DANIEL FEDSON,
DIRETOR DO GI HUB (GLOBAL INFRASTRUCTURE HUB)

“A QUESTÃO É ENCONTRAR PROJETOS VIÁVEIS COM BOA ESTRUTURAÇÃO E BEM PREPARADOS”


Dimmi Amora, da Agência iNFRA

O australiano Daniel Fedson esteve no Brasil em outubro para mostrar, com números, um quadro assustador para a infraestrutura do país. “O Brasil tem uma enorme lacuna de 44% do que é necessário para fazer”, aponta o diretor do GI Hub, órgão criado pelo G20 (grupo de países mais ricos do planeta) para auxiliar no desenvolvimento da infraestrutura pelo mundo.

Ainda pouco conhecido no Brasil, o GI Hub faz pesquisas sobre o setor, levanta números e faz comparações entre os países, como forma de incentivar a melhoria em áreas específicas para o desenvolvimento da infraestrutura como regulação e financiamento, por exemplo. Além disso, tenta conectar os projetos governamentais a investidores privados

Nesta entrevista à Agência iNFRA, o diretor de investimentos da entidade aponta que o país tem um dos maiores déficits de infraestrutura do mundo, principalmente em transporte e energia, mas que é possível encontrar saídas. Segundo ele, a chave está no desenvolvimento de bons projetos e na criação de uma agência controladora dessa etapa do processo de construção da infraestrutura, além de considerar, sempre, o interesse público no desenvolvimento dos projetos.

Com larga experiência pelo mundo em gestão de fundos, Fedson garante que não faltam recursos para bancar bons projetos.

A questão é encontrar projetos viáveis, com boa estruturação e bem preparados. É nessa parte que estamos colocando nossos esforços”, disse Fedson.

Agência iNFRA – Como é uma ferramenta nova no Brasil, poderia explicar o que é o GI Hub?
Daniel Fedson – É uma iniciativa recente estabelecida pelo G20. O GI Hub (Global Infrastructure Hub) foi anunciado em Brisbane (Austrália), em 2014, mas começou a funcionar há apenas 18 meses. A chave dessa iniciativa é conectar infraestrutura pública aos investidores privados para trazer o envolvimento do setor privado aos investimentos públicos. Por que isso é importante? Por que o G20 está dando atenção para isso? É realmente porque o G20 representa 85% do GDP (Produto Interno Bruto) global e eles reconhecem que investimentos fortes e robustos em infraestrutura levam ao crescimento da economia global. Por exemplo, tem um estudo recente que diz que investimentos de 1% do PIB em infraestrutura promovem retorno de duas ou três vezes o investimento inicial. Em mais detalhes, o G20 reconhece que a grande contribuição do setor de infraestrutura será o crescimento global. Eles reconhecem também que tem muito dinheiro disponível para ser investido e a disponibilidade de recursos não é um problema. A questão é encontrar projetos viáveis, com boa estruturação e bem preparados. É nessa parte que estamos colocando nossos esforços.

No investimento em infraestrutura temos um problema porque, nos lugares que são mais organizados para fazê-los, precisam de menos infraestrutura; nos lugares que mais precisam, não conseguem ter a organização para fazer. Tem como solucionar essa questão?
Eu vou descordar um pouco disso. A razão é porque nos Estados Unidos, por exemplo, se tem a maior lacuna em investimentos de infraestrutura do mundo. Essa lacuna corresponde a 30% da necessidade de investimentos, de acordo com as nossas análises, e fizemos a mesma análise para um total de 50 países.

Então, todos os países têm que solucionar esse problema?
No momento, tem uma guerra por investimentos em infraestrutura. O Brasil não é o único. Em muitos países, as empresas estão competindo por investimentos e projetos de infraestrutura. Se comparar os Estados Unidos com a China, a China necessita do dobro de investimento em infraestrutura, mas a lacuna deles é de apenas 7%. Isso mostra que os Estados Unidos têm uma grande capacidade de fornecer infraestrutura com uma população enorme e empresas de alta qualidade. A questão do país talvez não seja a capacidade, mas a definição de uma agenda de ações para incentivar investimentos públicos e projetos de infraestrutura. Estou te dizendo isso porque os EUA vão continuar a ter essa grande lacuna. Assim como em muitos estados nos EUA, que possuem infraestrutura, mas não podem criar novas, apenas fazem manutenção da infraestrutura existente. Cada jurisdição tem seus problemas e o Brasil, pelo que sabemos, está entre os top 5 países com as maiores lacunas de investimento. As estimativas sugerem que o Brasil investe apenas 56% do necessário em infraestrutura, ou seja, tem uma enorme lacuna de 44% do que é necessário para fazer.

