Análise: Faltou ouvir a ANAC sobre o que fazer com o Aeroporto do Galeão

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

O ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, indicou que vai buscar a manutenção da atual operadora do Aeroporto do Galeão (RJ), a Changi, que pediu a devolução amigável do seu contrato de concessão em 2022. E também que pretende ampliar o número de voos nacionais para a unidade, a que está mais longe de recuperar o movimento pré-Covid-19.

A intenção foi explicitada em entrevistas a canais de TV ao longo da última sexta-feira (20) e após uma reunião dele, no sábado (21), na sede do aeroporto, que contou com a presença de representantes da empresa, do governo local, da prefeitura, da ministra do Turismo, Daniela Carneiro, e de outras autoridades. Mas faltou uma, se efetivamente essas políticas quiserem ser implementadas: a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil).

França explicou que, no caso do Galeão, a empresa foi “induzida” pelo governo anterior a aceitar o que ele chamou de “renúncia” do contrato e que a intenção do governo agora é fazer ela “desrenunciar” (legalmente, vai ser complicado, já que ela assinou um acordo expressamente irrevogável e irretratável). 

França indicou na rápida entrevista coletiva que deu ao fim do evento o caminho para manter a empresa, que carrega um contrato desequilibrado desde seu início: aceitar a tese do reequilíbrio dos eventos da Covid-19 levada pelas concessionárias de aeroportos e rejeitada pela ANAC.

Essa tese consiste em reequilibrar os anos vindouros do contrato de concessão com base no que aconteceu no período da Covid-19. É como dizer que a Covid-19 impactou não apenas os três últimos anos, como seguirá impactando o crescimento do número de passageiros pelos próximos 20 anos, o que alguns técnicos do setor defendem como plausível.

Na ANAC, com aval do governo anterior e respaldo dos órgãos de controle, essa tese é vista como próxima à linha do absurdo e foi rejeitada formalmente. A agência está avaliando os efeitos da Covid-19 a cada ano. Deu reequilíbrios em favor das empresas dos primeiros anos, mas se recusa a, previamente, fixar que em 2030 ainda haverá efeitos no número de passageiros por causa dos eventos de 2020.

A tese é vista como uma nova tentativa das concessionárias das duas primeiras etapas de concessão de reduzir as exageradas outorgas que propuseram pagar para administrar as unidades e que, hoje, leva todas, sem exceção, a terem desempenhos econômicos entre o péssimo e o ruim. O governo anterior ajudou com algumas flexibilizações para reduzir o valor da outorga anual, mas a da Covid-19 prolongada foi considerada fora do limite.

Voos nacionais
No caso da redução de voos nacionais do Galeão, isso impede que ele avance nos voos internacionais pela falta de conexão na unidade para que passageiros com destino a outros estados se utilizem dela em voos para fora do país. 

O governo local quer dividir os voos da cidade entre o Galeão e o Santos Dumont, o aeroporto na região central, para evitar o esvaziamento do Galeão. A ANAC também é contra essa medida. Reforçada pelo governo anterior, ela vem impedindo essa solução há alguns anos. Alega que isso pode gerar impacto no resto do sistema, que funciona como malha.

Diz ainda que esse tipo de intervenção vai contra a política de abertura do mercado de aviação civil do Brasil (que começou em 2002, no final do governo Fernando Henrique), que dá liberdade total para as empresas aéreas escolherem de onde voar e quanto cobrar.

Relativo sucesso
É uma política de relativo sucesso. Por causa dela, Lula pode dizer que colocou o pobre nos aeroportos, o que de fato ocorreu, por causa da redução significativa do valor das passagens entre 2003 e 2018, desde que rotas e preços deixaram de ser controlados. 

Mas essa política vem mostrando seus limites, já que os preços primeiro se estabilizaram num patamar elevado da renda do brasileiro e depois começaram a subir. O número de voos por habitante no Brasil cresceu, mas ainda é 1/3 da média dos países mais desenvolvidos.

A ANAC não tem sido contrária ao longo dos anos às soluções que o ministro encampou nesse começo de gestão porque quer. Mas porque elas estão legitimadas por atos legais e fazem parte de um conjunto que os técnicos que implementam essa política há quase duas décadas defendem como a forma de fazer o que é considerado essencial para efetivamente criar um mercado maior de aviação no país: trazer mais empresas aéreas para operar aqui.

Os dados da ANAC, já tornados públicos em várias das sessões do Congresso nas quais parlamentares reclamam dos preços dos bilhetes, mostram que, quanto menos empresas aéreas numa rota, maior o preço. E a concentração no mercado no Brasil só cresceu nos últimos anos.

Ao longo de vários anos se tentou abrir o mercado aéreo para empresas internacionais no Brasil, e a última barreira formal para isso foi derrubada no início de 2019. As aéreas que começaram a negociar para entrar foram abatidas pela Covid-19, que veio no ano seguinte.

Mas deixaram pistas ao governo de que o fim da restrição ao capital estrangeiro nas aéreas nacionais não seria suficiente. Seria preciso mexer em mais coisas para que elas pudessem vir, especialmente as que trabalham no modelo low cost (bilhetes mais baratos). 

A insegurança jurídica causada com a interpretação diferente nas regras da ANAC de direitos dos passageiros e da lei de defesa do consumidor, o alto custo dos combustíveis e a legislação tributária foram os principais problemas apontados. O governo anterior avançou pouco nos dois últimos temas e o atual já deu demonstrações de que quer trabalhar, especialmente no tema dos combustíveis, mas não há solução simples para isso enquanto o mercado de distribuição funcionar em regime de oligopólio. 

Mexer em regras de contrato e fazer interferências em pontos do funcionamento do mercado não pode ser visto como dogma. A realidade, em muitos casos, se impõe, mudanças são necessárias e há autorização para fazê-lo, desde que de forma justificada e cumprindo requisitos. É preciso, portanto, fazer isso com técnica, diálogo e cuidado para que o resultado não seja o oposto do que se almeja.

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