MIKE MUNRO,
CCO (CHIEF COMPLIANCE OFFICER)
DA ODEBRECHT ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO

A liderança deve estar 100% empenhada em fazer a coisa certa
e estar fazendo a coisa certa”

O advogado americano Mike Munro, com mais de 30 anos de carreira implantando sistemas anti-corrupção em grandes companhias pelo mundo, não precisou de muito tempo para aceitar um grande desafio: acabar com a corrupção na Odebrecht, a companhia mais envolvida nos crimes relacionados à Operação Lava-Jato.

Após conversas com os acionistas da companhia, Mike diz que achou que sua tarefa poderia ser cumprida pelo compromisso de toda e empresa em virar a página e seguir em frente. E também pelo que ele chamada de principal regra para o combate à corrupção empresarial.

“A liderança deve estar 100% empenhada em fazer a coisa certa e estar fazendo a coisa certa”, disse o advogado em entrevista à Agência iNFRA, realizada em Brasília na semana passada.

Após um ano como CCO (Chief Compliance Officer) da empresa, uma espécie de diretor anti-corrupção que só se reporta ao conselho da companhia, Munro garante: nem todos os negócios da Odebrecht estavam envolvidos em corrupção.

Infelizmente, acho que há um real efeito negativo com a Operação Lava Jato, que tem muitos efeitos positivos, mas que traz essa percepção de que todos os negócios foram corrompidos. Eu não acredito nisso”.

Mike Munro diz que entende os problemas das autoridades brasileiras para fazer os acordos de leniência com as empresas envolvidas na operação e diz que a Lava Jato tem ajudado a acelerar mudanças que o país já vinha fazendo em relação ao combate à corrupção, citando a melhoria dos processos nas alfândegas nacionais.

Agência iNFRA – Em que situação o senhor encontrou a empresa quando chegou?
Mike Munro – Eu queria entender onde a Odebrecht estava em relação ao mundo e para onde gostaria de ir. Utilizei muito tempo com conversas com executivos. O que encontrei foram executivos e diretores 100% direcionados a virar a página, fazer a transição e solucionar o passado. Eles tinham um grupo de advogados americanos para solucionar esse passado. O importante é que eles estavam direcionados a fazer negócios sem corrupção, fazendo o necessário e o esperado, numa perspectiva global, com todos os tipos de controles, procedimentos e processos para estarem seguros de que a corrupção não ocorrerá novamente. E também para demonstrar, internamente e para todo mundo, que a Odebrecht mudou. Estavam completamente compromissados em fazer o que tinha que ser feito. Então, eu achei que seria fácil, porque esse era o meu foco.

Como o senhor garante que a empresa não vai entrar em negócios com propina, corrupção ou qualquer outro tipo de irregularidade?
Os programas de compliance globais são conhecidos e têm sido implementados em empresas nos últimos 15 anos. O que eles têm encontrado são organizações que buscam este processo e seguem os passos. As empresas fazem o que é esperado, baseado em uma série de regras.

E o que é esperado?
Isso é um pouco complicado. Nos EUA se descrevem nove elementos [regras de compliance], os ingleses descrevem seis. No Brasil são descritos 16. A regra da Odebrecht tem 10 elementos. Mas o interessante é que todos descrevem a mesma coisa sobre o que as companhias têm que fazer e, se elas não implementarem, elas não terão um bom ou efetivo programa global de compliance. E esses programas descrevem coisas básicas. As companhias devem ter um bom treinamento em comunicação para solucionar os riscos de corrupção. Deve ter processo para gerenciar o recebimento de presentes, para ter certeza que os seus funcionários não estão recebendo presentes extravagantes. É uma maneira de evitar propina. Tem que ter um sistema formal de duo diligence para seus contratos com terceiros e rever esses contratos com uma equipe interna direcionada para isso, checando tudo.

Se o senhor pudesse escolher apenas uma dessas medidas, qual seria?
[Risos] A liderança estar 100% empenhada em fazer a coisa certa e estar fazendo a coisa certa. Se você tem uma liderança falando sobre integridade, mas não está vivendo de maneira íntegra, assegurando para seus empregados que está fazendo o certo, não está recompensando os comportamentos adequados, não está desestimulando os comportamentos fora do compliance, nada adiantará. Você pode treinar, ter todo o sistema de compliance do mundo, mas sem a liderança completamente engajada, nada vai adiantar, é o que acredito.

