Análise: Propostas de saída para distribuidoras em crise financeira começam a chegar ao ministro de Minas e Energia

Roberto Rockmann*

O governo federal começa a estudar saídas para as concessões de distribuição de energia elétrica que passam por crise financeira, caso da Light, Amazonas Energia e Enel-RJ. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, começou a se reunir com a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e agentes privados para debater o assunto.

Na sexta-feira passada (3), teve encontro com investidores para discutir a Light, na tentativa de articular uma solução de mercado. Estão sob análise também medidas regulatórias que possam abranger outras distribuidoras que enfrentam problemas como grande volume de perdas de energia, inadimplência e questões que envolvem governos estaduais e municipais.

As três distribuidoras, por sua vez, também começam a construir propostas que pretendem negociar com o MME (Ministério de Minas e Energia) e a ANEEL.

Subconcessões
Trabalha-se com a hipótese de redesenho das concessões que poderiam ser fatiadas em subconcessões, buscando deixar as áreas com maior valor e menores problemas para o investidor privado. O Estado entraria em áreas mais problemáticas, numa espécie de PPP (parceria público-privada).

Na Light, essas subconcessões poderiam ser adotadas nas comunidades, onde a empresa não consegue faturar a energia que é distribuída (perdas não técnicas). Segundo uma fonte, esse é um problema de política pública, de segurança, e não pode ser apenas da distribuidora. “Não dá pra medir com a mesma régua a Light e uma CPFL”, diz a fonte.

No caso da Amazonas Energia, essas subconcessões seriam os sistemas isolados, onde existe geração térmica localizada. Essa área seria separada da capital, Manaus, já integrada ao sistema nacional. Na Enel-RJ, o perfil se assemelha ao da Light, mas em uma área de concessão maior.

Também se discute a aplicação de uma regulação especial por cinco anos para a concessionária ter uma folga em indicadores regulatórios para assim poder dar a “virada operacional”.

Recuperação judicial
Circulou na mídia nesta segunda-feira (6) a hipótese de a Light vir a pedir recuperação judicial em breve. Hoje, essa opção estaria vedada pelo Art. 18 da Lei 12.767, de 2012, no caso de concessionárias de energia elétrica.

Para permitir um “default” de dívidas de concessionária caso a situação financeira das empresas piore e não haja outra alternativa de mercado, ou uma intervenção não esteja dentre as hipóteses, seria necessário construir uma lei que permitisse uma recuperação judicial, por meio do Congresso Nacional. Outra sugestão seria alterar o prazo de término da concessão tornando-o sem prazo definido, uma hipótese que, no entanto, é vista com ressalvas.

Em 2012, na MP 579, em que tratou da renovação de ativos de geração e transmissão, um dos argumentos usados naquela decisão foi a não criação de capitanias hereditárias, caso houvesse renovação dos ativos.

No governo e no mercado, além de mudanças regulatórias, vê-se como necessário o “haircut” da dívida (no jargão financeiro é o tamanho da redução da dívida que o credor terá de aceitar). No caso da Amazonas Energia, o fiel da balança é a Eletrobras. No da Light, a empresa tem parte da dívida pulverizada no Brasil e no exterior.

O tempo corre e precisaria ser definido ainda neste primeiro semestre. O processo de renovação das concessões de distribuição não tem suas regras estipuladas ainda. A primeira distribuidora que passará pelo processo é a EDP-ES, cuja concessão expira em julho de 2025. A empresa manifestou interesse na renovação em julho passado. O contrato da Light expira em junho de 2026. As empresas têm 36 meses para manifestar o interesse.

Isso faz com que o processo de renovação torne-se ainda mais importante para a distribuidora que atende a região metropolitana do Rio de Janeiro. Sem ter acesso às regras, os investidores terão dificuldades de previsibilidade de caixa.

TCU
Um detalhe importante nesse quebra cabeça é o documento que o TCU (Tribunal de Contas da União) e o Ministério de Minas e Energia trocaram no fim do ano passado sobre o processo de renovação das concessões. Tentou-se obtê-lo pela Lei de Acesso à Informação, mas ele foi classificado como sigiloso. Esse documento pode indicar se o processo de renovação teria de ser feito por licitação ou buscar a modicidade tarifária. As distribuidoras defendem que a renovação dos ativos não seja feita por cobrança onerosa.

O processo de renovação dos ativos de distribuição torna-se a cada dia mais importante. O tema afeta aproximadamente 60% do número de clientes, mercado e receita bruta do total das concessionárias de distribuição. São contratos que reúnem cerca de 55 milhões de clientes e uma receita bruta somada de cerca de R$ 170 bilhões em 2021, segundo dados compilados pela FGV-Ceri, que fez uma ampla análise sobre o tema, publicada ano passado.

Os 20 contratos envolvem as primeiras privatizações de distribuidoras no país feitas na metade dos anos 1990. Os contratos incorporaram cláusulas que permitem a renovação da concessão, mediante a anuência do poder concedente, com o argumento de que o risco dos primeiros investidores e de mudanças no modelo eram altos.

A discussão não é nova. Em 2018, o governo federal se debruçou sobre ela. Havia partidários de relicitar os contratos, meio visto como uma forma de reduzir as tarifas e atrair novos players. Outros indicavam que poderia ser feita a prorrogação com cobrança de bônus. “A questão do modelo foi tensa. O Ministério da Economia preferia relicitar, era tema de muito pouco consenso”, disse uma fonte que participou das discussões.

Há 20 anos, o setor elétrico acompanhou a novela financeira da AES, que, entre outros ativos, naquele momento detinha a AES Eletropaulo, distribuidora que atendia à região metropolitana de São Paulo. Foi o primeiro ano do governo Lula, com Dilma Rousseff, ministra de Minas e Energia. A empresa não saldou débito com o BNDES. A partir de uma longa negociação, uma parte da dívida se converteu em ações do banco de fomento na empresa. Sob o comando de Eduardo Bernini, a empresa deu a virada operacional.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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