Análise: Consumidor do futuro no país do atraso

Roberto Rockmann*

Nesta quinta-feira (5), em São Paulo, o setor elétrico se reuniu para debater o consumidor do futuro em um seminário internacional promovido pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). A discussão pareceu irônica em um momento em que as agências reguladoras estão em xeque e reajustes de energia de distribuidoras recebem ameaças parlamentares.

Pode ser apenas fumaça, mas ela pode causar problemas futuros. Dirigentes de distribuidoras acreditam que a suspensão de reajustes não se confirmará nas próximas semanas, mas que ruídos regionais permanecerão principalmente no Nordeste, Centro-Oeste e Norte, em que a renda per capita é mais baixa.

A situação atual tem suas particularidades. Convidam-se diretores da agência em comissões para explicar reajustes como se as decisões fossem arbitrárias e uma crise hídrica em 2021 tivesse sido apagada da memória. Vota-se regime de urgência para avaliar benesses tarifárias, mas não se vota requerimento de urgência do Projeto de Lei 414, cujo desfecho agora se tornou nebuloso com a fumaça recente. Grupos que têm no mercado regulado de distribuição boa parte de sua receita apoiarão os 42 meses de abertura, diante da fumaça atual?

O modelo de investimento em infraestrutura no Brasil, desde a metade dos anos 1990, é estruturado em atrair capital privado a partir de regulação independente, equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, fiscalização dos serviços.

Uma minuta de PEC sobre as agências reguladoras que circula há semanas e o PDL 94/2022 (Projeto de Decreto Legislativo de Sustação de Atos Normativos do Poder Executivo), que susta resolução da ANEEL de reajuste tarifário anual da Enel Ceará, apontam em direção oposta.

Os próximos meses prometem tensão, não apenas localizada no Brasil. Estudo do think tank europeu Bruegel, publicado no fim de abril (link aqui), aponta que os países da União Europeia e o Reino Unido têm buscado políticas para proteger o bolso dos consumidores. As iniciativas começaram em setembro de 2021, um indicativo de que a crise no setor se iniciou antes da invasão da Ucrânia e se agravou com o arrastar do conflito. Subsídios têm sido amplamente usados. Discussões sobre preços-teto no mercado livre também estão sobre a mesa.

As medidas na Europa são amplas: em janeiro, a Áustria concedeu 1,7 bilhão de euros criando uma compensação de 150 euros para residências abaterem contas de gás e energia elétrica. Em março, mais 2 bilhões de euros em subsídios. Na França, o modelo de preços usado pela estatal EDF está em discussão. A Lituânia suspendeu as discussões de abertura de seu mercado. Na Espanha, novas regras para leilão de contratação de energia no longo prazo estão sendo colocadas em prática para amortecer o aumento de energia elétrica e gás natural.

Com mais de dois meses de guerra entre Ucrânia e Rússia, uma certeza fica: as pressões sobre o setor de energia no mundo continuarão elevadas no curto e médio prazo, ainda mais sob a incógnita se a suspensão de compra de petróleo da Rússia não levará Vladimir Putin a cortar o fornecimento de gás para a União Europeia. O GNL (gás natural liquefeito) deve se manter em patamares altos pelo menos até 2024. Sorte nossa que São Pedro ajudou, senão os reajustes provocariam ruídos ainda maiores.

A discussão de mudanças do outro lado do Atlântico poderá reforçar ainda mais projetos de lei e tendências populistas no Brasil, que viverá no segundo semestre a eleição presidencial e de governadores. Os pilares do modelo de capital privado, implementados desde a metade dos anos 1990, estão à prova. Para chegar ao futuro, será preciso colocar os dois pés à frente. Com térmicas planejadas por parlamentares, incentivos ao carvão, suspensão de reajustes, agências em xeque, o trabalho será árduo.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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