Uma das regras da Odebrecht é que a corrupção não pode ser justificada por uma cultura local. Como fazer isso num país como o Brasil em que há ainda uma cultura na sociedade de tolerar a corrupção?
Eu acredito que muitos negócios têm sido feitos no Brasil, ao longo dos anos, livres de corrupção. Eu tive carreira por 20, 30 anos na Dow Chemical. Eles eram muito ativos no Brasil e na América Latina, e eu não acredito que eles estavam envolvidos em corrupção. Eu não tenho elementos para dizer que eles pagaram propina para ter plantas aqui. Se havia corrupção em algum ponto de alfândega, por exemplo, isso foi limpo pelo Brasil por sistemas automatizados. Infelizmente, acho que há um real efeito negativo com a Operação Lava Jato, que tem muitos efeitos positivos, mas que traz essa percepção de que todos os negócios foram corrompidos. Eu não acredito nisso. Ou que em tudo que a Odebrecht estava envolvida havia corrupção. Eu também não acredito nisso. Sei que há grandes projetos envolvidos, mas temos projetos, como a Linha 2 do Metrô do Panamá, em que não houve corrupção. Não houve. Esses contratos ficaram livres de corrupção. Entendo que as pessoas achem que tudo está corrompido, mas esse não é o caso. E, de fato, essa não é uma parte positiva da Lava Jato, porque se coloca publicidade demais nas pessoas e nos negócios envolvidos em corrupção. Eu acho que é relativamente fácil, em particular no Brasil, fazer negócios livres de corrupção. A Petrobras não está toda envolvida em corrupção. Tiveram lideranças envolvidas, foram mudadas. A população no Brasil está na expectativa de que agora mais negócios possam ser feitos livres de corrupção.

E como fazer com que esses projetos sem corrupção sejam o modelo de fazer negócios no Brasil?
Primeiro, eu acho que esses são o modelo da maioria. Mas nada é 100%. Mas, de fato, desde a Lava Jato eu acredito realmente que o risco de corrupção caiu significantemente. Há alguns passos que são necessários para reforçar isso. Empresas e governos precisam treinar seu pessoal para enfatizar o que é aceitável e o que não é. O governo precisa fazer processos mais transparente. Fui CCO (Chief Complience Office) na Transocean, com muitos negócios no Brasil, parte deles com a Petrobras. Negócios domésticos, todos eles sem corrupção. Porque o processo de concorrência interno, que era diferente do internacional, todo era transparente. As companhias tinham acesso às informações, todos tinham acesso a tudo, à mesma informação, uma forma maravilhosa. Tínhamos segurança de que nenhuma pessoa, governo, ninguém demandaria propina ou que as companhias não ofereceriam. O Brasil tem avançado em muitas áreas. Agora, com a Lava Jato, as pessoas estão vendo que o risco é grande, e o risco disso acontecer agora é significativamente menor.

O senhor acha que essas medidas adotadas podem tirar a lucratividade e a possibilidade de crescimento da empresa?
Há um custo nos programas de compliance. Eu de fato não tenho um grande orçamento. Tenho uma equipe de 10 pessoas e outras 14 assessorando muitos trabalhos, e isso tem um custo que impacta na lucratividade. Certamente há problemas com contratos de terceiros que não compartilham dos nossos valores e não podem fazer negócios conosco. Não posso trabalhar com empresas que pagam propina, porque não será uma relação proveitosa e nossos empregados têm que dizer não para esses contratos e perder algumas oportunidades. Então, temos impactos negativos em custos e lucratividade. Mas a história mostra, com o que ocorreu com a Odebrecht nesse tipo de procedimento, que nunca devemos nos envolver com corrupção. Temos que mostrar que não estamos envolvidos, e nosso trabalho será menos lucrativo. Parte disso é porque propinas não serão pagas. E olhando de uma maneira maior, empresas, bancos, governos e pessoas vão ver que nós, de fato, transformamos a companhia, e realmente vamos fazer negócios lucrativos e com credibilidade, sem os custos negativos. Com isso, os custos de compliance serão compensados pelos novos negócios que serão ainda mais rentáveis para a empresa.

