
Concessões e PPPs: caminho para prefeitos tirarem cidades do buraco na infraestrutura
16 de outubro de 2020Dimmi Amora, da Agência iNFRA
A falta de dinheiro que assola o Estado brasileiro leva um tema aos debates dos candidatos às mais de 5,6 mil prefeituras do país nas eleições que ocorrem em novembro: concessões, parcerias e PPPs (parcerias público-privadas).
Para o eleitor, parece mais uma sigla estranha do estranho mundo da política. Mas o fato é que dificilmente os moradores de cidades grandes e médias do país vão deixar de ter contato com elas nos próximos anos.
Com governos no buraco em praticamente todos os níveis e despesas com servidores crescente, esse tipo de contrato entre o poder público e o setor privado será, na prática, a forma mais realista de atender às demandas da população por serviços públicos nos próximos anos.
Para tentar apoiar os eleitores em suas escolhas, e quem sabe alguns eleitos em suas futuras gestões, a Agência iNFRA conversou com especialistas em infraestrutura que tiveram a experiência de implementar programas de concessões nos últimos anos.
De governos de todos os espectros da matriz ideológica, seus depoimentos ajudam o eleitor a entender o funcionamento desse tipo de contrato – desde os estudos iniciais até a execução. E indicam os melhores caminhos a se tomar para que os quatro anos de mandato não sejam em vão.
O leitor poderá ler os principais trechos da conversa com os experts passando o cursor do mouse (ou o dedo nos equipamentos com tela) sobre as palavras marcadas no texto abaixo.

O que é?
Concessões e PPPs são formas de parcerias entre governos e a iniciativa privada que, em geral, se caracterizam pelo longo prazo de contrato, muito superior ao mandato de um governante.
A responsabilidade de prestação de um serviço público é repassada pelo governo a uma empresa constituída para esse fim. Como contrapartida, a empresa pode ser autorizada a cobrar tarifas da população e de outras empresas por parte dos serviços prestados (o que caracteriza a concessão).
Na outra modalidade, a PPP, além de cobrar tarifas, o governo também pode pagar com recursos do orçamento uma contraprestação pelo serviço prestado pela empresa. Em alguns formatos de PPP, a empresa não pode cobrar por serviços prestados pela população.
Nos dois casos, os bens públicos com os quais são prestados os serviços seguem públicos – eles serão devolvidos ao governo ao fim do prazo de contrato. Numa forma mais simples, o governo também pode autorizar uma empresa a prestar o serviço por sua conta e risco por um período especificado.

Por que prazos longos?
O prazo longo dos contratos ocorre porque, em geral, o governo exige no início um investimento elevado para o concessionário iniciar a operação, executando obras de grande porte ou compra de máquinas, por exemplo.
Esse investimento não é compensado de uma só vez, mas ao longo dos anos de contrato – em que o governo também deve exigir (e fiscalizar) uma prestação do serviço de maneira adequada à população.

