RENATO SUCUPIRA,
Presidente da BF Capital

 

“Toda vez que você tem alguém fazendo obra mais barato, você está atingindo um custo mais baixo para a sociedade”.

Na sala de reunião do seu escritório em São Paulo, Renato Sucupira deixa troféus de cada uma das dezenas de operações de crédito no setor de infraestrutura que ajudou a estruturar na BF Capital desde que assumiu, em 2011, a presidência da companhia.

Cada uma é considerada mesmo uma vitória num país que, para ele não tem os pilares básicos para que um projeto de longo prazo saia: estabilidade econômica, segurança regulatória e financiamento. “Por isso você vê que a infraestrutura está mal no Brasil. Simples assim”, disse Sucupira, em entrevista à Agência iNFRA.

O presidente da companhia classificou como um erro a mudança proposta para a TJLP porque, segundo ele, todos os países do mundo praticam subsídios para alavancar sua economia. “O que está errado não é a TJLP, o que está errado é a Selic. Se uma ferramenta é mal utilizada, você não acaba com a ferramenta. Acaba com o mau uso”, afirmou o engenheiro com especialização em finanças que foi diretor do BNDES até 2004.

Sucupira vê o futuro das concessões no país com mais esperança devido à chegada de novas empresas para o setor, interessadas em administrar os bens por longo prazo e não apenas com ânimo para fazer obras, como ocorria. “Toda vez que você tem alguém fazendo obra mais barato, você está atingindo um custo mais baixo para a sociedade”.

 

Agência Infra – O senhor tem experiência na estruturação de projetos tanto na área pública, por ter sido diretor do BNDES, como no setor privado. O que faz a diferença entre um projeto bem-sucedido e um malsucedido?
Renato Sucupira – Tem questões estruturais e conjunturais. Projetos de longo prazo requerem, primeiramente, estabilidade econômica. Eles necessitam, pedem essa estabilidade. E projetos de infraestrutura têm algumas características básicas. Eles são intensivos em capital. São investimentos vultosos com retorno em longo prazo e não tão altos, mas consistentes. Ou seja, você tem normalmente uma garantia de receita de longo prazo.

De que tipo?
Elas vão acontecendo e acaba sendo uma segurança para o investidor. Por essas características, o projeto requer uma alavancagem razoável, e o financiamento é fundamental. A gente tem pilares básicos, como a estabilidade econômica.

Que não temos tido.
Não temos. Também precisamos de marcos regulatórios confiáveis. A regra do jogo tem que estar definida e ser cumprida. O marco regulatório tem que ser definido de uma maneira que seja aceitável pelo mercado. E precisa de financiamento de longo prazo. Esses três pilares são fundamentais. Aqui, os marcos regulatórios são inseguros e financiamento a gente não tem. Por isso você vê que a infraestrutura está mal no Brasil. Simples assim.

E como se soluciona isso?
Vamos falar um pouco de estabilidade econômica, porque ela tem reduzido muito o apetite dos investidores, principalmente estrangeiros. Os brasileiros estão quebrados, e os estrangeiros, receosos. Então, há escassez de investidor. Por outro lado, você tem uma imensidão de oportunidades no Brasil. O que acontece? A estabilidade não atingida faz com que a exigência de retorno seja maior. Portanto, o Custo Brasil cresce. As pessoas não conseguem entender o que é isso. Fala-se muito que o leilão de linha de transmissão foi um sucesso.

O governo vende isso.
Mas a que custo? Óbvio que foi um sucesso.

 

E qual foi o custo?
O governo teve que dar um retorno mais alto do que se ele tivesse estabilidade. Quem vai pagar essa conta? A sociedade, porque essa conta vai cair em algum lugar. Na conta de luz. Para você produzir a energia e ela ser consumida, ela tem que ter uma linha de transmissão, que é paga como se fosse um pedágio. A empresa faz e cobra um pedágio do governo para levar a energia. Esse pedágio está mais caro. Portanto, a conta de luz será mais cara. Quando o BNDES tirou a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), vi as pessoas vendendo: está vendo como não precisa da TJLP, todo mundo está se financiando. Lógico, mas a um custo maior. É uma avaliação que precisa ser feita, se a sociedade deve pagar uma conta de luz mais cara ou se deve colocar a TJLP para financiar a linha.

