Análise: Congresso assume cada vez mais o protagonismo nas políticas públicas de energia

Roberto Rockmann*

Mais uma vez, em menos de dois anos, o Congresso e parlamentares ocupam um espaço institucional que deveria ser relegado a uma instituição do setor elétrico, conforme as diretrizes legais estabelecidas pelo marco regulatório, colocando em xeque a governança.

Em 2021, o Congresso e o Senado, para autorizar a capitalização da Eletrobras, incluíram uma emenda que impôs a contratação de 8 GW (gigawatts) de térmicas a gás natural com inflexibilidade de 70%, sendo que parte começará a ser contratada em leilão em 30 de setembro. Os parlamentares se tornaram planejadores do setor elétrico, papel ocupado desde 2004 pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética).

Em um cenário considerando as térmicas da Eletrobras, a sobreoferta de energia elétrica, medida em percentual de garantia física em relação à demanda para os próximos dez anos, mantém-se acima de 20% de 2022 a 2030, atingindo 20% em 2030, segundo estimativas da PSR apresentadas em junho.

Nesta quarta-feira (31), sem discussão com o setor, o Congresso mais uma vez exerceu o protagonismo. Desta vez, a partir de uma MP (medida provisória), cuja essência era tratar de combustíveis. “Vamos ver se passa no Senado, porque em teoria a inclusão desses textos seria inconstitucional por não ter nada a ver com a matéria de tributação sobre combustível”, diz um empresário.

Anunciada há cerca de dez dias, a MP foi divulgada na noite de terça-feira (30) a empresários, que passaram a madrugada debruçados no documento vazado. Na manhã da quarta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base da MP 1.118, mantendo emenda que trata sobre sinal locacional de transmissão e amplia prazo para as outorgas da “corrida do ouro”.

Transmissão e renováveis 
O sinal locacional da transmissão tem rendido divergências entre usinas solares e, principalmente, eólicas com a agência reguladora, a ANEEL, que por exemplo eliminou, recentemente, a estabilização da TUST (Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão) e discute mudanças no fator locacional da TUST.

No primeiro caso, há liminar de usinas eólicas contra a decisão que tem impacto sobre projetos em andamento. Os empreendimentos passaram a ganhar uma incerteza a mais na hora de fechar a conta, prejudicando até financiamento. Não houve regra de transição. As tarifas, na regra anterior, ficavam estabilizadas por dez ciclos tarifários.

No segundo caso, a ANEEL lançou em 2021 a Consulta Pública 39, que trata de mudanças no fator locacional. Ela se arrasta há mais de um ano e concluiu sua terceira etapa na segunda-feira (29).

Empresas de energia renovável com muitos projetos no Nordeste temem que haja perda de competitividade com as regras propostas. Alegam que haverá alta de tarifas e transferência de renda do Nordeste para o Sudeste. A medida também preocupa grandes players por poder interferir em projetos já existentes e operacionais.

“Corrida do ouro”
Outra emenda relevante da MP 1.118 trata da corrida de ouro das renováveis. No relatório, o deputado Danilo Forte (União-CE) propõe prazo adicional de 24 meses para a entrada em operação dos empreendimentos que aportarem garantias de fiel cumprimento compatíveis com a respectiva potência do parque gerador e da data de entrada em operação.

Não há alteração de prazo para novas outorgas, mas somente alteração de prazo para conclusão dos empreendimentos já enquadrados. A extensão de prazo é vista por alguns empresários e por alguns advogados como uma alternativa de resolução para evitar a judicialização. Mesmo que a MP não prospere, a ideia foi lançada.

O setor elétrico tem discutido muito a neutralidade tecnológica. Deve começar a debater a neutralidade parlamentar. O ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), a EPE e a ANEEL foram criados para cumprir papéis. Ao exercer protagonismo, o Congresso cria ainda mais incertezas e indica que os custos da expansão poderão ser mais elevados.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

Tags:

Compartilhe essa Notícia
Facebook
Twitter
LinkedIn

Inscreva-se para receber o boletim semanal gratuito!

Assine nosso Boletim diário gratuito

e receba as informações mais importantes sobre infraestrutura no Brasil

Cancele a qualquer momento!

Solicite sua demonstração do produto Boletins e Alertas

Solicite sua demonstração do produto Fornecimento de Conteúdo

Solicite sua demonstração do produto Publicidade e Branded Content

Solicite sua demonstração do produto Realização e Cobertura de Eventos