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iNFRADebate: A delegação de competências para as administrações portuárias

Rafael Wallbach Schwind*

Nos últimos dias do Governo Temer, foi editada norma infralegal de grande importância para o setor portuário. Trata-se da Portaria n. 574, de 26 de dezembro de 2018, do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil – MTPA (cujas competências, a partir da edição da Medida Provisória n. 870, já no Governo Bolsonaro, foram atribuídas ao Ministério da Infraestrutura).

A Portaria n. 574 disciplina a descentralização de competências relacionadas à exploração indireta de instalações portuárias nos portos organizados às respectivas autoridades portuárias. Basicamente, estabelece a possibilidade de delegação de certas competências – relacionadas à exploração de instalações portuárias – para as respectivas administrações portuárias, delegadas ou não.

Para se compreender a relevância da Portaria, é necessário dar um passo atrás.

Em 2013, a edição da nova Lei dos Portos (Lei 12.815) consagrou a centralização de competências perante a União. Diversas competências que eram antes exercidas pelas autoridades portuárias locais foram concentradas na União, principalmente perante a então Secretaria Especial de Portos (União – poder concedente), mas também em menor medida junto à Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ.

Mesmo nos portos que foram temporariamente delegados a Estados e Municípios, acabou prevalecendo o entendimento de que o poder concedente é representado pela Secretaria de Portos (integrante do MTPA), embora houvesse fundamentos jurídicos relevantes para se reconhecer a delegação também da posição de poder concedente.

Essa concentração de competências – que já era observada em menor medida na Lei n. 10.233 de 2001, que criou a ANTAQ – tem o claro propósito de promover uma maior coordenação nas políticas públicas do setor portuário. No entanto, a despeito da legitimidade desse objetivo, o fato é que a centralização absoluta provoca ineficiências e torna mais morosos certos procedimentos e decisões.

Assim, considerando os potenciais benefícios em termos de melhoria da eficiência e celeridade da descentralização de competências, a Portaria n. 574 do Ministério promove, de certa forma, um ajuste na concentração de competências perante a União. Sem ofender a lei de portos, o que é um pressuposto da própria validade da norma infralegal, a Portaria disciplinou a descentralização de competências às respectivas autoridades portuárias locais.

De acordo com a Portaria n. 574, são passíveis de delegação às administrações portuárias locais três conjuntos de competências: (i) elaboração de edital e realização de procedimentos licitatórios para o arrendamento de instalações portuárias; (ii) celebração e gestão de contratos de arrendamento de instalações portuárias; e (iii) fiscalização da execução de contratos de arrendamento de instalações portuárias.

Algumas dessas competências são bastante claras. De todo modo, a Portaria teve o cuidado de esclarecer no que consiste a competência de “gestão” dos contratos de arrendamento de instalações portuárias. De acordo com a Portaria, a delegação da gestão desses contratos abrangerá, dentre outros atos, (i) a aprovação de investimentos não previstos no contrato, inclusive em regime de urgência, (ii) a transferência da titularidade do arrendamento, (iii) a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, (iv) a expansão da área arrendada para área contígua dentro da poligonal do porto organizado, (v) a substituição da área arrendada, no todo ou em parte, (vi) a prorrogação (ordinária ou antecipada) de vigência do contrato, e (vii) a revisão do cronograma de investimentos previstos em contrato.

Numa primeira análise, poderia parecer que a delegação daqueles três grupos de competências – inequivocamente relevantes –seria contrária à lei de portos, que, como dito, concentrou competências perante a União, de certo modo esvaziando diversas atribuições que antes cabiam às autoridades portuárias locais. Contudo, não nos parece haver ilegalidade na Portaria ao prever a delegação de competências. Isso porque, em diversos dispositivos, a norma estabelece que o exercício de certas competências dependerá da anuência da ANTAQ, ou da análise e aprovação pela agência reguladora. Houve o cuidado, portanto, em não se extrapolar os limites legais e a lógica de coordenação que orienta a lei de portos.

