Análise: preços do gás deverão continuar pressionados até 2024

Roberto Rockmann*

Os preços de gás continuarão pressionados no mundo neste ano e provavelmente em 2024 diante de mudanças no mercado mundial de GNL (gás natural liquefeito). Isso criará desafios para o governo e reguladores, que terão de pensar na coordenação entre o setor de gás e o elétrico, no andamento dos 6 GW em usinas térmicas que ainda precisam ser contratados por conta do processo de capitalização da Eletrobras, e no melhor uso do gás do pré-sal.

O diretor geral da agência reguladora do setor de gás da Alemanha, Klaus Müller, disse há poucos dias que a crise de abastecimento na Europa está longe do fim. Redução do consumo na maior economia europeia ainda continua sobre a mesa diante de incertezas em relação à retomada econômica da China e um mercado de GNL mundial sem grande expectativa de expansão até 2024.

O mercado de GNL mudou de configuração desde a invasão dos tanques russos à Ucrânia em fevereiro de 2022. Mais volatilidade deve estar presente nas negociações. “Hoje 36% da tonelagem contratada em estaleiros no mundo está ligada a navios gaseiros”, disse o diretor-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), Rodolfo Saboia. “O gás natural na transição energética será influenciado por fatores externos, com motivos alheios à competitividade.”

A segurança passa a ser um substantivo essencial na equação da energia nesta década e na próxima. “Se o Brasil tivesse de despachar térmicas em 2022 como fez em 2021, o gasto seria de R$ 10 bilhões a R$ 20 bilhões a mais. A segurança no suprimento é uma questão essencial”, disse Gustavo Labanca, presidente da TAG, dona de uma rede de pouco mais de 4,5 mil quilômetros, associação entre a Engie e o fundo institucional canadense CDPQ.

Cenário nacional
Para o presidente do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), Roberto Ardenghy, o Brasil tem uma particularidade: a influência das hidrelétricas na geração de energia elétrica. “Desafio qualquer um sobre previsão para o regime de chuvas nos próximos cinco anos. Vai chover muito ou pouco no Brasil? Uma crise hídrica não pode nos deixar de calças curtas”, disse. Hoje se veem muitos terminais de GNL conectados a usinas termelétricas a gás natural, segundo ele, e isso cria um pilar de segurança energética para o país.

Labanca destacou outro ponto: a abertura traz uma necessidade cada vez mais urgente e importante de coordenação entre produtores, carregadores, distribuidores e consumidores. Hoje 17% da receita da TAG está com novos carregadores que não a Petrobras. São mais de 40 contratos com 16 clientes com entrada e saída em gasodutos. Dos novos fornecedores, um terço da receita da TAG está atrelada à Shell. “Essa multiplicidade gera mais segurança, mais flexibilidade, mais liquidez e redução do preço da molécula.”

Ex-diretora geral da ANP e coordenadora da FGV Energia, Magda Chambriard destacou que muito já foi feito, mas ainda há muito a fazer, com um trabalho grande da ANP e dos órgãos reguladores estaduais, já que estados têm influência sobre as distribuidoras, que atendem localmente. O desafio ganha complexidade pela posição da Petrobras, que ainda é dominante no setor.

Magda ainda apontou que a oferta de gás nacional é pouco superior a 140 milhões de metros cúbicos por dia, suficiente para atender à demanda. Desde 2017, o país é autossuficiente, mas a infraestrutura é insuficiente para que o consumidor final tenha acesso ao insumo. “Isso continua incentivando importações crescentes.”

Argumentam parte do governo e alguns parlamentares que a MP (medida provisória) que está sendo pensada pelo governo federal poderá ampliar a infraestrutura de gás com o uso da PPSA (Pré-Sal Petróleo S.A.), cujo cofre cheio pela exploração crescente do pré-sal poderá financiar a construção de gasodutos para interiorizar o gás e usar as térmicas da Eletrobras como âncoras desse processo. O gás ainda pode ser usado para expandir a área de fertilizantes, um calcanhar de Aquiles de um país que é uma potência agrícola.

Se as térmicas da Eletrobras podem ter algum impacto sobre a interiorização do gás, elas terão outros efeitos, como ampliar a sobreoferta de energia nessa década e aumentar as emissões, sobretudo no Nordeste, região onde os investimentos de hidrogênio verde estão sendo planejados.

Dúvidas
A harmonização entre o setor de gás e de eletricidade rende outras perguntas. O cenário entre oferta e demanda no setor elétrico parece confortável para 2023 e 2024, com as chuvas desse verão e a carga em patamares com baixo crescimento desde 2016, mas qual será o sinal dado aos agentes térmicos para essa década? E os 6 GW de térmicas, autorizados pela lei que permitiu a capitalização da Eletrobras, reduzirão a necessidade de uso de outras usinas termelétricas na base? Como fica a contratação futura de térmicas, uma vez que sua expansão está lastreada no mercado cativo e nos leilões de reserva?

A guerra entre Ucrânia e Rússia promoveu uma inflexão no cenário macroeconômico mundial, que ganhou camadas de complexidade em razão de incógnitas em relação ao futuro da relação entre Estados Unidos e China e a disputa comercial entre Estados Unidos e União Europeia em relação a subsídios para fomentar a economia verde.

O Brasil desponta nesse xadrez com uma posição de liderança, seja com o gás do pré-sal, seja com as renováveis. O desafio é extrair, por meio do debate, o máximo valor para indústrias, meio ambiente e a sociedade brasileira a partir de políticas estruturadas, transparentes, quantificáveis e com análises regulatórias de impacto social, ambiental e econômico. Não há cheque em branco. No fim, os custos chegam a todos, direta ou indiretamente.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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