Eleitor duvida do telejornal, mas acredita nas notícias

Fábio Vasconcellos*

O modelo clássico de decisão eleitoral considera duas premissas gerais bem interessantes para pensarmos o contexto das disputas contemporâneas. A primeira delas diz que informação é um elemento essencial para a escolha política, enquanto a segunda supõe que o eleitor sabe processar as informações para identificar candidatos/partidos que estão mais próximos dos seus interesses. Nesse modelo, não entra em discussão, é claro, a validade da informação (verdadeira ou falsa), nem sequer possíveis limitações cognitivas. Contra esse último ponto, a versão mais moderna do modelo considera que as pessoas buscam atalhos (imprensa, amigos, familiares) para reduzir os custos de compreensão do mundo político, seus temas e responsáveis.

Há um debate permanente entre pesquisadores sobre como essas duas premissas têm se comportado nas últimas décadas. A fragmentação das fontes de informação política e o intenso debate nas mídias sociais trazem muitas e novas questões. A proliferação de fontes reduziu ou aumentou o custo de obtenção das informações? A profusão de opiniões, os algoritmos, as notícias falsas, o dinamismo das redes, a confiança na fonte, como tudo isso afeta o processamento da informação e, por consequência, a escolha eleitoral do cidadão comum? Ele realmente presta atenção em tantas fontes? Qual seria hoje o peso dos veículos clássicos, como a televisão, na construção de mundos e percepções para o eleitor que precisa tomar uma decisão?

São muitas perguntas e respostas ainda pouco claras. A mais recente pesquisa Quaest/Genial, publicada dia 9 de dezembro, por exemplo, trouxe alguns dados curiosos que indicam contradições típicas do nosso tempo. Segundo a pesquisa, 52% dos brasileiros afirmam que se informam sobre política principalmente pela TV, seguida das redes sociais (22%). Os jornais impressos ocupam apenas 2% na lista de preferências.

Outro dado da pesquisa chama atenção. O instituto perguntou aos entrevistados se eles acreditam nas notícias veiculadas pelos telejornais e jornais impressos. A maioria (59%) disse acreditar um pouco, mas considera que os veículos exageram. Apenas 24% disseram que acreditam, e 14% afirmaram não acreditar. Aqui temos um detalhe. Enquanto as respostas “acredita” e “não acredita” são absolutas, a segunda introduz um elemento de imprecisão: acredita pouco e os veículos exageram. É possível que a causa de acreditar pouco seja o exagero? É possível. Mas é perfeitamente possível também que acredito pouco, por diversas outras razões, e considero ainda que as notícias são retratadas de modo exagerado, isto é, descoladas da realidade. Em ambos os casos, meu grau de ceticismo em relação ao noticiário televisivo e impresso parece alto.

Como as opções de respostas foram apresentadas aos eleitores, temos muitas limitações para entender as nuances desse tipo de compreensão pelos entrevistados. Mas é possível deduzir que essa primeira resposta (acredita pouco; veículos exageram) deveria seguir alguma coerência com as demais. Mas não é isso que acontece. 

O instituto mencionou algumas notícias e perguntou se os eleitores acreditavam nessas informações. Como é possível verificar no gráfico abaixo, entre 54% e 78% das respostas consideram verdadeiras as notícias sobre pobreza, crise ambiental, crise hídrica, inflação e números da pandemia. A opção “são verdadeiras, mas exageradas”, resposta, em tese, mais próxima dos eleitores que acreditam pouco na televisão e no jornal impresso, apresentou percentuais menores que variaram de 15% a 34%.

O que aconteceu para essa aparente contradição das respostas? Bem, como estamos no campo da especulação, vamos pensar em algumas saídas. A primeira delas é que as respostas “acredita”, “não acredita”, e “acredita pouco” têm um objeto genérico: a televisão e o jornal impresso. Nesse caso, a resposta “acredita um pouco, mas acha que exageram” estaria medindo mais a percepção sobre esses meios, indicando um sentimento de maior rejeição ao modo como televisão e jornal impresso relatam os acontecimentos. Mas por que os eleitores, mesmo com essa visão crítica, acreditam mais quando são especificadas as notícias?

Há uma possibilidade, considerando que a categoria “notícia” já não é monopólio desses meios. Ou o eleitor deslocou a fonte de informação para outras fontes em que ele acredita mais, ou a pergunta acabou por acionar no eleitor sua percepção de mundo e o grau com que acredita que esses fatos são verdadeiros, isto é, retratam bem a realidade, independentemente do mediador (televisão ou jornais impressos). 

Essas explicações têm muitas fragilidades, é claro, mas elas apontam algumas direções. A primeira é que o eleitor brasileiro continua se informando majoritariamente pela televisão, mas tende a duvidar mais da maneira pela qual esse meio descreve os fatos e acontecimentos (resistência ao meio). Isso não impede, contudo, que ele acredite na veracidade de algumas notícias específicas (percepção prévia da realidade). Por hipótese, uma situação em que a televisão retrate um fato considerado verdadeiro pelo eleitor tenderá a reforçar percepções e agendas. Ou seja, para os candidatos que se preparam para a disputa de 2022, uma sugestão: apesar do novo contexto da comunicação política (redes, mídias sociais), não duvidem da capacidade que meios tradicionais ainda têm para estimular ou manter temas e percepções que podem ser decisivos para o grande público.

*Fábio Vasconcellos é cientista político e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da ESPM-RJ.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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