Como pode ser resolvido? O Brasil é um país que tem muitos problemas com despesas e outras demandas como educação e saúde.
Os dois setores de infraestrutura mais importantes para o Brasil são transporte e energia (eletricidade). Não tem apenas uma solução, isso é multifuncional. Na área da infraestrutura você deve considerar seis dimensões principais para promover investimentos. O primeiro é um bom governo, boas leis, o que significa poder político e suporte político; é o mais importante. O segundo é uma boa organização, como já sabemos, e garantir eficiência nos projetos. A terceira chave está na transparência dos projetos. Se olharmos para o Canadá, Austrália e EUA, eles têm transparência, o que facilita para poderem se preparar e se mobilizar para realização dos projetos. É preciso também trabalhar com o governo, criar projetos que envolvam o governo e que são possíveis com investimentos públicos. Uma das nossas iniciativas é para ajudar a conectar o investidor e o mercado privado com o governo e conseguir um engajamento prévio. O momento mais importante é o primeiro estágio de um projeto e não a sua estrutura final. É muito importante que o trabalho inicial seja feito da forma correta.

Esse envolvimento do setor público com o privado muitas vezes faz com que o interesse do setor privado prevaleça sobre o do privado, principalmente quando é para fazer determinado projeto, normalmente uma obra grande com grande orçamento. Como é possível solucionar esse conflito de interesses?
Tem a parte pública e a parte privada. Para garantir que o interesse público seja protegido é preciso ter maturidade e experiência em serviços públicos. Mas é muito importante que você tenha partes igualmente capazes e que o setor público não tenha medo do setor privado que, de várias formas, traz inovação e benefícios, mas eles precisam ser gerenciados. Um projeto não pode ser administrado apenas pelo setor público, tem que ser gerenciado pelo setor público e capturar os benefícios e inovações do setor privado. É uma parceria. Tem que ter uma presença igualitária. Quando ela não é igual, cria-se um investimento muito pobre e o projeto não vai ter sucesso. Tem que ser balanceado, com uma relação madura entre as partes. É um longo processo que precisa de equilíbrio.

Para conseguir esse equilíbrio é preciso ter confiança entre as partes. No Brasil, esse é um problema com as revelações da Operação Lava Jato. Como é possível recuperar essa confiança?
Confiança é difícil de recuperar. E é importante aprender com o passado. Confiança demora um tempo para ser construída novamente, deve ser feito em pequenos passos. Muitos países estão tentando reconstruir a confiança e é como um governo age, criando consistência, tomando decisões racionais e sendo bem transparente nas decisões tomadas. É o setor público e você tem que ser transparente ao dizer porque um projeto é mais importante do que o outro, existe uma grande massa comercial por trás daquilo. Esse processo e a preparação de um projeto levam à confiança. Mas não é construída em um dia, demoram anos para conseguir e são destruídas em um dia. Então, é muito importante que o governo seja transparente e claro nos sinais para recuperar a confiança. Se demonstrar muitos sinais inconsistentes ao mercado, isso quebra a confiança. Se o governo tiver projetos inconsistentes e sem o fluxo necessário, assim como uma larga lista de projetos, não traz confiança.

O Brasil tem alguns problemas graves com estudos de viabilidade e projetos. Há algum levantamento ou exemplo nessa área de país que conseguiu superar essa falha para tornar os investimentos mais qualificados?
A preparação de um projeto envolve muitas áreas, mas quando falamos no geral, o Canadá, o Reino Unido, a Alemanha, a Austrália e a Nova Zelândia são exemplos de uma preparação robusta de projetos. Eles também têm agências independentes. Na Austrália, por exemplo, temos a Infrastructure of New South Wales que é uma agência do governo independente e as demais agências devem ir até ela e pedir uma autorização para o projeto. É como um gatekeeper que analisa se aquele projeto pode ser realizado. A revisão do projeto inclui a parte pública e a privada. Temos muita experiência com participantes privados e com o serviço público que deve revisar o projeto e ver se é de alto nível e se o negócio é de alto nível. Os projetos deveriam ser, em primeira instância, direcionados para os objetivos e prioridades do governo que são refletidos nessa agência. Os projetos devem ser relevantes para o governo. Se eles acharem que faz sentido ter um hospital em determinada área ou uma estrada em uma região sem muito movimento, eles vão decidir.