Assim, por exemplo, a delegação da competência de fiscalização da execução de contratos de arrendamento dependerá da anuência da ANTAQ, sem prejuízo das competências a ela atribuídas pela Lei 10.233 (conforme art. 2º, § 1º, da Portaria). Já a delegação da competência para elaboração do edital e realização de licitações de arrendamentos portuários dependerá da análise e aprovação, pela ANTAQ, de diversos elementos técnicos antes mesmo do procedimento de consulta pública (Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental – EVTEA, manifestação da administração do porto quanto à adequação do EVTEA, minutas do edital e do contrato etc.), conforme art. 2º, § 2º, da Portaria.

O fato é que, mesmo com a delegação de competências, a administração do porto estará obrigada a cumprir as diretrizes e os instrumentos de planejamento setorial elaborados pelo Ministério, as diretrizes do Ministério quanto à elaboração de editais e minutas de contrato (inclusive eventuais modelos aprovados pelo poder concedente), a seguir as orientações de caráter jurídico emanadas no Ministério, dentre outros dados pertinentes.

Em termos procedimentais, para que haja a descentralização de competências, a administração portuária deverá pleitear a delegação, indicando quais são as competências pretendidas. Portanto, a Portaria não promoveu uma descentralização automática e geral. O requerimento deve ser acompanhado de uma declaração de cumprimento das obrigações previstas na Portaria, de um cronograma envolvendo as principais ações a serem empreendidas para os três anos seguintes, e de uma série de informações e documentos adicionais que demostrem o cumprimento dos demais requisitos estabelecidos. Dentre tais requisitos, chama a atenção que a administração portuária deve estar constituída sob a forma de empresa estatal que atenda a Lei n. 13.303 (Lei das Estatais) e seu decreto regulamentador, inclusive no tocante aos critérios para a nomeação de diretores e conselheiros.

Além disso, o porto organizado deverá estar com os respectivos Planos Mestres e de Zoneamento atualizados, devem estar devidamente alfandegados (quando couber), e com certificação ISPS-Code e licença de operação válidas. A administração do porto também deverá ter aderido ao Plano de Contas Regulatório da ANTAQ e, no caso de porto delegado, deverá estar adimplente com as obrigações estabelecidas no convênio de delegação. Há ainda diversas outras obrigações a serem observadas, inclusive de pontuação mínima no Índice de Gestão das Autoridades Portuárias – IGAP, criado pela Portaria. O rol é extenso.

Cumpridos todos os requisitos, ainda assim a efetiva celebração do convênio específico dependerá da avaliação quanto à conveniência e oportunidade pela autoridade competente (art. 2º, § 4º, da Portaria). Ou seja, o atendimento aos requisitos da Portaria ministerial não confere nenhuma espécie de direito adquirido à delegação de competências. Haverá uma avaliação discricionária.

O convênio, quando firmado, terá prazo de três anos, renovável por iguais períodos (art. 11), a pedido da administração portuária. O pedido de prorrogação deve ser apresentado com antecedência de seis meses em relação ao término do prazo do convênio (art. 12).

A continuidade do convênio estará sujeita à avaliação de comissão técnica específica, que deverá analisar o desempenho da administração portuária na delegação vigente e o atendimento dos parâmetros estabelecidos. Há também a possibilidade de o convênio ser denunciado unilateralmente a qualquer tempo pelas partes, mediante comunicação prévia por escrito, com antecedência mínima de noventa dias.

Como não podia deixar de ser, deve haver uma fiscalização a respeito do exercício das competências delegadas. A Portaria estabelece inclusive a concessão de prazo de seis meses para que a administração portuária regularize a situação, sob pena de extinção imediata do convênio.

Em síntese, a Portaria n. 574 do MTPA estabelece normas bastante relevantes, que tendem a proporcionar uma maior agilidade na formatação e na gestão de contratos de arrendamento de instalações portuárias. Se for bem empregada, a descentralização de competências às administrações portuárias pode contribuir de modo decisivo para destravar investimentos no setor e para agilizar procedimentos.

 

*Doutor e Mestre em Direito do Estado pela USP, visiting scholar na Universidade de Nottingham, advogado atuante no setor portuário e de infraestrutura, sócio de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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