Crise na Europa cria nova ordem mundial energética; entenda como fica o Brasil nesse cenário

Roberto Rockmann*

As últimas 72 horas do conflito de Rússia e Ucrânia têm sido observadas de perto por conselhos de administração no Brasil e no exterior. A subida de tom da Rússia e a ameaça de novas sanções pelo Ocidente trazem receios de envolvimento de outros países.

As próximas horas e dias ditarão desdobramentos relevantes dos próximos reflexos da crise atual diante de duas perguntas ainda sem resposta: como serão as ações dos Estados Unidos e aliados em relação ao avanço russo e as reações russas às sanções ocidentais? O que fará a China?

Sobre a revolução russa, Vladimir Lênin teria dito que existem décadas em que nada ocorre e semanas em que décadas ocorrem, como essas. Em meio a incógnitas, alguns pontos têm sido observados com atenção:

Economia global – menor crescimento e mais inflação
Décima-primeira economia mundial, a Rússia sofrerá os impactos das sanções impostas por países ocidentais e a suspensão de investimentos de empresas, o que poderá levar o país à depressão econômica. Nos cálculos da “The Economist”, 70% dos US$ 630 bilhões em reservas da Rússia estão em países que estão impondo sanções, o que limita o apoio do governo à sua moeda. O Fundo Monetário Internacional alertou neste fim de semana que o impacto para a economia global pode ser severo por reflexos sobre os preços de energia e alimentos e consequentemente sobre o poder de compra de países desenvolvidos e emergentes.

E o Brasil? Custo de financiamento maior
As sanções contra a Rússia e o alerta sobre a possibilidade, mesmo que remota, de envolvimento de outros países, elevam o grau de incerteza no mundo, pressionam o preço do petróleo, gás natural e carvão, o que reduz o poder de compra dos países e faz com que os bancos centrais fiquem sujeitos a elevações da taxa de juros, o que tende a reduzir a liquidez global. Isso também pode ter impacto sobre o custo de financiamento, que poderá ficar mais alto no Brasil e no exterior.

A depender da imposição de novas sanções e da resposta russa a elas, o crescimento mundial poderá sofrer uma redução em um contexto em que os efeitos da pandemia não estão totalmente contabilizados.

Petróleo – Um cenário desafiador pela frente
Com uma produção de 8 milhões de barris por dia de petróleo e refinados, a Rússia é um dos maiores produtores mundiais de óleo e gás do planeta. O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Antony Blinken, disse neste fim de semana que o país e aliados discutem como banir importações da Rússia de óleo e gás, caso haja uma nova rodada de sanções a serem impostas, informou o “The Guardian” no domingo. A decisão tem sido ponderada em razão do impacto sobre os preços em um mercado apertado e em que países desenvolvidos e emergentes têm sofrido com a inflação.

Isso é mais um fator que poderá pressionar os mercados – semana passada, as cotações de gás e carvão bateram recordes na Europa, enquanto o Goldman Sachs apontou que o preço do barril poderá chegar a US$ 150. Um dos maiores estudiosos sobre petróleo no mundo, Daniel Yergin deu entrevista à televisão americana apontando que o mundo pode estar à beira de uma crise energética semelhante aos choques do petróleo da década de 1970.

Análise do JPMorgan estima que 66% do petróleo russo tem encontrado dificuldade de encontrar demanda. Cerca de metade do petróleo é vendido para países da Otan. “Parte disso pode sofrer disrupção”, disse.

E o Brasil? Combustíveis pressionados
Os preços dos combustíveis no Brasil também devem seguir pressionados, o que poderá levar a novos reajustes da gasolina e do diesel. Há 50 dias não se reajustam os preços dos derivados no país, enquanto a defasagem estaria em 25%.

O agravamento da crise pode pressionar ainda mais as cotações. Isso levará a questionamentos sobre a política de preços, a venda das refinarias e a postura da Petrobras no mercado. Inflação e juros em alta também devem ter impacto sobre a taxa de juros. Quando o BNDES passou a reduzir o subsídio e buscar referências de mercado, os juros e os preços estavam em queda. Agora a curva inverteu-se. O papel do BNDES, a política de desinvestimento da Petrobras e a política de preços dos combustíveis serão temas com ainda mais relevo na campanha presidencial.

Eletricidade – Redução da dependência com a Rússia?
Países europeus já colocam em marcha planos para reduzir a dependência energética da Rússia. Um exemplo é a Alemanha, que discute até suspender o fechamento de usinas nucleares. O conflito entre Rússia e Ucrânia poderá levar outros países a revisarem fechamentos de usinas nucleares e a carvão para aumentarem sua segurança energética. Ficará a dúvida sobre o cumprimento das metas do Acordo de Paris.

A União Europeia iria divulgar em 2 de março uma proposta para assegurar sua independência energética, mas ela foi postergada em razão do conflito. A edição deste fim de semana da “The Economist” analisa que o documento deverá apontar investimentos ainda maiores em fontes renováveis e em hidrogênio verde, que poderá ter sua curva de adaptação acelerada com custos reduzidos.

Mas esses projetos não reduzirão no curto prazo a dependência de gás, usado, por exemplo, no aquecimento de residências, o que pode manter pressionados os preços de GNL (gás natural liquefeito) e gás no curto e médio prazos.

Se a transição energética se mantiver acelerada, ficará a preocupação em relação à capacidade de as cadeias globais de suprimento atenderem à demanda de equipamentos e se esse movimento trará pressões de custos.

E o Brasil? Preços do gás e eletricidade em alta
Há incerteza em relação a quanto tempo o mercado de gás natural permanecerá pressionado no mundo. Isso poderá ter impacto sobre projetos de térmicas que entrariam em operação com base em GNL importado. A abertura do mercado livre de gás natural para a indústria poderá continuar como promessa nesse cenário desafiador.

Geopolítica mundial – uma nova ordem começa a surgir?
Maior conflito na Europa desde o término da Segunda Guerra Mundial em 1945, a guerra entre Ucrânia e Rússia poderá ser o início de uma nova ordem mundial em que liberalismo e autoritarismo polarizarão debates. A posição chinesa, que também tem divergências com Taiwan em aberto, ainda é uma incógnita.

E o Brasil? Pode ser líder na transição com a postura correta  
Nos últimos anos, o país se afastou dos Estados Unidos, teve atritos com a China e se distanciou de parceiros tradicionais na União Europeia. O contexto internacional está se tornando complexo e a diplomacia será essencial se o país quiser assumir protagonismo no cenário de transição energética e em que as fontes renováveis e o hidrogênio verde abrem perspectivas promissoras.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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