“É hora da gente pensar que ser inteligente é ser ético”, diz o historiador Leandro Karnal

da Agência iNFRA

O professor de história e escritor Leandro Karnal será o palestrante da abertura do Congresso ABCR Brasvias – Bienal de Rodovias, que vai discutir as rodovias e as concessões brasileiras. O evento acontece nos dias 31 de agosto e 1 de setembro, em Brasília. As inscrições podem ser feitas neste link.

Em entrevista para o editor-chefe da Agência iNFRA, Dimmi Amora, ele falou sobre o tema de sua palestra, a ética nas relações público-privada no setor de infraestrutura.

“É hora da gente pensar que ser inteligente é ser ético”, disse Karnal.

Para ele, os escândalos de corrupção recentes no país apontados durante a operação Lava Jato, devem servir de lição para que todos tenham um comportamento mais ético e que isso possa ter um valor para as empresas. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Agência iNFRA – O que a gente pode considerar como um comportamento ético nos negócios entre os órgãos públicos e as empresas privadas?

Leandro Karnal – A ética ela pré-existe, ela determina todo o resto. Então, não tem problema, não tem nenhuma questão se eu disser ética pública, ética privada, ética nas relações privadas com públicas porque a questão é o comportamento ético. Ou seja, que ela seja transparente, que ela seja benéfica, que ela não funcione como uma forma ou ilegal ou que seja restritiva de questões legais e assim por diante. Não se deve discutir se a ética é pública, privada ou de relações mistas públicas-privadas, porque o que deve existir é ética, a ética pessoal, a pequena ética – que a gente chama de etiqueta -, a ética social, a ética dos negócios, a ética das relações com o governo. Tudo isso pressupõe um comportamento claro, público e que possa ser trazido à luz do dia. Tudo que tem que ser escondido, tudo que tem que ser ocultado, seja no comportamento público ou privado, não é ético. Usando a tríplice pergunta socrática: é verdadeiro? É necessário? E fará bem aos envolvidos? Então, a questão é ética. A gente fica discutindo muito os adjetivos (público, privado, etc…), mas o problema aqui é o substantivo (ética). Ou seja, ele, o substantivo, é que rege todo o resto. A maneira como eu trato a pessoa que me serve o café, como a maneira como eu assino um contrato com o governo, tudo isso passa pela reflexão, pela postura e valores éticos.

O senhor acha que isso também deve se estender para o comportamento das empresas com o público que elas têm que atender?

Karnal – A nossa Constituição garante, no seu artigo 37, características sobre o comportamento do agente público. Por exemplo, ela diz que o agente público tem que agir dentro da legalidade, tem que agir dentro da exemplaridade de todas as coisas, tem que ser impessoal, tem que ser moral, tem que ser absolutamente público, tem que ser eficaz. Essas características do nosso artigo 37 da Constituição são perfeitamente aplicadas também a todo comportamento privado. Porque é claro que o público tem uma questão dobrada porque ele gerencia recursos oriundos de impostos. Logo, o público tem a obrigação de prestar contas à sociedade. Mas o privado, mesmo gerenciando recursos próprios, não pode fazer nada que não seja público no sentido de exemplar, de trazer a luz. Então, o que vale para a preocupação pública, ainda que o agente público tenha a obrigação constitucional de prestar contas, vale também para o privado quanto a valores. Em países onde o estado é menos corrupto, a relação com as empresas também é menos corrupta. Em países onde o cidadão respeita mais as leis de trânsito, também é costume haver maior transparência política. Porque a ética ou é universal ou ela não existe, ou ela vale para todo mundo em todas as instâncias gerenciais e administrativas ou ela não existe. Não existe estado que as pessoas sejam perfeitamente coerentes na ação individual e o estado seja corrupto. Existe uma coerência nesses valores. Isso é preciso lembrar. Claro que há obrigações específicas do estado, a Constituição tem artigos específicos sobre ética pública, mas a ética é uma obrigação universal. Ladrão é ladrão, independente se ele for um empresário autônomo ou um funcionário público.

A gente teve na década passada eventos marcantes relacionados à corrupção, que prendeu milhares de pessoas e descobriu esquemas de corrupção grandes. O que o senhor acha que fica, depois de quase uma década desses acontecimentos, de lição para que a gente possa seguir nos próximos anos com negócios entre o público e o privado de forma mais transparente e ética?

Karnal – Nós tivemos, de forma dolorosa, escândalos nacionais de enorme valor sobre grandes empreiteiras e suas relações com o estado. Os escândalos não inventaram a corrupção, apenas trouxeram a público práticas que tinham décadas, algumas muito históricas. Então, existe um lado doloroso de desgaste da imagem do estado e do empresariado, mas ao mesmo tempo tem um caráter que a gente poderia chamar de catarse ou purgação, que faz com que trazer a tona toda essa podridão possibilitasse ao país repensar suas práticas na relação entre o público e o privado. Eu acho que hoje existem cuidados maiores porque nós passamos pela experiência dolorosa de ver extensões enormes apodrecidas tanto do empresariado, quanto dos políticos, e essa questão pode nos tornar melhores. Agora, não há nenhuma garantia que por termos tido escândalo de toda ordem nós seremos perfeitos daqui para diante. Porque o preço da liberdade é a eterna vigilância, o preço da ética é o constante aperfeiçoamento. Então, eu preciso, lembrando de que no passado gente muito poderosa foi presa, eu preciso ter presente isso para que no presente – seja pelo medo da prisão, seja pelo medo de desgaste da imagem, ou pelo estímulo a um comportamento positivo, seja por coerção ou consenso – eu consiga imaginar que o futuro incluiu entre as sustentabilidades de uma empresa a sustentabilidade ética, além das óbvias: financeira e ecológica, inclusive. Mas a sustentabilidade ética é a palavra de ordem. Então tomar uma atitude não ética não é só o risco de eu ir preso ou desgastar o valor moral e público da minha empresa, mas é eu interromper a capacidade de continuar trabalhando. Então, a ética é uma opção de médio e longo prazo, enquanto a corrupção é opção de prazo imediato. Assim, a ética se torna um investimento inteligente no futuro, quem era honesto continua trabalhando, quem foi desonesto foi processado, perdeu bilhões e até quebrou ou pelo menos teve sua imagem muito arranhada. É hora da gente pensar que ser inteligente é ser ético, aprender com os dramas do passado, aprender com o custo do desgaste dos valores éticos para poder continuar trabalhando. Quer dizer, ladrões não envelhecem, ladrões não tem alzheimer, eles morrem na cadeira ou morrem no esquecimento. Para a gente poder envelhecer tranquilamente e continuar trabalhando, a gente precisa restaurar valores éticos. Não é inteligente roubar, é uma estratégia do aluno colador, aquele que resolve a sua prova mas danifica sua formação. É o contrário, nós temos que incentivar quem trabalha eticamente, que é a maioria. A maioria é ético, o problema é que nós damos destaque ao não ético, nós damos destaque ao crime e isso faz crer que todo mundo está roubando a todo tempo. Não é possível isso. É preciso que a maioria trabalhe honestamente até para que alguém possa roubar, senão não existiria possibilidade do roubo. Alguém tem que produzir riqueza para que exista um ladrão. Então, eu preciso pensar como é inteligente ser honesto, como é inteligente falar a verdade, como é ético apostar em valores claros e valores permanentes. Que esses escândalos tão dolorosos pudessem ter nos ensinado isso a um custo tão alto é a minha esperança hoje.

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