CÉSAR BORGES,
Presidente da ABCR
(Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias)

 

“ESTÁ TUDO PARADO. SERÁ QUE ESSA É A MELHOR SOLUÇÃO PARA O PAÍS?”
O presidente da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), César Borges, 68 anos, ex-senador, ex-governador e ex-ministro, não vê na crise política atual o principal problema para que o governo federal apresente solução para as obras paradas de concessões de rodovias.
“Falta centralidade, quem vai ser empoderado para resolver”, critica o representante das concessionárias de rodovias, em entrevista à Agência iNFRA,
Nos cálculos da associação, são cerca de R$ 10 bilhões em obras paradas nas rodovias federais concessionadas. Para ele, além da decisão política de agir, “que está demorando”, é necessário também dar mais autonomia às agências reguladoras em relação aos órgãos de controle.
“Hoje, ficar parado, é o melhor para o agente público, mas é muito ruim para o país”, critica o ex-governador que diz se arrepender de não ter feito mais concessões rodoviárias na Bahia em seu mandato por pressão de opositores que, depois dele, fizeram pedágios em locais onde criticavam. “Sem pagar pedágio, agora você só sai de Salvador a nado”.

Agência Infra – A prometida Medida Provisória para tentar solucionar o problema das rodovias concedidas ainda não saiu. Por que o senhor acha que ela ainda não foi publicada?
César Borges – Só o governo pode responder isso, sinceramente. Não sei porque não foi ainda. A notícia que disponho é que o governo está empenhado em publicar porque há urgência em verificar aquelas concessões que podem ser encaixadas nessa nova MP de forma que retomem os investimentos de infraestrutura tão necessários para o país. Mas está demorando. Há um atraso, uma lentidão para a solução, que não vem de agora. Comecei a tratar desse assunto desde que cheguei na ABCR, em setembro de 2016.

A que o senhor atribui essa demora?
Num primeiro momento, faltou entendimento de que era importante manter as concessões funcionando no aspecto de investimentos, de melhorias na infraestrutura. Essa solução tinha que vir do governo, que é o poder concedente. O setor privado fez sugestões, apresentou cartas relacionando o contexto dos problemas, caminhos a serem seguidos. Mas o governo houve por bem tomar outros caminhos, o que foi até uma surpresa, que foi a edição da MP 752.

Por que foi surpresa?
Não estava no cenário, delineada. Ela apareceu de uma hora para outra. Foi feita uma MP para que aja a possibilidade de uma devolução amigável, o que achamos de difícil execução. Ia demorar e a prática está demonstrando isso. Estamos há 10 meses do fato e, simplesmente, nada andou. Você pode constatar em cima de dados da EPL que os investimentos têm caído significativamente no setor de infraestrutura, com queda acentuada nos investimentos públicos e mais ainda nos investimentos privados.

Quais são os números? Os gastos totais regrediram desde 2014. A queda é de 26%, de acordo com dados do governo que vocês da Agência iNFRA informaram. Separado o gasto privado, a queda é ainda maior, de 36%, considerado gastos com rodovia, ferrovia e aeroporto. Foram só R$ 8,9 bilhões no ano passado e esse ano vai ser menos ainda porque o investimento de 2014 até 2016 foi o da terceira etapa das rodovias e das concessões de aeroportos. Agora não tem mais isso, as obras foram concluídas nos aeroportos e as novas não começaram. No setor de rodovias, quase todas estão paralisadas. A MP demorou para ser editada e, quando foi, a única janela que deixou foi a da relicitação. Ela foi aprovada já no fim do prazo possível e se retirou o mais importante para o setor de rodovias que era possibilitar ampliar o prazo dos investimentos. As empresas paralisaram. Hoje não tem nem investimento público, porque não há recursos no orçamento, e de forma idêntica no setor privado.

O que falta para a MP ser utilizada?
A MP sequer tem regulamentação que permita ser utilizada. Isso é preciso para a empresa que quiser ou tiver vontade de fazer uma devolução amigável possa conversar com alguém para saber como será o acordo, o que terá de ressarcimento, como paga. Ela precisa de regulamentação, de contratar empresa para definir modelagem e isso não foi feito. Isso significa que daqui a 2 anos vamos estar falando do mesmo assunto. E sem os investimentos.

