iNFRADebate: A capitalização da Eletrobras e o consumidor de energia

Rodrigo Ferreira*

As regras do mercado de energia elétrica estão prestes a ser aperfeiçoadas com a aprovação do PL 414/2021 na Câmara dos Deputados ainda no mês de abril. O que está em evidência é o estabelecimento de um cronograma para a liberalização do mercado a todos os consumidores em até 42 meses após a publicação da lei. Ao mesmo tempo, o TCU (Tribunal de Contas da União) está na reta final da avaliação do modelo de capitalização da Eletrobras, última etapa para que a estatal possa ser transformada em uma corporation de energia. Os dois assuntos estão bem relacionados e a empresa, que detém hoje cerca de 30% do parque gerador do país, poderá contribuir de forma expressiva para a redução da conta de energia para o consumidor. O tema foi exposto em workshop realizado no dia 7 de abril pelo TCU com a presença de ministros e especialistas dos mercados financeiro e de energia. 

A “jogada” para isso está relacionada ao aporte de aproximadamente R$ 29 bilhões na CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) para modicidade tarifária e também à descotização da energia, que poderá ser vendida diretamente a todos os consumidores, inclusive residenciais. O fato é que, apesar do valor atual das cotas ser aparentemente baixo, de cerca de R$ 70 o MWh, o consumidor paga também o custo do risco hidrológico, avaliado em aproximadamente R$ 100 bilhões nos últimos dez anos. Ao somar o valor das cotas com o do risco hidrológico, o custo real dessa energia para o consumidor está, em média, na casa dos R$ 180 o MWh.  

Portanto, a capitalização da Eletrobras é um dos pontos fulcrais relacionados à legítima preocupação sobre os contratos existentes de compra de energia detidos pelas distribuidoras, denominados de “legados”. Essa expressão representa as eventuais sobras de energia que as distribuidoras podem vir a acumular no futuro, posto que mais consumidores estarão aptos a migrar para o mercado livre em busca de preços menores. 

Sobre esse ponto, cabe esclarecer que a sobra de contratos de energia não significa prejuízos certos para o consumidor, pois o resultado sempre dependerá de dois preços: o valor de compra dessa energia por parte da distribuidora e o valor de venda dessa mesma energia no mercado de curto prazo. O que ocorre é que quando o preço de curto prazo é maior do que o preço de compra, a sobra involuntária das distribuidoras resulta não em ônus, mas sim em bônus para os consumidores. 

Isso poderia ter ocorrido nos últimos dez anos, como mostrou um estudo da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia), caso o mercado livre de energia já estivesse acessível para todas as categorias de consumidores. Nesse período, o benefício ao consumidor poderia ter sido de R$ 52 por MWh, com ganhos de R$ 10 bilhões por ano. Ressalta-se que esse valor não representa ganho financeiro da distribuidora, que repassa ônus e bônus da compra de energia aos consumidores, em um modelo comercial que pressiona seu fluxo de caixa e retira autonomia na gestão da sua carteira de clientes.

Mas o passado está dado e são os benefícios auferíveis do futuro o que nos interessam. Nossos estudos mostram que o custo associado às sobras de energia ou à exposição involuntária das distribuidoras seria da ordem de aproximadamente R$ 0,05 por MWh na média até 2035. É um valor ainda conservador na medida em que não considera mecanismos de gestão de carteira que as distribuidoras têm à disposição e que poderiam ser melhorados, assim como também não considera alterações em curso para que o PLD (Preço da Liquidação das Diferenças) incorpore a geração térmica despachada atualmente fora da ordem de mérito para garantia da segurança energética.

Esse custo, se houver, será plenamente compensando pelos ganhos que o consumidor terá com a migração para o mercado livre, onde poderá adquirir energia com preços, em média, 27% menores. Essa redução de custo no preço da energia, um dos componentes da tarifa, permitirá diminuir a conta de luz em 15% na média, benefício que contribuirá para desacelerar em 0,61 ponto percentual o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Há perspectiva de economia de R$ 210 bilhões em gastos com energia elétrica até 2035 que, injetados na economia, têm potencial de gerar 642 mil novos empregos.

A conta fecha aproveitando uma janela de oportunidades que envolve decisões governamentais sobre contratos vincendos da Eletrobras, como visto, e também da energia de Itaipu e de termelétricas, que podem reduzir naturalmente o estoque de energia das distribuidoras em 31% até 2027.

Por essas razões, inclusive com a capitalização da Eletrobras, é factível antecipar, com robustez metodológica, que o acesso ao mercado livre de energia elétrica pode ser estendido para os usuários da rede de alta tensão já em janeiro de 2024 e a todos os consumidores brasileiros a partir de janeiro de 2026. Isso acontecerá com respeito aos contratos, segurança jurídica e estabilidade, sem resultar em custos aos consumidores – ao contrário, com benefícios mensuráveis. O consumidor de energia elétrica, depois de absorver sucessivos aumentos, merece essa boa notícia.

*Rodrigo Ferreira é presidente-executivo da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia).
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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