Análise: grandes grupos estão mudando os investimentos de geração para transmissão

Roberto Rockmann*

O nível mais elevado de armazenamento dos reservatórios das hidrelétricas em 16 anos e expectativa de preços no piso até boa parte do próximo ano estão levando os grandes grupos a mudar as apostas dos investimentos de geração para o segmento de transmissão.

Os investidores buscam reformas no formato dos leilões de geração, com precificação de acordo com os atributos das fontes. Isso demonstra que o modelo das licitações iniciado em 2004 exige atualização. Esse foi o pano de fundo das teleconferências de grandes empresas com analistas na última sexta-feira (4).

Na transmissão, a disputa deve ser acirrada e privilegiar grandes grupos, mas ágios elevados são incerteza diante de um cenário que combina diversas pressões na cadeia. Com a previsão de investimentos de R$ 56 bilhões em três leilões de transmissão até o primeiro semestre de 2024, muitos investidores estão se movimentando.

“Ganhar o leilão é fácil, criar valor para o acionista é o desafio”, resumiu o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr, a analistas. A empresa, líder no segmento, deverá participar do leilão de junho com previsão de investimentos de R$ 15 bilhões. Auren, Cemig e Engie são outras que estão de olho.

A competição entre os grandes grupos e as transmissoras será acirrada em um cenário que combina custo de capital elevado (Selic em 13,75% ao ano) e bancos mais cautelosos depois das recuperações judiciais das Americanas e Oi, além da decisão da Light de buscar mediação judicial sobre parte de sua dívida. Isso reforça existência de formação de consórcios de grandes grupos e sócios financeiros, como forma de diluir riscos como o de entrada em operação das linhas.

A mudança de paradigma dos leilões de transmissão, que terão uma nova escala de recursos e ativos, poderá trazer pressões sobre a cadeia produtiva, principalmente em EPCistas (empreiteiros que entregam o projeto pronto), um segmento que já tem enfrentado problemas desde a operação Lava Jato.

Guerra dos atributos
O cenário de chuvas fortes e sobreoferta de energia levaram geradoras hídricas a reforçar a agenda regulatória em busca da valorização dos atributos da fonte hidrelétrica, uma forma de obter receita adicional diante do atual cenário. O recado foi dado pela presidente da AES Brasil, Clarissa Saddock, que disse que a empresa reforçou o time regulatório para participar dessa discussão. “Esse é um foco da nossa agenda”, disse. Não será fácil.

Engie e Auren destacaram em suas conferências que poderiam acrescentar mais capacidade em novas turbinas em projetos hidrelétricos já existentes a depender das condições do leilão de reserva de capacidade de potência que poderá ser realizado. “Se o edital permitir a participação de hidrelétricas, essa é uma possibilidade”, disse o presidente da Auren, Fabio Zanfelice. Para que isso ocorra, é preciso mudança regulatória, com uma nova maneira de precificação das fontes, incorporando analisar atributos.

Maior intermitência na rede reforça a importância das hidrelétricas, que são despacháveis e podem oferecer potência ao sistema no horário de pico. A água acumulada nos reservatórios passa a dar flexibilidade ao sistema e ao operador. Esse serviço ancilar das hidrelétricas também deveria ser precificado, assim como um sistema de preços mais aderente à realidade da operação.

No fim do ano passado, o governo Bolsonaro lançou um cronograma com estimativa de sete leilões entre 2023 e 2025, prevendo que em novembro poderia realizar um de contratação de reserva na forma de potência. O governo Bolsonaro também tinha aberto a discussão de uso desses leilões com a possibilidade de contratação de fontes renováveis com baterias.

O governo atual também terá de decidir se irá levar os sete leilões previstos em dezembro de 2022 para serem realizados entre 2023 e 2025, sob um cenário de preços baixos, sobreoferta de energia, a possibilidade de contratação de 8 GW térmicas da Eletrobras e explosão de projetos de GD (Geração Distribuída) solar.

Outra peça importante nessa agenda poderá ser dada pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética). Pela Lei 14.300/2022, que instituiu o marco regulatório da GD solar, o órgão teria de decidir sobre a valorização dos atributos da fonte em seis meses após a sanção da lei – junho de 2022. O setor solar tem se reunido com o Ministério de Minas e Energia desde abril sobre o assunto. A decisão sobre o tema poderá acirrar a chamada guerra dos atributos.

Intermitência
Somar os dois lados da equação – benefícios e custos – é o desafio. A geração distribuída tem ganhos ambientais por se tratar de uma fonte limpa e traz benefícios por ser descentralizada e estar perto dos centros de carga, mas sua adoção exige a análise de diversos elementos. O sol, como o vento, é uma energia não despachável, já que depende de fatores climáticos para gerar eletricidade.

Essa intermitência tem impactos na rede de transmissão e exige investimentos em reforços em algumas áreas, por exemplo do Sudeste e do Nordeste, caso dos leilões de transmissão que serão realizados agora. Exige ainda investimentos na rede de distribuição.

Essa agenda regulatória não é novidade. A CP (Consulta Pública) 33, de 2017, já destacava que a metodologia das licitações também precisava deixar a disputa Fla-Flu entre as fontes e incorporar novos critérios, valorizando atributos e externalidades das fontes e adotando uma visão sistêmica dos ganhos líquidos delas, para que as fontes de menor custo e benefício sejam escolhidas. Também envolve a discussão dos subsídios das fontes e a necessidade de reduzi-los ao máximo.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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