Defasado, modelo de preços de energia não dá o devido valor à água, dizem especialistas


Leila Coimbra, da Agência iNFRA

Um dos motivos que levaram ao esgotamento dos recursos hídricos nas bacias das principais usinas do país foi o fato de a água não ser devidamente valorada pelos modelos computacionais que formam os preços da energia, segundo especialistas.
 
Para o ex-diretor da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e executivo da empresa de energia Neal, Edvaldo Santana, se os modelos matemáticos calculassem de maneira mais precisa a escassez, a energia hidrelétrica deveria ser bem mais cara.
 
“Se hoje está se despachando térmicas por R$ 1,5 mil [o MWh], esse é o preço da escassez. Mas durante um bom tempo o PLD (Preço de Liquidação das Diferenças) ficou na casa de R$ 200 [o MWh]. Há um descolamento entre os preços e a realidade.”
 
Segundo Santana, o uso múltiplo da água (irrigação, navegação) também impõe limites às vazões, e isso torna compulsório o uso das hidrelétricas acima do necessário, uma forma de “desperdício”, dificultando a precificação do recurso.
 
Há ainda o problema de os modelos matemáticos usados nos cálculos de preços serem otimistas demais, segundo o ex-diretor da ANEEL: “No ano passado os reservatórios já estavam em níveis baixos nessa mesma época do ano. Mas as hidrelétricas continuaram operando normalmente e tirou-se mais água do que seria recomendável. Aí veio a frustração com o período chuvoso e o sistema pode entrar em colapso”.
 
“Precisa ser ajustado”
Para o CEO da consultoria PSR, Luiz Barroso, o modelo de precificação precisa ser ajustado. “Hoje o gerador hidrelétrico não valoriza a água dele porque ele não pode. Quem valoriza a água dele é o modelo. Ele fica à mercê das opiniões que o modelo matemático toma.”
 
De acordo com Barroso, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) também é refém do modelo. “Numa discussão mais sofisticada, o ONS e a EPE teriam que trabalhar por modelos mais detalhados. O Newave [um dos sistemas computacionais] representa de modo agregado, não de forma individual, cada reservatório. E estamos cheios de restrições dos usos múltiplos das águas que pegam as hidrelétricas de forma individual, por reservatório. Então faz muita diferença representar o sistema em detalhe.”
 
Barroso defende também a formação de preços por oferta dos geradores e não por modelos computacionais como uma das alternativas. “Mas isso seria uma coisa em paralelo, e não imediata”, explica.
 
“A formação de preços por oferta é mais eficiente para capturar a diversidade de opiniões do setor, e, portanto, ela é muito mais robusta a eventos extremos como este”, diz o executivo que faz, porém, uma ressalva: “Existem situações em países como Colômbia, Nova Zelândia, onde os reservatórios que funcionam por ofertas de preço acabaram esvaziando muito e o governo precisou interferir”, pontuou,
 
“Mas eu acredito que, se a gente tivesse com o preço por oferta, já estaria com o preço mais alto mais cedo. E aí um ponto importante: não pelo aumento do despacho térmico, mas pelo aumento do valor das águas das hidrelétricas.”
 
Operador mais presente
O presidente da consultoria Thymos, João Carlos Mello, também vê o modelo de oferta de preços pelos geradores como uma boa opção, mas impossível de se implementar de forma imediata.
 
“A separação do lastro e energia e a oferta por preço pode ser uma solução? Sim, mas é preciso que se tenha uma outra cultura no ONS. Quando se coloca o mercado para fazer as ofertas, o operador passa a ter um trabalho grande, mas com outra cabeça, e não dá para depois de amanhã fazer isso”, explicou.
 
Para Mello, como os atuais modelos computacionais não conseguem capturar o detalhe, o operador de energia poderia ter uma ação mais proativa. “Diante do pior regime de chuvas, acho que não dá para o ONS não colocar a ‘mão no manche’. Tem que ser um operador mais presente.”
 
“Aversão ao risco”
Existe no setor uma metodologia chamada de “aversão ao risco”, que é um conjunto de elementos, parâmetros e representações matemáticas que, em resumo, buscam informar ao modelo hoje quanto a água vale amanhã.
 
Isso envolve uma série de parâmetros complicados e específicos: modelo hidrológico, taxa de desconto, custo de déficit, volume mínimo operativo de reservatórios e CVaR (Conditional Value at Risk, em português, valor em risco condicional).
 
Segundo o presidente da PSR, os parâmetros de aversão ao risco devem ser naturalmente atualizados de tempos em tempos. “Mas esta revisão da aversão ao risco não deve ser feita buscando encher reservatório, esse não deve ser o objetivo. A aversão ao risco é um parâmetro estrutural, que tem inúmeras implicações no planejamento e operação e está no coração de muita coisa”, disse Barroso.
 
Inflexibilidade hidroelétrica
A inflexibilidade hidroelétrica também é um ponto relevante na precificação da água. Significa a geração em tempo integral. “A inflexibilidade hidroelétrica é menos conhecida que a termelétrica, mas é o que está pegando mais, que é o que está acontecendo nas hidrelétricas de Porto Primavera e Jupiá [que tiveram problemas para baixar suas cotas de vazão mínima]”, informou Barroso.
 
“No fundo, o que eu defendo na prática é que essas violações [das vazões] têm custo e que isso tem que ser representado para que a gente possa saber onde a água vale mais, se é para o setor elétrico, ou se é para navegação, irrigação, etc.”, completou.

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