Na tramitação da MP havia um acordo para que se pudesse ampliar o prazo de investimentos de cinco para 12 anos. O governo disse que as empresas quiseram prazo maior e nada foi aprovado. Isso de fato ocorreu?
Isso aconteceu, mas foi decisão do parlamento e num acordo com o governo que tem maioria parlamentar. Como deixou para ser votado no último momento antes da caducidade dela, a oposição colocou a faca no peito e o governo aceitou retirar o artigo que permitia reescalonar os investimentos. Paciência, o governo salvou o restante que tinha mais interesse, principalmente na parte ferroviária, na parte referente aos aeroportos. Mas a parte rodoviária ficou sem solução, ficou na chuva. A nova MP, que está sendo aventada, que não tiro o mérito do governo, do Ministério do Planejamento, principalmente, já tem mais de 60 dias que está sendo discutida e não foi editada.

Qual a consequência disso para os usuários?
A situação das estradas, da BR-060, da BR-262, não tem solução. As empresas estão na expectativa para reformular o seu planejamento, seus planos de negócios, para voltar a investir. O BNDES quer ver essas concessões viáveis. Tem empréstimos ponte de R$ 4 bilhões, R$ 5 bilhões que foram investidos em 2014, 2015. Mas agora o dinheiro acabou. Precisa de empréstimo de longo prazo, mas precisa iniciar por essa questão de recompor a modelagem com o reperfilamento dos investimentos. Mas não vai ser nada gracioso. Vai ter diminuição de tarifa. Quando o investimento não é realizado você recalcula, dando um desconto.

Isso já tem consequências para os trabalhadores do setor e usuários das rodovias?
Com a paralisação, milhares de trabalhadores foram demitidos, em torno de cinco mil é nossa estimativa nas cinco concessões. Com relação aos serviços, o usuário está prejudicado porque os serviços não estão sendo feitos. No caso do Mato Grosso do Sul, até a OAB entrou com ação na Justiça Federal. A ANTT vai ter que dar uma reposta em 90 dias, já passaram uns em 15 dias, sobre o teor da carta feita pela MS Vias solicitando readequação do contrato. A MS Vias já fez, alertando. Ela estava em dia com os investimentos até 1º de abril. Ela fez a carta e disse que teria que parar porque estavam defasados em relação ao contrato e explicou os motivos. A ANTT não deu resposta até hoje.

O senhor teme que esse tipo de ação e outras que estão por vir, falam até em CPI no Congresso, possa desestabilizar o sistema de concessões públicas federal?
Acho que desestabilizar, não. Mas alertávamos já no ano passado para todas as autoridades que iam parar os investimentos e era preciso dar uma solução. A única solução foi a MP mas que não tem eficácia por não ter a regulamentação. Então, está tudo parado. Será que é essa a solução melhor para o país? O governo federal tem que liderar a procura de uma solução. Se há dificuldade, por exemplo com o TCU, que se vá lá e explique, faça um trabalho de convencimento. Quem paga é o usuário e isso é muito ruim. Do ano passado para cá, o setor não está tendo investimentos.

O senhor fala que o governo precisa liderar uma solução. O quanto a crise política já está atrapalhando essa possível solução?
Não vejo a crise política atuando tão fortemente nessa questão. Em 2016, não havia crise política. Teve o impeachment e um governo começando a trabalhar, falando em retomar o desenvolvimento e combater a recessão com investimento em infraestrutura. Esse investimento tem uma duplicidade de vantagens. São mais empregos, gera impostos e mais receita para o governo, que tem problema de redução das receitas. Por outro lado, desafoga o custo de produção do país. O produto barateia, o Brasil ganha competitividade. Tem duas vantagens que se somam. Todos são unânimes em dizer isso. Mas falta ação.