Não há levantamento oficial preciso sobre o número de contratos de concessões e PPPs existentes nas cidades do país. Mas, entre os milhares em estudo ou operação, há experiências para prestação de serviços públicos urbanos em áreas como iluminação pública, saúde, destinação de resíduos, telecomunicações, administração de parques, transportes, saneamento, urbanização e outros.
Etapas a percorrer?
Por ser um contrato de longo prazo que exige investimentos iniciais elevados para retorno no futuro, as concessões e PPPs precisam essencialmente de segurança jurídica para que sejam executadas.
Há leis federais (8.977/1995 e 11.079/2004) que permitem esse tipo de contrato por parte dos entes públicos. Mas é preciso que as cidades também aprovem leis específicas sobre o tema. A CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) elaborou uma cartilha que ajuda as cidades nesse tipo de trabalho.
Uma etapa fundamental é a elaboração de estudos que apontam a viabilidade ou não de um determinado serviço ser prestado pela iniciativa privada nesse formato. Há forte recomendação de órgãos nacionais e internacionais que tratam do tema para que esses estudos sejam feitos de forma transparente, com amplo acesso ao público geral, inclusive com realização de audiências públicas para esclarecimento da população.
Se os estudos se mostrarem viáveis, eles são levados ao mercado para que empresas especializadas possam disputar quem vai prestar o serviço. Escolhido o vencedor, começa a etapa de prestação do serviço, que necessita ser fiscalizada pelo poder público como forma de obrigar ao cumprimento do contrato.
A empresa operadora será a responsável por obter os recursos financeiros junto à iniciativa privada para executar as propostas. Como os financiamentos são de longo prazo, se os contratos não tiverem segurança, os financiadores não emprestam ou cobram caro, o que pode inviabilizar o projeto.
Mas, como num casamento, ao longo dos 15, 20, 30 ou até mais anos de contrato, serão necessários ajustes em relação ao previsto inicialmente, os chamados aditivos. É momento também de transparência, em que é preciso manter um serviço adequado prestado, mas sem quebrar um dos lados do contrato, ou o executor ou o usuário que paga a conta.
André Luiz Pimenta, secretário-executivo de Planejamento e Gestão Estratégica da Prefeitura de Angra dos Reis (RJ) Vladimir Azevedo, ex-prefeito de Divinópolis (MG), economista e atualmente consultor da Houer Concessões Fernando Camacho, economista e executivo do IFC , órgão do Banco Mundial para apoio a investimentos de infraestrutura Viviane Moura Bezerra, superintendente de Parcerias e Concessões do Governo do Piauí Thiago Barros Ribeiro, secretário de Parcerias Estratégicas da Prefeitura de Porto Alegre (RS) Fábio Rogério Carvalho, advogado e atualmente diretor de Parcerias do Ministério da Infraestrutura
Por que estão sendo feitas?
Permitidas em lei desde a década de 1990, as concessões e PPPs vinham sendo usadas de forma tímida pelos governos até a década passada. Mas a falta de recursos orçamentários para obras e compra de equipamentos tem ampliado o uso deste instrumento.
Para as prefeituras, que desde a Constituição de 1988 sofrem cada vez mais com o desbalanço entre as obrigações de prestação de serviços e a arrecadação de impostos, hoje concentrada na União, usar o instrumento passou a ser quase questão de vida ou morte.
Nas milhares de parcerias entre poder público e iniciativa privada para execução de serviços, há experiências exitosas e fracassos. Mas, em geral, a execução dos serviços por empresas eleva a qualidade e a eficiência da prestação aos usuários.
É difícil para uma prefeitura conseguir manter uma boa prestação de serviço contratando empresas por um período limitado da Lei de Licitações (cinco anos) ou com seus próprios contratados. A experiência mostra que em poucos casos se consegue excelência em alguns serviços, mas raramente na maioria.
Com mais liberdade para tomar decisões e capacidade de obter recursos financeiros no mercado privado e obrigados por contrato a entregar produtos e serviços em quantidades previamente estabelecidas sob pena de punição, as empresas em geral mostram-se mais eficientes que os órgãos públicos.

