‘Demoramos demais para promover mudanças’, diz Barata, ex-diretor do ONS


 Nestor Rabello, da Agência iNFRA

O ex-diretor do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), Luiz Eduardo Barata, foi personagem ativo do setor ao ter passado também por posições importantes no MME (Ministério de Minas e Energia) e na CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica).

Seu “xarope diário”, como se refere a seu trabalho, demandou uma pausa após ter deixado o ONS. Enquanto avalia novas possibilidades na carreira, observa de longe o setor elétrico cinco meses após sair do poder público, no auge da pandemia.

Em entrevista à Agência iNFRA, o engenheiro disse que o setor foi lento para resolver o GSF e fez um alerta para as mudanças climáticas que vem alterando o funcionamento do setor elétrico, há anos lidando com as consequências da insistente escassez de chuvas e aumento da temperatura.

Barata reforçou, também, a importância de se readequar o MRE (Mecanismo de Realocação de Energia) ao novo cenário da matriz energética brasileira, que é um dos pontos de atenção na reforma do governo que busca modernizar o setor.

Tendo participado de momentos importantes, como as discussões em torno do risco hidrológico, o GSF, e a criação da conta-ACR para socorrer as distribuidoras em 2014, faz uma crítica: “Demoramos muito para fazer as mudanças”.

Confira os principais trechos da entrevista:

Agência iNFRA: O Brasil tem lidado constantemente, desde 2014, com períodos de estiagem e o aumento da temperatura…
Luiz Eduardo Barata – Eu sou daqueles que acreditam na mudança climática. Existe um grupo que não acredita. Aqui no Brasil, tivemos no primeiro semestre deste ano uma seca terrível na região Sul do país, e eu me envolvi muito, porque estava no ONS. E agora temos uma seca enorme no Centro-Oeste, afetando tanto o Pantanal quanto o próprio Cerrado. Acho que, de fato, vivemos uma mudança climática que afeta, obviamente, o nível de nossos reservatórios e a nossa produção de energia oriunda de hidrelétricas. Felizmente, temos as termelétricas e a produção eólica e solar. A eólica tem batido recordes atrás de recordes no Nordeste, o que é muito positivo. E isso, de certa forma, compensa a falta das chuvas.

Diante dessas mudanças no clima, acredita que os riscos de desabastecimento estão sob controle?
Nos últimos anos, na minha experiência no ONS, felizmente nunca chegamos ao nível de risco de desabastecimento, mas todos os anos durante o período de seca era uma gestão extremamente atenta, diária, porque nunca sabíamos exatamente quando terminaria o período seco e iniciaria o período úmido. No ano passado, tivemos um atraso no início do período úmido, neste ano não sabemos. Tudo indica que vamos atrasar de novo. Estamos em outubro e os sinais não são positivos. São de que podemos ter um retardo no início da estação chuvosa. E de novo teremos de partir para gerar mais térmicas. E gerando mais térmicas, obviamente, o custo aumenta.

E quais as medidas que podem amenizar esse cenário? Por parte da gestão de risco e até de medidas regulatórias, há algo a se fazer ou sempre haverá um pouco de incerteza?
Nós temos que ter planos de contingência. Temos que ter uma matriz que leve isso em conta, considere que não vamos ter mais aquela bonança de chuvas em profusão. De certa forma, isso já está sendo levado em conta quando se olha o Plano Decenal, com a quantidade de renováveis que se coloca, que é enorme. E para depois, ao final dessa década e na outra, a expectativa que nós temos é que com a entrada robusta de renováveis nós consigamos recompor o nível dos reservatórios e que eles fiquem operando não mais na base, mas fazendo o fechamento do mercado. Então, quando isso acontecer nós ficaremos menos dependentes das chuvas. Eu acho que o setor ele está sensível à questão climática, porque isso já vem de muito tempo, uma vez que o insumo para geração depende basicamente do clima. O setor tem se espalhado muito nas previsões de vazão, aprimorando todo esse mecanismo, para que possamos ter previsões mais apuradas. Há investimento muito grande do ONS com o aprimoramento dessa informações.

O senhor também, ao longo de sua trajetória, acompanhou de perto a questão do GSF, que foi ter uma resolução somente neste ano. E temos também discussões sobre a reforma do MRE. Como o senhor enxerga o futuro dessa discussão, os desafios, e qual o seu balanço sobre isso tudo?
Eu acho que, de fato, a gente demorou muito para resolver esse problema. Porque isso surge no fim de 2013, quando eu estava na CCEE [Câmara de Comercialização de Energia Elétrica]. Depois, quando eu estive no MME [Ministério de Minas e Energia] junto com o ministro Eduardo Braga, construímos uma solução para o problema do GSF, que era muito maior que o problema recente. É importante lembrar que 75% do problema foi resolvido, que eram os relacionados ao ACR [Ambiente de Contratação Regulada], e o que ficou remanescente era parte do ACL [Ambiente de Contratação Livre]. De lá pra cá, não se encontrou solução consensual, foi-se para a Justiça, e levamos cinco anos para resolver. Ao longo desse tempo, uma série de medidas foram adotadas, principalmente pelo regulador, no sentido de minimizar as chances de termos de novo um problema.

