acidentes, que é o abalroamento traseiro ou frontal, quando veículos mais rápidos, ao tentarem uma ultrapassagem, poderão colidir com outro no sentido contrário. Sem falar do comprometimento de pontos e viadutos que acontecerá, caso o fluxo desse tipo de composição torne-se regular e usual.

Em prol da segurança operacional das rodovias, dos usuários de rodovias, concedidas ou não, e dos milhares de vítimas fatais e sequelados graves, é fundamental a revogação da resolução Contran 640 e a consequente proibição do trânsito desse tipo de veículo. A sociedade brasileira não pode assumir mais esse custo.

*Flávio Freitas é diretor-superintendente da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias).
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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