Decisão da Light de não pagar credores expõe necessidade de nova regulação para perdas elevadas de energia na renovação das concessões

Roberto Rockmann e Marisa Wanzeller, da Agência iNFRA

O Grupo Light entrou com medida cautelar na Justiça nesta terça-feira (11) solicitando suspensão temporária do pagamento de dívidas financeiras, além da mediação coletiva para renegociação com credores. A empresa teria que pagar R$ 435 milhões a debenturistas no próximo dia 15 de abril, mas está sem caixa. Alguns credores temem o pedido de recuperação judicial, mas essa hipótese não é permitida para empresas de serviço público de distribuição de energia.

A decisão da empresa coloca um peso extra sobre o MME (Ministério de Minas e Energia) na elaboração das regras de renovação das concessões de distribuição. O problema da Light, que não recebe por 40% da energia que distribui, expõe a necessidade de discussão de nova regulação em áreas problemáticas, em que a inadimplência e as perdas não técnicas são elevadas.

O contrato da Light expira em 2026 e a empresa tem 36 meses antes do término do contrato para manifestar seu interesse na renovação, ou seja, maio deste ano. Sem as regras de renovação, os credores terão dificuldade para sentar-se à mesa e fechar os termos do acordo. A empresa mesmo tem dito a credores que uma decisão final do governo sobre as regras de renovação pode sair no início de 2024. 

O MME havia dito ao TCU (Tribunal de Contas da União) que apresentaria no dia 10 de abril a CP (consulta pública) para subsidiar a renovação dos ativos de distribuição. Mas esse prazo não foi cumprido. Os agentes aguardam que esse documento, que ainda está sob ajustes finais, seja disponibilizado para consulta nos próximos dias. Estariam sendo discutidas as contrapartidas do processo.

A decisão da Light, que será um marco em uma história corporativa de quase 120 anos, também acende um sinal amarelo sobre outro ponto: se a crise persistir, o risco é ultrapassar a fronteira do crédito privado e atingir as obrigações intrassetoriais.

Esse ponto pressiona também a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), responsável pela fiscalização do setor. Por enquanto, pela nota divulgada nesta terça-feira pela agência reguladora, esse risco está afastado, por enquanto.

Questionamentos
Para uma fonte, causa estranheza o fato de a decisão sobre a medida cautelar ter incluído todas as empresas do grupo, sendo que a justificativa estaria na Light Sesa, a distribuidora. “Ou seja, estão dizendo que a atividade de distribuição está contaminando as demais concessões?”, questiona.

 “A empresa sempre suportou ‘indiretamente’ subindo para o caixa da holding, mas, teoricamente, o dever e possibilidade de honrar as dívidas dela deveriam estar isolados”, analisa.

Para outra fonte, o caso traz o recado de desequilíbrio econômico-financeiro no contrato. “Sem desequilíbrio financeiro não seria justificada a concessão da cautelar”, diz. Isso criará pressão também para que, na renovação, olhem-se os casos de concessões problemáticas, como as da Enel-RJ e Amazonas Energia. 

Há anos ocorrem problemas de perdas não técnicas, dificuldades na medição e cobrança, o que exigiria discussão de redesenho de contratos. Sem isso, as concessões poderão voltar de novo a ter problemas no curto ou médio prazo. Essa decisão extrapola a agência reguladora e envolve diretamente o poder concedente.

A intenção de obter uma ação de tutela cautelar na qual pede a suspensão temporária da exigibilidade de obrigações financeiras é uma ferramenta permitida pela Lei 14.112, de 2020, ou seja, é recente. A companhia ainda incluiu no documento à Justiça a proposta de negociação coletiva pelo Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem. 

Essa é uma ferramenta legal que permite um respiro para a empresa negociar com credores e partir para uma negociação com mediação de forma mais organizada que bater à porta de cada um deles. 

“Será um processo emblemático”, diz advogado especializado em mediação. Ele explica que o processo tem flexibilidade e poderia inclusive permitir a participação da agência reguladora e do poder concedente, caso houvesse anuência das partes e do Judiciário. 

A saída encontrada também tem de ser vista sob um contexto mais amplo. A complexidade do caso da Light envolve outro detalhe jurídico. Os regimes de recuperação judicial e extrajudicial não seriam aplicáveis, pelo fato de a Light se tratar de uma concessionária de serviços públicos de energia elétrica. 

A hipótese é vetada pelo artigo 18 da Lei 12.767, de 2012, que informa que “não se aplicam às concessionárias de serviços públicos de energia elétrica os regimes de recuperação judicial e extrajudicial, salvo posteriormente à extinção da concessão”.

Manobrar a empresa não será simples. Como o setor tem usado o expediente do Legislativo para resolver questões intrassetoriais, cria-se preocupação de novo que o fórum seja usado para discutir a possibilidade de recuperação judicial no setor elétrico.

Longa crise
A turbulência da Light tem sido um processo longo. No fim de junho de 2022, Raimundo Nonato de Castro deixou a presidência da Light, posição que assumiu em outubro de 2020. O bom trabalho à frente das distribuidoras do Maranhão e Pará, concessões que enfrentavam inadimplência e perdas, levou o fundo Samambaia a apoiar a indicação do executivo. 

Sua gestão, no entanto, trouxe ruídos. Não teve um bom relacionamento com o prefeito carioca, Eduardo Paes. A dificuldade no relacionamento institucional somou-se à manutenção de problemas na gestão: a virada operacional não veio. Nonato chegou inclusive a sugerir a mudança de nome da concessionária, mas a ideia não prosperou, nem chegou a haver a contratação de uma empresa para trabalhar na nova marca. Também se discutiu a venda do prédio histórico em que a concessionária está, ideia que também não avançou. 

O economista Octavio Cortes Pereira Lopes assumiu como novo CEO da companhia em 15 de agosto. O executivo teve uma curta passagem no setor elétrico, no início dos anos 2000, sendo responsável pela reestruturação financeira e operacional da Cemar, distribuidora do Maranhão que chegou a ser vendida por R$ 1 em 2003.

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