No mesmo sentido, nós temos problemas também com a capacidade bancária dos projetos.
Historicamente no Brasil, teve um banco em particular que qualificaria os outros bancos, mas esse banco específico não permitiu outros bancos estrangeiros de participarem do financiamento colaborativo. Eu acho que para o projeto ser interessante para os bancos, deve ser bem preparado, economicamente racional, assim o projeto sozinho se vende e se torna mais viável para os bancos.

O crédito não é a questão principal?
É um dos problemas, mas se o projeto não for bem estrutura e não for economicamente racional, ele nunca será viável para os bancos. Um projeto bom e racional tem um bom suporte público.

A tecnologia vem mudando os sistemas e o mundo como um todo. Como os projetos de infraestrutura precisam pensar sobre isso para que não cheguem obsoletos ou sem a funcionalidade que deveriam cumprir?
Vários países lidam de forma diferente com isso. A tecnologia está evoluindo muito rápido, principalmente a tecnologia de TI (Tecnologia da Informação). O tamanho dos computadores há 10 anos é muito diferente do tamanho dos computados hoje, até os usuários dos computadores são diferentes. Nos hospitais, a tecnologia representa 30% da operação. Em relação à TI e aos projetos de infraestrutura, o que acontece é que o a definição do prazo do contrato é muito importante. Na Austrália, por exemplo, o prazo dos projetos de tecnologia é limitado a 7 anos.

Você tem que renovar o contrato em 7 anos para incorporar novas tecnologias?
Isso, ou abrem o projeto para o mercado e bancos novamente. Dependendo do projeto e da quantidade de tecnologia utilizada, se for uma escola eu acho que não tem muita tecnologia, mas educação é mais dinâmica agora com os quadros eletrônicos e outros dispositivos. A tecnologia está mudando a forma como os serviços hospitalares são oferecidos. Em um ambiente de transporte, é interessante ver a tecnologia que está sendo desenvolvida. Mas infraestrutura é um investimento a longo prazo e você deve estar ciente de que, sem um prazo longo, é possível perder flexibilidade para tecnologia. Realmente depende do projeto e de quanta tecnologia é investida. Eu não posso prever o futuro, eu não sei como o transporte do futuro será.

É um grande desafio para o setor público porque mudanças em contrato não são bem vistas, as pessoas não gostam de ter o contrato mudado. Culturalmente no Brasil, devido aos benefícios que algumas empresas recebem em mudanças de contrato, é um desafio. Tem que mudar a cultura do país.  
Sim, mas esse é o primeiro ponto. Como você mantém o interesse público nesses projetos? Em contratos de 30 anos naturalmente vai ser necessário fazer mudanças. Uma das iniciativas que estamos desenvolvendo é uma ferramenta de gerenciamento de contratos e um dos aspectos chave dela é o que acontece se o contrato for renegociado. Temos muitos exemplos no Brasil onde um contrato foi renegociado e precisa de maturidade e a habilidade certa dos dois lados, público e privado. É também muito importante que o serviço público preserve o interesse público e o risco que originalmente estava no contrato. Ou que seja um consenso comum a mudança dessas questões. Não só a tecnologia, mas a forma de entregar os serviços está mais inteligente e têm trazido muitas mudanças.

Como o GIHub pode, efetivamente, auxiliar os países a terem um crescimento na área de infraestrutura?
Nós temos várias iniciativas. Um exemplo específico é a plataforma para divulgação dos projetos governamentais para investidores internacionais. No Brasil tem uma lacuna em infraestrutura, mas também tem um grande ambiente para promoção de projetos futuros. Esses projetos estarão em uma plataforma global para garantir que o Brasil amplie a sua base de investidores aumentando o perfil do país com competidores globais, não se apoiando apenas em investidores locais. Temos também outras iniciativas que eu já mencionei e plataformas de compartilhamento de dados e boas práticas em infraestrutura. Nós somos um Hub e a tarefa básica de um Hub é criar conexões, parcerias e apresentar o parceiro correto para o país correto.

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