Eu diria que o problema não está todo solucionado, porque sabemos que principalmente a geração de energia de reserva é uma fonte de problemas para o GSF, mas existe uma parte do problema, que é a própria geração hidrelétrica, e ela é causada pelo próprio clima. Quando não tem chuva, não se gera energia hidrelétrica, e elas são penalizadas por isso. E esse ano tivemos agravante adicional que foi a redução do consumo. Então, o problema não está resolvido completamente, mas diria que não temos uma repetição dos problemas que tivemos de 2013 a 2015. Por outro lado, o MRE quando foi concebido, em 1998, a realidade do setor era outra, a matriz era outra. Então, é imperativo [mudar].

Tanto o ONS, como a CCEE, a EPE [Empresa de Pesquisa Energética] e a ANEEL [Agência Nacional de Energia Elétrica] têm trabalhado em cima disso. Eu acho que é necessário que se faça uma adequação do MRE, e acho que é uma questão consensual no setor. Há uns contra determinado item, outros contra outro, uns olhando para os umbigos, mas todos estão de acordo que é necessária uma revisão, dado que as condições mudaram substancialmente de 1998 para cá.

Na avaliação do senhor, o que precisa ser mais levado em conta diante dessa nova realidade como fator de mais impacto no MRE?
O fator de mais impacto é a redução da participação da hidrelétrica na matriz e o fim dos reservatórios. Depois, na década de 1990 a grande maioria das usinas que entraram em operação foram usinas sem reservatório. E uma das questões relevantes no MRE é justamente a questão dos reservatórios. Quando o MRE foi concebido, apenas uma parte das hidrelétricas participavam do programa, ao longo dos anos foi se flexibilizando e houve uma mudança grande no condomínio do MRE, e é fundamental que se revisite esse tema agora à luz da nova matriz que nós temos, e isso está sendo feito. O que eu diria é que nós demoramos muito para tomar as decisões, demoramos muito para fazer as mudanças, e, na maioria das vezes, todos nós sabemos que precisa ser feito. E quando você demora a fazer uma decisão, quando ela acontece, às vezes ela não tem o resultado esperado e precisa-se de providências adicionais. Esse é o reparo que faria ao nosso comportamento: levamos muito tempo para tomar as decisões.

Mas o senhor acredita que essa demora para se chegar a uma conclusão chega a inviabilizar alguma medida?
Inviabilizar ela não inviabiliza, mas ela torna o problema maior. É o caso do GSF. Se tivéssemos encontrado uma solução há cinco anos, por cinco anos o Mercado de Curto Prazo não ficaria paralisado. É até difícil de quantificar para o setor e para o país o que isso teve como consequência. Mas teve, com certeza. Consequência de custo, tem consequência de modernização. Então essa é a ressalva que faço, que é a nossa demora e é um problema cultural. Não é culpa de ‘A’, ‘B’ ou  ‘C’, desse governo ou daquele governo, porque todos passaram por isso. A demora para tomar medidas que todos sabemos que são necessárias. Não é nada que seja catastrófico, mas tem custo, gera novos problemas.

À luz de tudo o que o senhor comentou, como avalia o desempenho do governo, do regulador e dos agentes do setor a esse grande evento externo que é a pandemia?
Eu acho que o setor reagiu bem. Falo principalmente pelo Operador. Nos dois primeiros meses, nós já estávamos preparados porque já tínhamos caminhado celeremente para montar uma estrutura digital. E o que verificamos é que praticamente todas as instituições tinham ido pelo mesmo caminho: a CCEE, EPE, ANEEL e o próprio ministério. Nada foi paralisado. As instituições se preparam e nada deixou de ser feito por conta da pandemia. O governo também foi célere na questão do empréstimo da Conta-Covid baseado muito na experiência que já se tinha com aquela conta ACR, que tive um envolvimento enorme. Eu era o gestor da CCEE quando nós realizamos lá em 2014. Dessa vez, as coisas puderam ser feitas de forma muito mais rápida porque já tínhamos essa experiência. Então, acho que o setor agiu rápido, o ministério também agiu rápido, e nós não tivemos nenhum tipo de problema por conta da pandemia, felizmente.

Como o senhor acompanhou de perto, está tendo uma grande discussão sobre o reequilíbrio das distribuidoras. O senhor acredita que o empréstimo tenha sido suficiente para resgatar a capacidade das distribuidoras e do setor de reagir à pandemia?
Eu confesso que não saberia dizer se o empréstimo foi suficiente. A sensação que eu tenho é de manter as distribuidoras em condições sustentáveis para que elas possam cumprir a missão que elas têm e atender sua função principal que é garantir a distribuição de energia elétrica a seus clientes. Mas não é só a questão da distribuidora com o papel de comercializadora, é com o papel de distribuidora mesmo. Porque mesmo no ambiente livre, com seus consumidores livres, dependem das instalações das distribuidoras para poderem atender a seus consumidores. Não saberia dizer quem tem razão. Me surpreende, até porque a partir do que eu vi no Enase [Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico], uma posição muito antagônica entre a posição dos grandes grupos de distribuição e a posição da ANEEL, eu acho que é preciso rapidamente chegar a uma posição consensual, porque o objetivo inicial era evitar a crise no segmento de distribuição, que é o que está mais próximo do consumidor.

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