Compartilhamento de postes… e de infraestruturas de dados espaciais

Carlos Vieira*

Postes e suas fiações são um mal necessário que, em vários países, têm muito menos presença na paisagem urbana, o que contribui efetivamente para o ordenamento do território nas cidades, torna mais segura a vida de pedestres e motoristas e otimiza custos de instalação e de operação das redes elétricas e de telecomunicações. Nesse contexto, o compartilhamento de postes e de outras estruturas por operadores desses dois setores é um pressuposto de cidadania, mas que, no Brasil, ainda não é uma realidade plena, sobretudo pela dificuldade de diálogo federativo entre as competências da União para legislar sobre energia e telecom e o interesse local dos municípios de organizar seu território urbano. 

Previsto na Resolução Conjunta nº 1, de 24 de novembro de 1999 – Aneel, Anatel e ANP, porém, o compartilhamento de postes e de outras estruturas entre empresas de energia e telecom é, acima de tudo, uma enorme janela de oportunidade econômico-financeira que, por falta de regulamentação, não está sendo aproveitada. Segundo a própria Aneel, em estudo de 2019 do prof. Efraim Pereira da Cruz, 85% das distribuidoras faturam, em média, menos de um ponto de fixação nos postes. Isso representa apenas 13% da capacidade disponível. Se 75% dos mais de 180 milhões de pontos por todo o país fossem negociados, estima Efraim Cruz que as distribuidoras obteriam algo como R$ 5,6 bilhões anuais em receitas extraordinárias. Esse é o tamanho da oportunidade desperdiçada por conta da falta de uma regulamentação para a matéria. 

Em recentes entrevistas no Portal Geocracia, o assunto foi tratado como sendo de grande importância para a estratégia de negócios dos dois setores, tanto energia elétrica como telecomunicações. Após declarações de João Moura, ex-presidente da TelComp, e de Alexei Vivan, presidente da ABCE (Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica), o chefe da Assessoria Técnica da Anatel, Humberto Pontes, disse ao Geocracia que a agência já está estudando essa regulamentação e que o texto deve estar pronto no primeiro semestre do ano que vem. 

Uma vez regulamentada, porém, a questão entra em outra fase, crucial para viabilizar o novo negócio na prática: a do compartilhamento de IDE (infraestruturas de dados espaciais), etapa fundamental para se fazer o georreferenciamento dos postes nas cidades brasileiras. E aí surge um grande desafio no Brasil de hoje: como compartilhar as IDEs de diferentes agências reguladoras?

Em países que olharam para essa questão há mais tempo, o problema já está equacionado, pois existe uma entidade reguladora da geografia e da cartografia nacionais que organiza todas as IDEs debaixo de um mesmo guarda-chuva. São exemplos disso nações tão distintas como Portugal, Alemanha, EUA, Canadá, México, Colômbia, Indonésia e Etiópia.

À primeira vista, pode não parecer muito difícil compartilhar IDEs entre dois setores, mas a questão é mais complicada. Afinal, só a ANEEL, responsável por regular a distribuição de energia elétrica, trabalha com duas: o SIG-R (Sistema de Informação Geográfica Regulatório) e a BDGD (Base de Dados Geográfica da Distribuidora ) – esta última compreendendo as informações da localização geográfica das estruturas de suporte, como os postes.

Setores que demandam investimentos pesados, como os de energia elétrica e telecomunicações, e nos quais o planejamento tem de ser preciso sob o risco de a escala transformar pequenos imprevistos em bilhões, a racionalização de custos é fundamental. A existência de IDEs diferentes independentes (às vezes em um mesmo segmento) obriga empresas já sobrecarregadas com pesados investimentos e encargos a um esforço adicional de financiarem os ajustes entre as bases georreferenciadas a cada novo projeto.

Sem um órgão regulador que faça com que as IDEs conversam e sejam mais facilmente atualizadas, cabe ao investidor financiar um novo trabalho cartográfico – com todos os custos que isso envolve – a cada nova intervenção. Se a distribuidora de energia vai implantar postes em uma região, por exemplo, ela precisa pagar um mapa para planejar o projeto. Se, um mês depois, a empresa de telecomunicações quiser passar cabos de fibra ótica pelo mesmo local, terá de pagar um novo mapeamento. 

É preciso repensar o mapeamento de setores como o elétrico e o de telecom enquanto atividade de infraestrutura de dados espaciais, de forma a mapearmos uma vez e usarmos várias vezes, contribuindo para a economicidade do setor de infraestrutura como um todo. 

Desde 1988, a Constituição prevê (no seu artigo 21, inciso XV) que cabe à União organizar e manter a geografia e a cartografia, mas isso nunca foi regulamentado. Embora muita gente acredite que essa regulamentação cabe ao IBGE, na prática, existe um vazio regulatório nesta matéria, sobretudo depois da extinção da Concar (Comissão Nacional de Cartografia), em 2019.

Organizar o sistema cartográfico e geográfico brasileiro dentro de uma lógica regulatória, seguindo passos bem sucedidos de outros países, há muito deixou de ser uma questão meramente geográfica e técnica, tornando-se um tema estratégico para o país e fundamental para a tão desejada redução do custo Brasil.

*Carlos Vieira é editor fundador do Geocracia.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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