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BRUNO DANTAS,
MINISTRO DO TCU (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO)
“Transparência e sinceridade são as chaves para um aperfeiçoamento do diálogo interinstitucional”
Em 2014, aos 36 anos de idade, o advogado Bruno Dantas tornou-se o mais jovem ministro nomeado na história centenária do TCU (Tribunal de Contas da União). Ex-consultor legislativo do Senado e com passagem pela iniciativa privada, Dantas chegou ao tribunal num momento de severas críticas à atuação do órgão no setor de infraestrutura das quais, algumas, concorda.Mas Dantas justifica que a transformação do modelo, da primazia do investimento público para o privado, levou o tribunal a mudar a forma de fiscalizar, mas que o controle continua necessário.“O governo reduzir os investimentos diretos em obras de infraestrutura não significa que a sociedade brasileira não está financiando”, disse o ministro em entrevista à Agência iNFRA, indicando que o modelo de concessões foi distorcido no Brasil com o forte controle de empreiteiras sobre concessionárias.Agora, o ministro tenta conduzir o país ao que ele chama Pacto pela Infraestrutura, com a reunião num só organismo de lideranças do governo, dos órgãos de controle e da sociedade para gerir os problemas que hoje atrapalham o desenvolvimento do setor.

“Muitas vezes, o TCU está a fazer uma análise, mas não teve a oportunidade de uma interação olho no olho. Recebeu tudo por escrito, no papel. E sabemos que papel aceita tudo”, afirmou Dantas defendendo mais transparência e diálogo entre os órgãos do Estado.

Agência iNFRA – Dentro do sistema de infraestrutura, há sempre alguma crítica, mas também um pouco de desconhecimento, sobre o papel do TCU (Tribunal de Contas da União) no setor. O senhor pode explicar o que de fato é o limite do TCU na área?
Bruno Dantas – O TCU vem passando por uma transformação importante. Até os anos 90, o tribunal fazia basicamente análise de atos de admissão, aposentadoria e algumas licitações e contratos mais simples. Dos anos 1990 em diante, o tribunal começa a se aperfeiçoar nas auditorias de conformidade em obras, com as recomendações ao Congresso para que obras com irregularidades graves não recebam recursos. Agora, nos últimos cinco a seis anos, o tribunal vem se dedicando a uma nova vertente, que é a apreciação da eficiência das políticas do governo.

Por que o senhor acha que isso foi necessário?
Não foi apenas uma vontade do tribunal. Ele, como órgão de controle que é, precisa se adaptar ao modelo de gestão. Historicamente, quem fazia obra no Brasil, era o Estado. Com a chegada das primeiras concessões, lá nos anos 90, e principalmente agora, com essas últimas concessões, tivemos uma mudança nesse eixo, que foi as concessionárias assumindo a responsabilidade por obras de ampliação. Com isso, o que ocorre? O Estado reduz o montante dos investimentos diretos e passa a transferir para o setor privado uma atividade que antes realizava, mediante pagamento de tarifa. Ocorre que o fato de o governo reduzir os investimentos diretos nessas obras de infraestrutura, não significa que a sociedade brasileira não está financiando. Antes, financiava pelo recolhimento de tributos e investimentos do orçamento. Agora, continua financiando, mas mediante pagamento de tarifas. E isso requer uma transformação na forma de fiscalizar.

Nesse ponto também há uma divergência, porque se critica que se fiscaliza uma concessão como se fosse uma obra pública. O que o senhor tem visto aqui corrobora isso?
Existem dois problemas nessa crítica que o tribunal merecidamente recebe. E vou tentar explicar e justificar por que o tribunal age assim, embora reconheça que a crítica muitas vezes é procedente. O modelo de concessões implementado nos últimos 10 anos é algo complexo, porque todas as concessionárias têm como acionistas empreiteiras. O que se vê muitas vezes, como no caso de aeroportos, a Infraero foi obrigada pelo governo a entrar como sócia minoritária das SPEs (Sociedades de Propósito Específico) e você tinha como sócia majoritária uma empreiteira. Elas deveriam fazer apenas a prestação de serviço para operar a concessão. Detectamos que muitas superfaturavam obra privada para poder repassar para a Infraero o seu quinhão de prejuízo, o que evidentemente é um absurdo.