E o que você acha? Há um discurso de que os subsídios da TJLP distorcem o mercado.
Esse é um lado meio polêmico que nem gosto de entrar porque posso ter opiniões meio distintas. Mas é difícil imaginar que a TJLP em torno de 7%, mais spreads do BNDES em torno de 3%, o que significa dizer quase 7% de juro real e chamar isso de subsídio. O que está errado não é a TJLP, o que está errado é a Selic. Dizer que está emprestando a 10% de juros enquanto lá fora é perto de zero e dizer que isso é subsídio? Qual é o Custo Brasil nisso? O KFW (banco de desenvolvimento do governo alemão) foi criado no final da 2ª Guerra para a reconstrução da Alemanha. A Alemanha já foi reconstruída, e o KFW não acabou. Por que tem isso? Trabalhei na parte Exim do BNDES, ligada à OMC (Organização Mundial do Comércio). Não existe país sem subsídio. O uso errado da TJLP, que é o que vinha se fazendo, não deve fazer com que você acabe com ela. Se uma ferramenta é mal utilizada, você não acaba com a ferramenta. Acaba com o mau uso. Sou contra acabar com a TJLP. Pode se dizer que tem um custo para o governo, mas isso é questionável. Os economistas falam de um jeito ou de outro, tem sempre um parecer favorável ou contrário. Mas se não usasse os recursos do Tesouro, poderia se usar a TJLP dentro dos padrões existentes, sem impacto para o Tesouro, e emprestar sem problema para reduzir o Custo Brasil. A linha de transmissão teve sucesso porque tem marco regulatório confiável, risco de demanda zero e retorno alto. Por isso, tem investidor. Se fizer para os outros projetos, vai ser a mesma coisa.

Mas os outros setores aguentam pagar a conta?
Se chegar numa estrada e falar que garante a demanda, der retorno alto e fizer um marco regulatório, vai ter mais investimento que já tem. Isso não é questão de avaliação de quanto que o governo acha necessário ou não. Esse papo que não precisa de TJLP. Quando vejo gente dizendo que banco vai financiar. Vai financiar como se nem capta em longo prazo?

Não tem funding?
Banco vai ficar dando garantia para o BNDES? Não vai querer, prefere ficar fazendo arbitragem. Quanto está seu cheque especial e quanto te dão de retorno? Eles pegam uma parte da população que aplica e dão 10%, e da outra parte que pega dinheiro, cobram 100%. Você acha que vai sair desse mercado, com o governo com taxas absurdas? O governo tinha que baixar em 2% a Selic. Com uma redução de 3%, o déficit público já estaria resolvido só com a diminuição do que governo paga por ano de juros da dívida.

O que queria entender é se, com o mercado privado, você vai suprir a quantidade de capital que precisa para os projetos de infraestrutura?
Consegue se der um retorno alto. Na linha de transmissão ninguém reclama porque você não está vendo o pedágio. Mas, se colocar na estrada, aí vão reclamar. Mas, no fundo, o governo está transferindo o custo para a sociedade, na conta de luz, do mesmo jeito. É só uma questão de retorno, marco e risco. Para a linha de transmissão, não tem risco de demanda, porque o governo paga pela linha de transmissão, passando com energia ou não. Mas no aeroporto, tem risco de demanda. No metrô tem risco de demanda.

Para o resto o preço aparece. Tem saída?
O investidor privado precisa de retorno. O que o governo precisa fazer é, quando quiser impactar menos no Custo Brasil, ele tem que entrar colocando recursos para baratear o custo da operação e transferir menos para a sociedade. Simples assim. Se disser, vou fazer um aeroporto ou estrada e garantir a demanda, vai se exigir um retorno menor. O governo tem que ter também essa avaliação. Estivemos discutindo com uma delegação de ingleses sobre PPPs (Parceria Público-Privadas) e eles estavam dando exemplo de um projeto de uma nova linha de metrô. Ali, existe garantia, financiamento público forte, uma PPP com maior participação pública, e um risco baixo de demanda porque tem uma garantia de demanda pelo governo. Dá para o privado colocar dinheiro.