Por outro lado, os governos se mostram mais eficientes quando podem fiscalizar e aplicar penalidades no setor privado. Quando um serviço público é de responsabilidade de outro órgão público, o governo acaba punindo o próprio governo, o que torna o instrumento ineficaz.
Os benefícios sociais, econômicos e políticos de uma boa prestação de serviço público para uma cidade são conhecidos. Mas também trazem desafios. Quanto maior a melhora, maior a demanda por esses serviços. Por isso é necessário manter um planejamento de longo prazo que envolva a cidade como um todo para que a melhoria de um serviço não cause impactos negativos.
Como fazer?
A experiência tem mostrado que é fundamental que sejam instituídas na estrutura da prefeitura, o quanto antes, as chamadas unidades especializadas de parceria, para que elas possam desenvolver os projetos de concessões, permissões, autorizações e PPPs na cidade.
Entre os motivos de ter uma unidade exclusiva está a necessidade de ter uma equipe dedicada ao tema fora da agenda de rotina de uma administração pública. O secretário de Fazenda, de Administração ou de Infraestrutura, ao longo do tempo, tende a ser tomado pelos problemas diários de suas pastas e coloca as parcerias em segundo plano.
Outro benefício de uma unidade exclusiva é poder reunir pessoas com expertise de diferentes áreas, o que é considerado fundamental para o sucesso de um programa. Para chegar a um leilão de concessão ou PPP, são necessários estudos que envolvem expertise em direito, meio ambiente, engenharia, economia e outras áreas do conhecimento.
Há ainda a necessidade de articulação entre vários órgãos dentro do governo para que se obtenham as licenças, autorizações, informações e documentos para elaborar um projeto bem-sucedido, o que também tem sido feito melhor quando há uma unidade exclusiva tratando do tema.
A articulação também precisa ser feita, de forma transparente, com agentes privados que têm experiência no setor em outras cidades e com representantes das comunidades que serão afetadas pelo projeto, o que também é apontado como fator de sucesso.
Uma equipe qualificada e com diferentes expertises também tem levado essas unidades a pensar em soluções criativas e inovadoras para as parcerias, juntando diferentes áreas do setor público para se alcançar uma proposta que seja viável.

Como focar em projetos viáveis?
Os desejos apresentados pelos candidatos no período eleitoral devem ser vistos com cautela pela população. Um processo de concessão ou PPP, para ter qualidade, pode levar de um a três anos e há poucas cidades no país estruturadas para executar mais de três ou quatro projetos ao mesmo tempo.
Por isso, é essencial fazer um mapeamento prévio dos serviços que podem ser prestados pela iniciativa privada e avaliar o que é possível de ser executado num determinado período de governo para criar uma carteira de projetos. Ter uma carteira de projetos exequível valoriza a cidade no mercado e leva ao interesse de mais empresas para estudar as propostas que serão leiloadas.
Nesse momento inicial, a escolha dos projetos é fundamental para o sucesso do programa. É preciso escolher uma quantidade que seja executável dentro do tempo previsto – que não precisa ser o do mandato.

Mas também é necessário avaliar as prioridades da população, escolhendo os projetos que vão levar a mais benefícios. A avaliação, nessa hora, precisa ter diferentes perspectivas. Um problema pequeno agora pode ficar grande em breve e precisa de prioridade. Uma necessidade que parece urgente no momento pode ser solucionada com uso de novas tecnologias. É necessário ainda casar o projeto com o orçamento da cidade.
Os quatro anos de um mandato parecem muito tempo, mas para os projetos de infraestrutura os 180 primeiros dias de governo são considerados essenciais. Os direcionamentos que são dados nesse período e as escolhas realizadas são vistas como fundamentais para que os projetos sejam leiloados, mais provavelmente a partir do segundo ou terceiro ano da gestão.
Como enfrentar entraves?
Não é possível, contudo, esquecer os problemas políticos que os governantes enfrentam para executar suas agendas. Por isso, é necessário levar em consideração se há apoio político (ou o custo dele) para se executar as propostas.
Os problemas políticos não serão os únicos no caminho até a execução dos contratos. Como essas propostas de longo prazo têm valores elevados, raramente elas vão ao mercado sem passar pelo crivo de órgãos de controle, especialmente os tribunais de contas. A depender da qualidade e independência desses órgãos, a avaliação pode ser longa e apresentar uma série de exigências a serem cumpridas.
Algumas cidades procuram – seja por exigência legal do setor ou por uma maior segurança para os contratos mais complexos – atribuir a uma agência reguladora as funções de licitar e/ou posteriormente fiscalizar os contratos.
Em tese, as agências são órgãos de estado, com diretores com mandato fixo para tomar decisões autônomas que busquem respeitar os contratos e dar um equilíbrio entre os desejos dos usuários, dos governos e dos prestadores de serviços, preservando o balanço de receitas e despesas atuais e futuras do contrato.
No entanto, boa parte das agências sofre com problemas de falta de infraestrutura e captura por interesses de governos ou concessionárias, o que leva a decisões que prejudicam a execução dos contratos no longo prazo.