Como garantir que o mercado seja competitivo e regras como essas de compliance também sejam cumpridas por todo o mercado?
Novamente, há um efeito positivo da Lava Jato. Há muito menos pessoas demandando por propinas, muito menos. Nós somos competitivos. Odebrecht tem uma história vencedora em engenharia e construção. Há trabalhos inacreditáveis em lugares mais difíceis do mundo, feitos com sucesso, garantindo segurança, qualidade. E nós seremos mais e mais competitivos. Nós estamos numa fase em que há menos gente demandando propina no mundo, isso está cada vez menor. O setor de óleo e gás é um exemplo. Havia muitas maneiras de praticar corrupção há 10 anos. Muitas empresas foram flagradas em atos de corrupção. Hoje, em lugares como Nigéria, ou outros lugares, ou organizações que tiveram muita corrupção, as coisas são de fato diferentes. As empresas estão ganhando contratos como devem ganhar. Não vivemos num mundo perfeito. Mas a tendência está do nosso lado. E a tendência é menos demanda [por corrupção], menos risco, pessoas reconhecendo a negativa associação com a corrupção, tanto por quem demanda como por quem oferece.

A companhia ainda não conseguiu fazer os acordos de leniência no Brasil. O senhor acha que o caminho que país está adotando em relação a este tema é adequado?
Acho que sim. Temos tido muitos exemplos de países, como os EUA onde há várias formas de atuação com resultados positivos para as companhias. Odebrecht tem um acordo no EUA e queremos fazer no Brasil. Para mim é compreensível [a demora], porque as regras são novas. Há diferentes formas e agências de governo e elas precisam ficar confortáveis e ter seu tempo para trabalhar nesses assuntos. Eu estou confiante que essas agências vão encontrar uma solução, porque nós estamos abertos. Queremos ser transparentes. Acho que todas concordam que isso faz sentido.

Mas se essas agências trabalharem juntas seria melhor para solucionar essa situação?
Sim. Mas, ao mesmo tempo, cada agência tem a sua responsabilidade. Isso tudo é muito novo, e vimos em muitos países o envolvimento de várias partes no processo. Mas eu estou confiante de que as pessoas querem fazer a coisa certa. Eles sabem das suas responsabilidades com suas agências e estão tentando solucionar esse problema. Tenho grande respeito por esses órgãos de governo no Brasil, e acho que eles precisam de tempo para entender o processo, sentir que ele é bom.

Considerando sua experiência no combate à corrupção empresarial, quanto o senhor avalia que as empresas perdem em desenvolvimento, melhorias produtivas e de tecnologia quando aderem a sistemas corruptos, cartéis e coisas desse tipo?
É difícil quantificar isso, mas claramente, se uma companhia ganha um contrato não baseado em competitividade não estará apta a fazer bons negócios. Engenharia e construção não são necessariamente negócios dirigidos por novas tecnologias e pode parecer que o impacto é menor. Mas claramente tem um impacto negativo, porque não há incentivos para desenvolver outras áreas por estar pagando propina. E o desenvolvimento de tecnologias é algo importante.

Como o senhor vê o futuro do país após essa operação?
Eu tenho trabalhado com o Brasil há muito tempo. Todos os meus empregos tinham importantes operações com o Brasil. Eu vi um grande crescimento no país nos últimos 15 anos em relação à alfândega. Quinze anos atrás, era muito difícil fazer qualquer coisa nessa área sem pagar a alguém. O Brasil solucionou isso. E realmente eliminou isso. Eu vi o Brasil antes da Lava Jato. Eu via a Petrobras como um modelo e falava sobre isso com pessoas na Indonésia, Tailândia e outros lugares: olhem como a Petrobras é. Eu tenho visto crescimento positivo, e a Lava Jato colabora completamente para acelerar esse crescimento na área de negócios. Quero dar um exemplo do impacto cultural disso. Toda vez que eu viajava para o Rio ou para outros lugares do Brasil, o taxista perguntava se eu queria um recibo em branco para que eu pudesse preencher de forma incorreta. Recentemente, peguei um táxi e ele preencheu e assinou o recibo com os valores corretos. Eu vejo isso como uma mudança. As pessoas estão pensando melhor sobre corrupção, associando a uma forma negativa. Isso tem um grande valor. Brasileiros são pessoas apaixonadas, otimistas e acho que têm um grande futuro. Nunca podemos esquecer o passado e ele não pode voltar. Mas a Odebrecht vai voltar.

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