Aqui o ministro que cuida disso diz que o P da parte pública não tem dinheiro para colocar…
Esse é o problema. Aí, voltamos aos três pilares. Estabilidade econômica, incertezas, marcos regulatórios. O cara entra e vem a Dilma (Rousseff, ex-presidente) e muda a regra do jogo. Como fica o estrangeiro? E, por último, a parte financeira. Tudo isso somado, vira uma questão chamada risco. A leitura do investidor compõe risco. De demanda, regulatório, do governo ter incertezas se vai continuar, se vai ter uma revolução. Isso se soma e diz para ele que o risco no Brasil para um investimento em infraestrutura é alto e precisa de um retorno alto e de um financiamento alto, alavancagem alta. Por isso, você vê os setores que têm mais investimento é linha de transmissão, um pouco de energia, a depender do tipo, porque também tem garantia de demanda. E saneamento que tem um apetite grande, porque não tem um risco de demanda. Não precisa o governo garantir porque ninguém vai parar de consumir água. Embora, o que precise no saneamento seja um outro item.

Os investimentos são contínuos, mas são baixos. O que precisa para alavancar?
É muito baixo. Acho que a Inglaterra investiu 9 bilhões de pounds no ano passado. Se foi, são mais de R$ 40 bilhões. Na Inglaterra, é meramente para manutenção. O sistema já existe, não tem novas linhas, é só melhoria. Aqui não chega a se investir R$ 45 bilhões num país que precisa absurdamente. Olha a diferença. E por que não tem investimento aqui? O risco é baixo e o marco regulatório não é ruim, mas é muito pulverizado. É município. Linha de transmissão é com o governo federal, é venda no atacado. Saneamento é varejo, muito mais complexo num país como o Brasil.

Qual é a complexidade?
O nível municipal. Além disso, o setor sempre teve uma participação pública muito grande. O setor privado não responde por 10%. Essa participação pública através do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), das empresas estaduais, elas não conseguem fazer os investimentos por incapacidade total financeira e não querem largar. E quem paga por isso é a sociedade.

Paga quanto? E como?
Não tendo o serviço. Simples. Não é que pague caro pela água. Vamos nas empresas estaduais e quem defende isso é o corporativismo das estatais, que pagam salários altos e exigem baixa produtividade, sem eficiência. É o benefício de poucos em detrimento de muitos. Onde foi privatizado, você tem investimento. Onde não foi, não tem. Como você pode imaginar que em uma cidade como São Paulo, uma das maiores do mundo, uma potência, você joga esgoto em dois rios, falta água. Isso é inconcebível. Por que não tratam os rios? Se tratar, não precisa mais nada, a água está aqui. E você vai depender de água de chuva?

E que vem de longe…
Transferir água naquele projeto de São Lourenço? Gasta esse dinheiro para tratar a água do Pinheiros. Isso é no maior estado do país, na melhor companhia que tem, a Sabesp. É muita ineficiência. As empresas privadas que entraram estão ganhando dinheiro e prestando um serviço melhor. Por que eu tenho que defender a participação do Estado nisso? Não tem benefício. Onde tem empresa privada, o serviço está melhor. Na empresa pública, está pior. Onde tem empresa privada tem investimento. Com a pública, não tem. Qual a vantagem da sociedade nisso?

Temos conseguido fazer alguma coisa na área de aeroportos, onde a BF Capital participou da estruturação de alguns projetos, mas não conseguimos avançar para outras áreas de transportes. O que o aeroporto tem de diferente?
É a mesma coisa da linha de transmissão.

Demanda?
No aeroporto, você tem um marco regulatório um pouco mais confiável. Isso é o primeiro. Segundo, temos uma característica de país continental que não tem ferrovia. Então, tem que se locomover por avião. Existe uma demanda reprimida muito grande aqui. Você tem o marco e acredita no longo prazo, porque eles entraram acreditando nisso, esses que entraram por último. Não falo desses que não fizeram uma entrada com uma visão operacional, de fazer um aeroporto melhor. E, mesmo assim, os aeroportos estão melhores. Com todas essas coisas que a gente conhece agora. Ou seja, o upside é muito fácil. Você vai falar de Viracopos que está com problema. Guarulhos também, Galeão. O que foi que deu errado? Foi a demanda? Está baixa, mas não foi isso. Eles eram construtores querendo fazer obra. Não estavam se importando com a operação, com o gasto absurdo de obra. Nesses quatro novos, os estrangeiros vêm para operar e ser produtivos e eficientes na operação.