Distorceu-se o modelo de concessão?
Sim. Levaram empreiteiras para operar concessões. Infelizmente, o mercado brasileiro, na última rodada de concessões, não estava suficientemente aberto. Não quero generalizar, não são todas as concessionárias nessa situação, mas há muitas concessionárias que são só a parte vistosa de uma empreiteira que historicamente tem todos os problemas que estão aí na Lava Jato. O tribunal parte dessa realidade em primeiro lugar. Segundo, temos identificado um problema muito sério na regulação que é feita pelas agências. O modelo de concessão, para funcionar bem, precisa de agências fortes que funcionem bem. Houve um acórdão de 2015 em que identificamos que as nossas agências tinham problemas das mais variadas ordens, como falta de transparência no processo decisório, vacância por longos períodos de tempo do conselho, falta de processo de gestão de risco. Para se ter uma ideia, nenhuma agência na época do estudo tinha gestão de risco.

E qual a consequência disso?
Ao dar um tiro no escuro, a assimetria de informação entre a concessionária e a agência passa a ditar a relação entre ambas. A concessionária tem muito mais informações do que a agência. Isso é natural, afinal é ela que opera a concessão. Quando vai se falar de reequilíbrio econômico, seja porque houve queda do fluxo de carros, passageiros ou uma lei do caminhoneiro que deu isenções a caminhões vazios, quem detém os números que vão subsidiar o pedido são as concessionárias. Se a agência não tem gestão de riscos adequada, não consegue antever problemas que vão se revelar num momento crítico que é o de fazer um reequilíbrio. Veja que essa análise que fizemos mostra um quadro dramático de governança das agências. Não estou dizendo que elas não têm agido para melhorar. Vejo um esforço da ANTT, de algumas agências, e reconheço que estão atuando no limite da capacidade. Mas, infelizmente, estamos longe de um padrão de governança satisfatório.

Em quanto atrapalha esse desenvolvimento o governo ainda se utilizar dos cargos dessas agências em trocas política partidárias?
Atrapalha muito, porque uma agência, por definição, é um órgão que deve gozar de independência técnica para que as melhores decisões regulatórias sejam tomadas, tanto do ponto de vista da concessionária como do consumidor. Se, por um lado, a Constituição assegura a modicidade tarifária; de outro, a regra básica de mercado indica que se elas não tiverem lucro abandonarão as concessões, deixarão de fazer investimentos, e isso acaba se refletindo em perda da qualidade do serviço público. Você imagina um órgão que tem que ter independência técnica, e por isso eles têm mandatos, são sabatinados pela câmara alta do parlamento do Brasil, se se manda alguém que não tem conhecimento técnico… Penso que o problema não são as indicações políticas. O problema são as indicações de pessoas que não têm perfil, experiência e conhecimento no setor para o qual estão sendo indicadas, porque isso fragiliza o processo de tomada de decisão da agência. Muitos dos problemas que são identificados nas agências se devem a isso: uma insegurança dos conselhos das agências em decidir.

Por quê?
Ou porque não conhecem o assunto, ou outros tipos de problema, que são da fragilidade de quem não tem corpo técnico estável, servidores em número suficiente, orçamento para fazer as fiscalizações como deveria. Então, certamente, essa insegurança que vem da falta de capacidade de alguns diretores, sem dúvida é algo que merece destaque.

No TCU o senhor fala de uma situação reversa. O corpo técnico ficou muito forte, gerando segurança para todos. O senhor acha que esse modelo pode ser reproduzido para o restante das agências?
O TCU não nasceu com o corpo técnico que tem. Isso é um processo histórico de amadurecimento institucional e de compreensão por parte dos ministros da casa de que era preciso fortalecer o corpo técnico. Veja que isso demonstra que nem sempre as indicações políticas vêm para o mal. Uma série de presidentes e ministros do TCU [indicados politicamente] participaram desse processo de amadurecimento institucional. Penso que é um modelo que deve servir de exemplo. Temos um corpo técnico muito forte. Agora, nem por isso, os ministros se sentem premidos a eventualmente fazer aqui e ali algum ajuste nas propostas que chegam para deliberação do plenário. Para isso, é preciso que os ministros tenham conhecimento técnico para fazer alguma crítica, no bom sentido, do que estão recebendo. E, para isso, tem um corpo técnico no gabinete de cada ministro.