Mas não é a crise política que leva a essa inação?
Não. Quando começamos a conversar sobre isso no ano passado, o governo estava iniciando as providências. Mas, lamentavelmente, as coisas não aconteceram e quando aconteceram foram inócuas.

O senhor fez concessões como governador da Bahia e como ministro dos Transportes. Que falhas o senhor vê que não cometeria novamente?
Como governador fiz a primeira concessão do Norte e Nordeste. Foi a Linha Verde, na Bahia, de Salvador até Sergipe, que foi duplicada. Sofri crítica de todos os lados dos partidos de oposição. Quando viraram governo, que foi o caso do PT, teve concessão para tudo que é lado. Teve da BR-324 para Feira de Santana, da Sia Aeroporto e da Paralela. Eu queria fazer essas e não fiz face à resistência tremenda que esses partidos criaram. Depois, eles mesmos fizeram. Pena eu não ter feito. Tive que colocar dinheiro público que podia estar em escolas e hospitais. Hoje está duplicado graças a concessão feita pelo governo do PT. Sem pagar pedágio, você só sai de Salvador a nado. Me arrependo de não ter feito mais concessões.

E como ministro?
Fizemos muito grande para essas concessões. Não me arrependo de nada, mas acho que houve um momento audacioso no PIL (Programa de Investimento em Logística) de duplicar em 5 anos. Mas o Brasil crescia, tinha previsão de PIB de 4,5%. As empresas foram com entusiasmo. O governo, numa política de poder, ia financiar até 60% com juros atrativos. Por que fazia? Tinha necessidade da infraestrutura para facilitar o transporte das riquezas nacionais. Mas, na prática, o BNDES não financiou, houve recessão. Ao invés de crescer 4%, desceu 3,5%. Isso afetou a demanda, o número de veículos reduziu em até 30%. Mas tinha que ser mantido o projeto e tinha que ter prioridade. Para qualquer governo, para o que estava, da Dilma, que tinha que ter acompanhado o processo todo o tempo. Eu deixei o ministério em 2014. E depois o governo que sucedeu tinha que ter acompanhado. Mas as providências são muito demoradas e os prejuízos são dados: desemprego e falta de investimento e de melhoria das estradas. E não tem solução até agora. Há interessados em solucionar, mas não deixa de ser um problema. Tem muita gente falando do mesmo assunto.

O senhor fala no governo?
Não há uma centralidade na decisão. Tem o ministério afim, entidades como o PPI, a ANTT, a EPL e ainda tem a Casa Civil. Tem até o TCU que faz papel fiscalizador da ANTT e inibe as decisões da agência. A segunda etapa de concessões a ANTT tem condições de autorizar novos investimentos que não gasta um tostão de dinheiro público, assim como a primeira etapa também. Mas o TCU decidiu que não pode fazer novos investimentos porque não estava previsto no contrato. Mesmo em estrada que estava morrendo gente. A ANTT se trancou e ninguém quer ser responsabilizado por uma medida que tomou de boa-fé, tentando resolver, e que vem um órgão de controle que diz que agiu errado, teve deficiência no que fez. Aí o melhor é não arriscar. Hoje, a inação, ficar parado, é o melhor para o agente público, mas é muito ruim para o país.

Mas diante de tantos problemas já demonstrados, não ter fiscalização seria o adequado?
Não pode aceitar é que se paralise tudo porque pode ter desvio aqui ou acola. Concessão não é dinheiro público. Você paga um pedágio que é do usuário, que é o princípio do usuário pagador. É igual a tarifa de água, luz, telefone, TV a cabo. Se usar paga, se não usar, não paga. Mas nem por isso é fiscalizado pelo TCU. A agência reguladora tem que ter autonomia. Se tira dela a autonomia e achar que tem que olhar igual a obra pública, até com a aplicação da 8.666, não vamos a lugar nenhum. Tem que ter, por parte do TCU, e reconheço que tem pessoas que estão procurando resolver, outros não, querem parar tudo, mas tem gente que tem visão moderna que quer destravar essas concessões. Se tiver errado, a lei vai ser aplicada contra o agente. Mas paralisar, não acho que seja a forma mais correta com o país.