Brasília é um pouco diferente?
É o melhorzinho. Primeiro porque a operadora lá tinha 50%. Agora, tem 100%. Em Guarulhos, Galeão e Campinas elas tinham 5%. Era meramente fictício. Era para fazer obra, o que é uma coisa. E outra é fazer algo que seja eficiente para operar com baixo custo. Se você faz obra grande, você tem um ônus porque o financiamento vai ser caro e você vai ter que remunerar o investimento. Não dá para imaginar e comparar com aeroportos envolvidos na Lava Jato. Se está lá, já não é um mercado normal. Se fosse com regras de mercado, não teria ocorrido isso. Como imaginar que a Infraero tinha 49% do capital, pagava pelo capex (despesa de capital) e não reclamava. Quanto maior a obra, melhor para o construtor, não para a sociedade.

Então aeroporto dá para fazer?
Mesmo que estejamos numa situação muito ruim, ninguém espera que isso vai ficar assim por muito tempo. O aeroporto, por ser algo internacional, as regras aeroportuárias são mais globais. A regra de rodovia, energia, saneamento são particulares ao Brasil. O saneamento é municipal. A energia tem um sistema único por causa da grande produção do Norte e o consumo no Sudeste. É um sistema paradigma no mundo. Muita gente vinha aqui para entender, e a Dilma quase destruiu. Está sendo recuperado agora e, de modo geral, é regular e mais confiável e por isso tem investimento.

Essas mudanças nos leilões de aeroportos, alterando regras para evitar esse competidor que está mais interessado na obra do que na prestação do serviço, melhoraram os leilões?
Muito. Esses quatro agora foram só operadores. Construtora não entrou. É um salto de qualidade absurdo. Essa é uma tendência no mundo inteiro. Se pegar essa linha de metrô em Londres, você vai ver que a construtora está fora do consórcio. Não está com o operador porque é um conflito de interesse. Ela não pode ser a operadora porque onde é que ela vai deixar o lucro maior: na obra ou na operação?

 

Então você vai como tendência ter empresas de concessão?
Exatamente. E você vai ter o epecista, o construtor, que negocia com a operação, com o regulador. Ele pode participar societariamente de forma extremamente minoritária para que tenha o comprometimento e bote equity para ajudar no investimento. Mas ele tem toda uma regulação, não bem uma regulação, mas uma negociação forte com os majoritários que fazem a gestão para que ele dê um preço mínimo. Os caras que ganharam os aeroportos vão fazer um leilão reverso. Vai chamar várias construtoras e uma delas pode entrar com equity temporário. Depois de um certo ano, ele sai. Fica durante a obra para mostrar que está correndo risco junto, e depois sai, porque o negócio dele não é ser operador. E o do outro não é construir. Essa divisão, agora com a derrocada das construtoras envolvidas na Lava Jato, e não quero julgar ninguém com isso, você vai ver cada vez mais. O investidor financeiro e o estratégico não são envolvidos com a construtora. O caso do Pátria, Vinci, Brookfield. Não tem construtora. O Pátria ganhou a rodovia e vai perguntar para as construtoras. Qual o preço que você dá? O menor, ganha a obra e acabou.

Para você, isso é melhor ou pior para ao país?
Muito melhor. Toda vez que você tem alguém fazendo obra mais barato, você fazendo leilões transparentes e corretos, você está atingindo um custo mais baixo para a sociedade. O sucesso do leilão de transmissão é fácil de atingir porque você tem marco regulatório, zero risco e retorno muito alto. E você paga na conta de luz. E o cara fica dizendo que não pode fazer subsídio. Isso é papinho de Chicago Boy que acha que o mercado é livre e tudo acontece pelo mercado. Todos esses países têm (subsídios). Esses instrumentos são usados para entrar nas falhas de mercado da economia. Só que o Brasil hoje é uma falha de mercado só.

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