E como funciona?
O TCU talvez seja das raríssimas instituições no Brasil em que 99,99% do corpo técnico são concursados. Não temos cargos em comissão. Quando um ministro toma posse aqui, ele tem direito a trazer dois servidores para cargos em comissão. Num gabinete de 20, só 2. E são servidores que não estão na área fim, são os que auxiliam o ministro na agenda, em atividades que não estão relacionadas na elaboração dos votos.

E isso está institucionalizado?
A lei não permite trazer um terceiro. Então, penso que algumas mudanças talvez fossem necessárias do ponto de vistas das agências, como exigir 10 anos de experiência no setor regulado, comprovada, não como estagiário. O certo é que o nosso processo deliberativo no TCU, em certa medida, reflete esse amadurecimento que poderia ser levado para as agências. Agora, isso tudo não é só o corpo técnico. Ele é importante, mas é a simbiose que existe e o respeito mútuo entre o corpo técnico e as autoridades, inclusive o Ministério Público. Temos aqui um processo decisório que não permite decisões isoladas, 100% são colegiadas. Não existe julgamento monocrático de mérito e isso fortalece institucionalmente o TCU. As agências vivem ainda os dramas de quem está conquistando o seu espaço, amadurecendo institucionalmente, e eu espero que cheguem lá. Uma grande conquista para as agências seria elas disporem melhor do seu orçamento. Sabemos que hoje até para nomear um assessor, precisa passar pelo ministro.

Até para autorizar uma viagem.
Até viagem. Elas não constituem uma unidade orçamentária autônoma, ficam dentro do ministério. E ficam mais sujeitas a contingenciamentos e ingerências políticas vindas do ministério setorial. Agora, isso tudo, de novo, é um processo de amadurecimento. O Brasil vem melhorando. Estamos longe ainda de onde deveríamos estar, mas não estamos parados. A nova lei das agências pode ser um marco importante.

No período até 2019 o senhor vai ser o responsável pelo setor de infraestrutura. O que tem chegado para sua análise e o que o senhor vê como processo mais premente?
O processo no tribunal tem um tempo próprio. Nossos trabalhos são céleres, muito mais rápidos que o do judiciário, mas têm um tempo de maturação. Uma auditoria exige planejamento e execução até que seja apreciada. Os processos de mais fôlego estão com os relatores que ficaram com a área nos anos anteriores, os ministros Walton Alencar e Augusto Nardes. Pouca coisa de mais fôlego veio para mim. Mas já me reuni com os dois secretários que se dividem nas áreas de infraestrutura, e os grandes desafios que temos são os pacotes de concessões. Embora haja certo ceticismo da iniciativa privada, percebi isso ao participar do Fórum Nacional, do economista Raul Veloso, na semana passada. O setor privado está um pouco cético quanto à realização desses leilões. O certo é que nós estamos preparados, esperando a chegada da documentação para examinar. Se vai ter ou não, é questão mais do governo e das agências. O tribunal definitivamente não costuma ser um problema, de atrasar a agenda de concessões, até porque temos tido preocupação de já ir acompanhando esses processos de desestatização a partir do momento que são anunciados. Começamos nossos estudos internos, mas há documentos que só teremos acesso quando o ministério ou a agência encaminharem. Mas, já estamos nos estruturando para receber essas rodadas.

