Governo decide impor restrição a dois armadores em licitação de terminal de contêiner em Santos

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

O STS10, novo terminal de contêineres no Porto de Santos (SP), será licitado com restrição a que os armadores Maersk e MSC e suas subsidiárias montem um consórcio para entrar na disputa. É a proposta apresentada pela ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) para ser levada a audiência pública nas próximas semanas. 

Na prática, a proposta de restrição vai impedir que uma das três grandes operadoras de contêineres no porto, a BTP (Brasil Terminal Portuário), possa entrar na concorrência. A BTP é uma sociedade entre a TiL (Terminal Investment Limited), controlada pelo armador MSC, e a APM Terminals, do Maersk. Os outros dois grandes terminais de contêineres em Santos, Santos Brasil e DP World, não têm armadores no controle (são chamados de bandeira branca).

No entanto, as duas empresas não serão impedidas de entrar na disputa se forem sozinhas ou se consorciarem a outras companhias, de acordo com a proposta que será apresentada ao público a partir de 8 de março e ficará disponível para contribuições até 21 de abril.

O STS10 vai ocupar uma área de 601 mil metros quadrados na região do Saboó, no lugar onde hoje há terminais de pequeno porte e uma área ainda sem ocupação. A BTP é vizinha dessa área. Será o 4º grande terminal de contêineres no porto, que é o mais importante do país para esse tipo de carga, com estimativa de movimentar 2 milhões de TEUs/ano (em 2021, todos os terminais do porto de Santos movimentaram 4,8 milhões). A estimativa de investimentos é na casa dos R$ 3,3 bilhões para um contrato de 25 anos.

Conflito concorrencial
A questão concorrencial é o maior ponto de conflito nesse processo, que se arrasta há pelo menos uma década. Na prática, ele está inserido num conflito em curso no mundo, onde se avalia os benefícios ou não da verticalização e cartelização dos armadores (donos de navios), que passaram a operar conjuntamente as linhas de transporte marítimo de contêineres (chamadas de joints) e a controlar os terminais portuários em várias parte do mundo.

Os joints foram impulsionados num momento de sobreoferta de navios, quando os preços dos fretes no mundo afundaram na década passada. Mas, depois da crise no sistema de transporte por causa da Covid-19, quando preços de frete subiram até dez vezes, foram abertas investigações de órgãos de defesa da concorrência em países da Europa e nos Estados Unidos para avaliar os efeitos dessa cartelização, que estaria tendo impacto na inflação de vários países do mundo. 

Restrições insuficientes
A restrição prevista no STS10 foi considerada insuficiente por representantes de empresas que falaram sob condição de anonimato, indicando que o processo deverá passar por muitas contestações administrativas e até judiciais. Críticas também ao fato de o processo estar sendo feito antes da concessão do porto e à necessidade de ter mais um terminal de contêineres também foram apresentadas e rebatidas pelos representantes do governo (reportagem abaixo).

O diretor de investimentos da TiL, Patrício Júnior, reclamou da restrição à concorrência atingir a BTP e lembrou que os concorrentes não sofreram qualquer tipo de restrição. Segundo ele, as empresas TiL e APM Terminals haviam decidido entrar separadamente na disputa. Elas avaliam que restrições devem ser impostas posteriormente, quando necessárias, e não na disputa.

O secretário de Portos e Transportes Aquaviários do Ministério da Infraestrutura, Diogo Piloni, e o diretor-geral da ANTAQ, Eduardo Nery, lembraram que a proposta para o STS10 está ainda em consulta pública e pode ser alterada com as contribuições apresentadas. Mas defenderam que a restrição é suficiente para garantir a concorrência entre terminais no futuro e não prejudicar a competitividade do leilão.

ANTAQ considerou cenário mais restritivo
Para levar o STS10 a audiência pública, o secretário de Portos, Diogo Piloni, afirmou que foi feito um estudo concorrencial, produzido pela EPL (Empresa de Planejamento e Logística). Essa avaliação indicou qual seria a interlândia (área de influência) a ser considerada para uma análise concorrencial e qual seria o ponto perigoso para a concorrência pela movimentação de contêineres. 

Segundo Piloni, os estudos indicaram que o único ponto de risco seria ter como vencedora a BTP ou o mesmo grupo controlador. De acordo com ele, o modelo está em consulta e será “estressado ao máximo” para tentar garantir a maior competição possível no leilão.

“Fizemos mais de 50 arrendamentos e foram raros os casos em que colocamos restrição. A intenção é licitar com restrição apenas quando [esta] se mostrar necessária”, afirmou o secretário.

Eduardo Nery, diretor-geral da ANTAQ, lembrou que, para decidir pela restrição, a agência considerou o cenário mais restritivo do estudo da EPL, ou seja, aquele que analisa somente a concorrência dentro do porto de Santos (sem considerar outros mercados, como Paraná, Santa Catarina e Rio de Janeiro). A intenção, de acordo com o diretor, é garantir concorrência adequada no mercado de contêineres após o início da operação do novo arrendatário no porto. 

A agência avaliou a concentração de mercado pós-leilão, em caso de vitória de algum dos três grandes operadores hoje. Em todos os cenários, os operadores terão um share superior a 40%, o que para as avaliações concorrenciais é considerado elevado.

