Análise: sob novo comando, Eletrobras poderá criar receitas e serviços

Roberto Rockmann*

A Eletrobras que Wilson Ferreira Jr presidirá a partir desta segunda-feira (8) é bem diferente daquela que ele assumiu em junho de 2016. Primeiro, a empresa passou a ter controle difuso. Segundo, a virada operacional comandada por Wilson durante os quase cinco anos à frente dela permitiu, por exemplo, a empresa ter participado e vencido um lote no leilão de transmissão realizado em junho, após anos sem participações exitosas.

Parque envelhecido
Fabricantes de bens de capital sob medida estão de olho nos próximos passos que a nova diretoria da Eletrobras deverá anunciar. A companhia poderá se tornar uma ponta de lança na modernização do setor elétrico em alguns segmentos. Além de ganhos com a melhor eficiência dos ativos sob capital privado, a Eletrobras atrai por outra possibilidade: obter receitas em novos serviços a serem criados nos próximos anos a partir da sofisticação da matriz.

Líder em geração e transmissão no país, a empresa poderá dinamizar suas receitas com mudanças regulatórias que poderão criar um novo sistema de precificação da água acumulada nos reservatórios das hidrelétricas, nova regulação sobre armazenamento e novos serviços na área de transmissão. O parque de linhas da Eletrobras é antigo e poderá ser modernizado, o que cria oportunidades.

Com 40% da transmissão no país e com um sistema com cada vez mais fontes intermitentes, as transmissoras passarão a atuar com novos modelos de negócio. O aumento das renováveis na geração de energia cria problemas de qualidade de frequência. Em alguns momentos, há excesso de oferta de carga e não é fácil regular, não se consegue baixar uma térmica ou modular uma hidrelétrica com rapidez. O uso de bateria, de armazenamento na transmissão ganha relevância. 

Em geração, a gigante também pode repotenciar máquinas e inclusive investir em novas tecnologias no Brasil, como usinas reversíveis, caso em que a usina de Tucuruí é a mais avançada no projeto.

Comercialização
Se em geração a Eletrobras é líder desde sua criação há mais de 60 anos, em comercialização o retrato é outro. As cinco maiores comercializadoras (Cemig, Engie, Copel, Enel, BTG) detêm 22,1% do segmento, de acordo com dados de recente estudo do Grupo de Energia Elétrica da Universidade de Brasília. Com um terço da geração do país, a potencial ampliação do mercado livre tem na Eletrobras uma importante peça desse xadrez. 

Esse é um segmento que tem atraído pesos pesados e vivenciado diversificação: a Vibra, então comandada por Wilson, adquiriu a Comerc; a Shell começa a dar seus primeiros passos; a XP já tem operado derivativos; a Engie começou a fazer propaganda na televisão. A geração distribuída solar também tem atraído investimentos: a Ecom Energia, uma das maiores comercializadoras independentes, ingressou recentemente nos quadros da Absolar.

Se a consulta pública do governo se transformar de fato na abertura total da alta tensão, a maior ampliação da história do mercado livre de energia terá uma disputa acirrada pela conquista de potenciais 100 mil clientes, com um player que tem algumas peças diferenciadas sobre o tabuleiro. A Eletrobras poderá ter impacto nesse cenário por dois motivos.

Liderança em I-Recs
Primeiro, a empresa tem um grande portfólio de energia renovável, com destaque às maiores hidrelétricas do país, geradoras de I-Recs, certificados de energia renovável, um segmento em que a Eletrobras já tem espaço. Em 2021, Furnas fez um leilão inovador no mercado brasileiro, ao comercializar I-Recs. Neste ano, em fevereiro, Furnas realizou o segundo leilão.

Segunda razão: a oferta de energia no ACL (Ambiente de Contratação Livre) crescerá mais ainda nos próximos anos em razão da lei que permitiu a capitalização da Eletrobras. A legislação autoriza que o total das garantias físicas das hidrelétricas da Eletrobras seja comercializado no ACL na proporção de 20% anuais a partir de 2023.

Essa possibilidade de novos serviços e receitas também poderá levar à abertura de capital de unidades de negócios da empresa, por exemplo do braço de transmissão, em um caminho inverso ao que Wilson trilhou na CPFL, na qual abriu o capital do grupo logo depois da sanção do novo modelo em 2004 e foi agregando novos braços à CPFL.

História na Eletrobras
A primeira passagem de Wilson pela Eletrobras se deu em 2016, com a chegada de Michel Temer à presidência da República. A intenção de Temer foi colocar nos trilhos as finanças das duas estatais. Pedro Parente assumiu a Petrobras, Wilson, a Eletrobras.

Para amigos, Wilson confidenciou que trocou o salário mais alto que recebia na CPFL pela ambição de conduzir a privatização da Eletrobras para se tornar o presidente da companhia que se tornaria uma “corporation” com múltiplos acionistas, sem controle definido.

A ambição foi interrompida em janeiro de 2021, em meio ao pior momento da pandemia. O Congresso e o Senado estavam em plena campanha de eleição da presidência das duas mesas. Na quinta-feira, 21 de janeiro de 2021, as ações da Eletrobras caíram 6,15% depois de o candidato apoiado pelo Palácio do Planalto para a presidência do Senado, Rodrigo Pacheco, na época no partido Democratas por Minas Gerais, declarar que a privatização da estatal não seria um foco da sua gestão.

Horas depois, a candidata à presidência do Senado pelo MDB, a senadora Simone Tebet (MS), condicionou a privatização da Eletrobras a um “momento mais tranquilo” no Congresso. “A pandemia mudou a agenda e a segunda onda poderá mudar as prioridades e a política fiscal”, afirmou Wilson em teleconferência ao mercado no fim de janeiro.

Depois dos sinais incertos vindos de Brasília, ele tomou a decisão de deixar o comando da Eletrobras. Ficou no comando do Conselho de Administração, para liderar o processo de contratação de um substituto.

Foi contratada uma consultoria de recursos humanos, a Korn Ferry, para indicar um executivo de mercado para assumir a presidência da empresa. Na reta final, quando seis nomes estavam sendo discutidos, o governo federal resolveu tomar um atalho: não selecionou nenhum dos empresários analisados pela consultoria e indicou o secretário de Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia, Rodrigo Limp (hoje na diretoria regulatória da Eletrobras), para assumir o comando da holding, então com capital majoritário nas mãos da União.

Wilson deixou o cargo de presidente da Eletrobras e assumiu a Vibra, mas não arranhou sua imagem com o governo. Durante a crise hídrica voltou a conversar com então ministro Bento Albuquerque e sugerir que o ministro se reunisse com especialistas que participaram do racionamento de 2001.

Na Vibra, buscou trabalhar na diversificação da empresa além do segmento dos combustíveis, com investimentos na aquisição da Comerc, em biogás e em uma joint-venture com a Copersucar. Deixou a Vibra pouco mais de um ano e meio de tê-la assumido.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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