A atuação do tribunal é vista de duas maneiras diferentes: com um grupo achando que ela atrapalha, é um entrave; e outro, que dá ao processo como um todo uma segurança jurídica de que não vai haver uma mudança brusca. O que o senhor acha que é o valor que pesa mais?
Quando se fala de contrato de concessão, obrigatoriamente ele é de longo prazo. Quando se trata de contratos de longo prazo, o valor mais importante que se pode ter é a estabilidade regulatória e a segurança jurídica. O concessionário faz suas análises e precifica tudo, principalmente o risco. O risco regulatório, dos órgãos de controle, é levado em consideração. Ninguém imagine que o judiciário quando anula um aumento de tarifa ou anula uma cláusula do contrato aquilo não será repassado. Certamente, será. Quando o TCU determina alguma mudança numa cláusula do edital, isso também precisará ser reavaliado, visto numa ótica econômica, porque as empresas trabalham nessa ótica. O certo é que, quando o tribunal se manifesta antes da liberação de um edital, na verdade, essa manifestação traz para o leilão e o contrato, uma segurança que é difícil alguém falar ou criticar o processo, [do ponto de vista] da estabilidade e da segurança jurídica. Tanto isso é verdade que os problemas que acontecem são no momento do reequilíbrio, que não foram estimados e examinados pelo tribunal. Claro que alguém pode falar que essa análise acaba atrasando. Mas a verdade é que uma análise bem feita leva tempo mesmo.

E como solucionar isso?
O que tenho defendido, num texto que publiquei recentemente defendendo um pacto pela infraestrutura, é que haja uma espécie de comitê gestor que seja integrado pelos órgãos de controle, agências, ministérios, setor privado, para que todos sentados numa única mesa possam enxergar a visão dos outros, apresentar suas considerações e eliminar o tempo que muitas vezes uma troca de ofício leva para a prática de um ato complexo como a elaboração de um edital, um contrato.

Uma das críticas também é que os próprios órgãos de controle, cada um com suas atribuições, têm pontos de interseção que acabam fazendo coisas iguais ou próximas, que poderiam ser feitas só uma vez, se repetirem.
Nas concessões isso ocorre menos. Órgão de controle que participa propriamente desses processos é o TCU. O que se pode falar é de uma licença ambiental ou operacional. Penso que, se a análise, ao invés de ser sequenciada, isolada, fosse uma análise integrada, o projeto quando viesse já tivesse o estudo de impacto ambiental, econômico, tudo feito, tudo apresentado, certamente poderíamos fazer uma análise integrada. O problema é que hoje é sequencial. Vai para o Ibama, depois para a Funai, depois para a Fundação Palmares, o Iphan. O que justifica ser sequenciada e não integrada? Por que não pode fazer ao mesmo tempo todos os aspectos, se uma não impacta na outra? Defendi que houvesse um comitê gestor não para ter uma análise definitiva, mas pelo menos a visão de cada órgão estivesse presente, e quando o edital estivesse em condições de sair, cada órgão pudesse agir com rapidez dentro do que foi ajustado nesse comitê gestor do pacto pela infraestrutura. Mas isso precisa acontecer e depende do governo querer muito. Os órgãos de controle são a favor. O TCU está à disposição. Mas é preciso que o governo envolva outros órgãos.

Quanto que as vaidades de cada órgão e gestor atrapalham isso?
Sinceramente, não acho que seja questão de vaidade. Claro, há um aspecto de altivez institucional. Ninguém quer abrir mão das suas competências. Agora, quando falo de um pacto, não falo em renúncia de competências legais. Falo de uma discussão franca a respeito de como as funções serão exercidas. Muitas vezes, o TCU está a fazer uma análise, mas não teve a oportunidade de uma interação olho no olho com a agência reguladora. Recebeu tudo por escrito, no papel. E sabemos que papel aceita tudo. Algumas vezes, o papel serve até para esconder o que não se quer dar conhecimento ao órgão de controle. Uma conversa franca, num fórum apropriado, um comitê como esse, serve para sanar omissões, dúvidas, apresentar respostas e, acho que, a partir daí, ninguém vai falar e se esmerar em exigir que sua competência seja cumprida no limite, ainda que aquilo represente uma frustração da finalidade pública que justificou a existência da prerrogativa. Nossas instituições são integradas por homens e mulheres com elevado espírito público. Claro que, quando há uma omissão de uma instituição, a outra busca agir no limite porque não sabe o que está sendo sonegado, e age até com mais rigor. Mas, no caso de um diálogo mais próximo… Temos visto isso no PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), o doutor Adalberto [Vasconcellos] que é o secretário executivo do PPI, é um quadro do TCU e tem uma conversa franca com o corpo técnico e de ministro [do TCU] e, certamente, leva ao governo essa visão [ao governo]. Transparência e sinceridade são as chaves para um aperfeiçoamento do diálogo interinstitucional.

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