Há críticas não apenas às concessões da terceira etapa. As da segunda, da década de 2000, ainda não terminaram seu cronograma de investimentos. Na primeira, os pedágios eram caros. Como é possível fazer um programa em que se tenha uma tarifa adequada e os investimentos sejam feitos?
Acho que o modelo de concessões no Brasil, apesar dos percalços nesses 20 anos, é um modelo de sucesso. As estradas concessionadas são as melhores do pais. Todo ano a pesquisa da CNT (Confederação Nacional dos Transportes) informa que as melhores estradas do país são privadas, são 19 das 20 melhores. O índice de satisfação é muito mais elevado que o das estradas do setor público. A concessão deixa o usuário com essa percepção. A tarifa justa tem que ter os investimentos. Se não quer investimentos, como o governo fala agora que vai fazer concessão só para a manutenção, só roçagem, tapa buracos, a tarifa pode ser baixa. Mas isso pode ser feito pelo poder público, e não por concessão. Vamos aguardar para ver o que vai sair.

Então não é possível?
Se você quer fazer duplicação, marginais, contornos urbanos, tudo isso exige grande investimentos. Para amortizar ou é pela tarifa ou ampliando o prazo da concessão ou com o governo pagando. Não tem mágica. Qualquer estrada concessionada é bem melhor que uma estrada administrada pelo poder público. Acho que se perguntar para qualquer usuário se quer de novo o DNIT na administração das estradas, acho que ninguém quer. Nem o próprio governo. Isso seria um retrocesso.

Há problemas atualmente, com o modelo atual de juros do BNDES e do mercado, para financiar os projetos de grandes obras?
A questão é: o projeto tem que se pagar. O governo se preocupa com o project finance. Se ele se financiar, quem paga é o usuário. Se precisar de mais investimento e serviços ao usuário, ele vai pagar. A não ser que o governo entre com uma parcela e aí seria PPP, que o governo não tem usado em estrada. Poderia ser concessão patrocinada, quando o pedágio é, em parte, pago pelo governo. Se vai fazer uma melhoria que é importante para a produção, que é acabar com uma rodovia da morte, que precisa de uma duplicação, mas a população não pode pagar R$ 10, que o governo pague R$ 3, R$ 4 e a população paga menos. Mas tem que ter o pagamento dos investimentos.

Os pedágios não são suficientes?
As concessões só começam a ter algum retorno após o 12º ano. Até lá são investimentos, trabalha-se com VPL (Valor Presente Líquido) negativo. Foi um erro no início das concessões no Brasil não ter feito investimento no começo. Como a tarifa era alta, a população se queixou. Mas o momento era outro também, com altas taxas de juros. Hoje, com juros caindo, pode-se viabilizar esses projetos. Mas se for alto, juros de mercado aplicado, quem vai pagar não é o concessionário, é o usuário. Termina nas costas de quem vai pagar. O governo vai ter que fazer a opção. O setor tem dificuldade de financiamento, porque, no Brasil, financiamento de 25 anos é só o BNDES. Como ele restringiu, isso é um problema para o setor de rodovias. Capital externo vem, mas investido nas concessionárias já consolidadas. Numa para começar, não vão. Principalmente se tiver em moeda estrangeira.

E há solução?
A solução está na centralidade do governo, em quem vai ser empoderado para resolver. E realmente começar a ter ações efetivas, pedir apoio ao Congresso Nacional, aos órgãos de controle, o setor privado está pronto para investir e quer investir.

Então eu vou insistir. Como um governo com todos esses problemas vai conseguir essa centralidade e essa harmonia que é necessária?
Rapaz, os problemas políticos, no Congresso Nacional, no Ministério Público e com a Justiça não tem muito a ver com isso, não. São medidas executivas. Requer visão de solução de problemas de médio e longo prazo, vontade política de resolver. Acho que não é a crise política que, nesse assunto, tem contribuído. Se for, é muito perifericamente. Reputo é à falta das soluções adequadas. Para mim, é um problema executivo.

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