No entanto, a defesa da agência é que, no caso específico do mercado de contêineres e pelo fato de os terminais que não tiveram restrições serem de bandeira branca, não haveria prejuízo concorrencial no caso de vitória de algum deles, portanto não foram apresentadas restrições. Estudos sobre o tema apontam que há uma necessidade de algum nível de concentração do mercado de movimentação de contêineres para que seja possível pagar os elevados investimentos e ter uma produtividade adequada do terminal.

Guerra concorrencial
O mercado de contêineres no porto de Santos é hoje motivo de uma verdadeira guerra. Há denúncias em apuração no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e no TCU (Tribunal de Contas da União) sobre a atuação dos armadores sócios da BTP. 

A informação apresentada nas denúncias é que eles levam suas cargas preferencialmente para a BTP, onde pagam valores de THC mais altos ao terminal de que são sócios do que os pagos para movimentar a carga nos terminais de empresas que não controlam. 

Patrício Júnior, da TiL, nega a prática, dizendo que os armadores cobram um THC único para o porto de Santos. Ele defende que a verticalização é um processo que traz benefícios à sociedade, porque as sinergias entre o operador portuário e os armadores levam a custos operacionais menores, que são repassados aos consumidores.

A visão dos concorrentes é diferente. Informam nas denúncias que o custo maior em operar num terminal mais caro é repassado aos clientes, ou seja, os importadores e exportadores de cargas. Dizem ainda que, no momento, Maersk e MSC, que dominam mais de 50% do mercado de transporte de contêineres no país, só não levam mais carga para a BTP porque o terminal não tem mais capacidade de operar. 

Pedidos de restrição
Por isso, nas denúncias que fizeram, já estavam pedindo restrições à participação deles no STS10. Patrício Júnior, da TiL, afirma que com a restrição de capacidade da BTP, o terminal vai reduzir seu share e os concorrentes no porto vão ter mais de 50% do mercado em pouco tempo.

As denúncias de concorrência desleal em Santos estão sendo feitas por meio da Abtra (Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados), que reúne parte dos operadores do porto. O presidente da associação, Angelino Caputo, diz que os estudos que basearam o modelo de arrendamento do STS10 na parte concorrencial foram contestados pela associação no Cade.

Conforme mostrou a Agência iNFRA, o órgão de defesa da concorrência entendeu que eles não estavam de acordo com as decisões mais frequentes tomadas pelo órgão em relação à concorrência no setor. E decidiu encaminhar para a Seae (Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade) do Ministério da Economia a denúncia para avaliação do órgão.

Os ministérios da Economia e da Infraestrutura têm tido uma relação conflituosa nos temas concorrenciais no atual governo. Recentemente, conforme mostrou a Agência iNFRA, uma avaliação sobre concorrência no setor de movimentação de contêineres entre terminais gerou um confronto entre as duas pastas.

Operador pagará valor por contêiner movimentado
Pela proposta que será levada à consulta pública, o vencedor da disputa pelo STS10 vai pagar à autoridade portuária do porto de Santos (SP) um valor de arrendamento fixo de R$ 6,2 milhões, além de R$ 54,55 por cada contêiner movimentado. 

O valor da outorga, ainda a ser definido, será dividido em 25% do total na assinatura do contrato e outras seis parcelas anuais. A taxa de retorno estimada do projeto foi de 9,8% ao ano, de acordo com o estudo.

O secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Piloni, diz que a movimentação de contêineres em Santos é algo essencial para o país e que ela está chegando a limites perigosos. Segundo ele, a movimentação está crescendo acima do projetado (15% mais em tonelada em 2021), com mais demanda especialmente do agronegócio para a movimentação de cargas nessa modalidade.

“Esse terminal é de crucial importância para o Brasil”, defende Piloni, lembrando que os investimentos nele vão prepará-lo para receber os grandes navios desse tipo (366 metros e 400 metros) nos próximos anos.

“Pra que correr?”
Angelino Caputo, presidente da Abtra diz que os estudos do PDZ de Santos não mostram a necessidade de um novo terminal de contêineres até 2030. Para ele, uma sobreoferta leva a problemas para os terminais pois fortalece a posição monopolista dos armadores na formação dos preços de movimentação dos contêineres.

Caputo também discorda de se fazer o arrendamento desse terminal antes da concessão prevista para a autoridade portuária de Santos. Segundo ele, entregar a área para o futuro concessionário licitar seria mais atrativo para a concessão. 

“Esse projeto não é uma unanimidade. Se é polêmico, para que correr desse jeito?”, reclama o diretor da associação.

“Não dá para parar o porto”
Eduardo Nery, diretor-geral da ANTAQ, concorda com o secretário de Portos e diz que há risco de o porto de Santos ficar sem capacidade para movimentar contêineres, visto o crescimento real desse tipo de movimentação nos últimos anos. Ele discorda do presidente da associação quanto à atratividade da futura concessão. Para ele, é mais atrativo ao futuro concessionário ter um contrato certo, que gera receitas.

Piloni defende que o governo decidiu não parar os procedimentos de arrendamento de nenhum dos portos que estão com suas autoridades portuárias sendo estudadas para concessão para evitar problemas no atendimento dessas companhias. 

“Não dá para parar o porto de Santos porque estarmos discutindo um novo modelo de gestão”, defendeu o secretário, lembrando que, em algum momento do processo de concessão haverá uma posição sobre se o arrendamento será feito ou não para se fechar as contas da concessão.

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