Como realizar estudos?
Cada projeto de parceria precisa de um estudo específico, chamado comumente de Evtea (Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental). Esses estudos são complexos e podem custar caro. Em geral, a maior parte das prefeituras não tem pessoal especializado sequer para apresentar uma proposta de contratação desses estudos.
Para desenvolver as parcerias nas cidades, o governo Federal vem ampliando os instrumentos necessários para a realização desses estudos. A Caixa e o BNDES têm fundos especiais que contratam esses levantamentos e entregam às prefeituras, sem cobrar delas ou cobrando um percentual baixo (o ressarcimento dos custos dos bancos é feito posteriormente pelo vencedor da disputa).
Há também a possibilidade de obter recursos ou parcerias para os estudos em órgãos multilaterais de fomento, como agências ligadas à ONU, Banco Mundial, CAF, BID, entre outras. O BID também está, neste ano, fazendo capacitação de servidores para parcerias.

Outros instrumentos usados para obter os estudos são as chamadas MIPs (Manifestações de Interesse Privado) e PMIs (Procedimentos de Manifestação de Interesse). Nesses instrumentos, uma empresa entrega ao governo um estudo informando ter interesse em operar um determinado serviço (MIP) ou o governo chama empresas para apresentar estudos para concessão ou PPP em uma determinada área (PMI).
Esses instrumentos têm funcionado bem em alguns setores e mal em outros. Isso porque quem realiza o estudo gasta recursos (um estudo simples dificilmente sai por menos de R$ 1 milhão), mas não tem a garantia de que vai ser reembolsado. Se o estudo apresentado não for escolhido pela administração pública entre os vários que se inscrevem numa PMI ou se não houver o leilão, o investimento é perdido. Por isso, nem sempre o trabalho é feito de forma adequada.
Como preparar equipes?
Par usar o instrumento, é necessário ter equipes na prefeitura capazes de apresentar uma proposta de PMI adequada para que os estudos tenham qualidade. E, mais ainda, capacidade de analisar as informações apresentadas pelos proponentes, já que dificilmente os estudos vão chegar prontos para serem licitados.
Algumas cidades e estados têm escolhido fazer licitações para contratar consultorias especializadas para apoiar as unidades de PPP na produção e gerenciamento dos projetos. Mas, mesmo essas consultorias têm que trabalhar com boas equipes de servidores público para que os resultados apareçam.
Por isso, uma etapa essencial é conseguir apoio interno nos órgãos municipais para o desenvolvimento das parcerias. Servidores com longa experiência no atendimento à população que vão poder indicar as prioridades e direcionar os projetos para que tenham qualidade e levem a uma boa prestação de serviço para a população.
As prefeituras são as responsáveis pela prestação de serviços públicos mais relevantes para a população. Com conhecimento e informação, é possível analisar as propostas que são mais apropriadas para tirar as cidades do buraco e dar a elas infraestrutura para um atendimento adequado das demandas dos cidadãos.

Edição: Rodrigo Zuquim / Créditos das imagens: Porto Alegre (RS) – Jefferson Bernardes/Prefeitura de Porto Alegre; Bondinho Pão de Açúcar (RJ) – Domínio público; Macapá (AP) – Gabriel Flores/Prefeitura de Macapá; Mercado Municipal de São Paulo (SP) – Prefeitura de São Paulo; Angra dos Reis (RJ) – Prefeitura de Angra dos Reis; Postes de iluminação pública – Programa de Parcerias de Investimentos; Feira de Santana (BA) – Programa de Parcerias de Investimentos; Itanhaém (SP) – Prefeitura de Itanhaém; Estação de Tratamento de Esgoto – Domínio público; Parque da Cidade (DF) – Renato Araújo/Agência Brasília