Análise: atraso no cronograma de “perdão” para renováveis pode prejudicar revisão tarifária das transmissoras

Roberto Rockmann*

Há preocupação entre empresários de que o processo de “perdão” para os geradores renováveis que acumularam outorgas com a intenção de garantir desconto na conexão possa sofrer atrasos e seja iniciado diante da incerteza do detalhamento das regras de anistia.

Isso ocorre porque o assunto não estará na pauta da reunião pública da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) na próxima terça-feira (6). Com isso, os agentes interessados em participar do processo participarão da primeira etapa, prevista para ter início na mesma terça-feira (6), sem saber o detalhamento de como ocorrerá a anistia.

“Temos uma grande preocupação, ainda mais que o assunto não vai estar na pauta da reunião da ANEEL da semana que vem, quando também se encerra esse prazo para envio da primeira manifestação de interesse em relação à anistia”, afirma o presidente de uma empresa.

O assunto, que se refere à chamada corrida de ouro das renováveis, está ligado à CP (Consulta Pública) 15/2023, aberta pela ANEEL em 10 de maio e cujas contribuições foram concluídas em 22 de maio. Ela se refere à anistia dos CUST (Contratos de Uso do Sistema de Transmissão) protocolados até 2 de março de 2022. Este era o prazo para obtenção de descontos no uso do fio no SIN (Sistema Interligado Nacional) por fontes renováveis, como solar e eólica.

Processo tem início dia 6 de junho
A proposta da agência, que ainda tem de ser votada pela diretoria, é de que os interessados enviem até terça-feira que vem, 6 de junho, à ANEEL e ao ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), sua manifestação de rescisão amigável dos contratos. Essa intenção não é vinculativa, ou seja, a empresa pode dizer que quer entregar sob determinadas condições, sem compromisso futuro. Conforme explicou o relator do processo, diretor Hélvio Guerra, na abertura da CP, a anistia é necessária para liberar margem de escoamento, que se esgotou devido à “corrida do ouro”.

Após essa primeira manifestação de interesse na devolução, que está marcada para 6 de junho, o segundo passo seria a confirmação formal desse interesse, etapa prevista para 30 de junho. “Temos receio com os prazos, que são muito apertados, e ainda falta o detalhamento das medidas a que ficaremos sujeitos”, diz o vice-presidente de outra geradora envolvida na questão.

Nas contribuições públicas enviadas pelos agentes, um dos pontos argumentados por associações e empresas refere-se a riscos burocráticos relacionados à segunda etapa, quando as empresas deveriam manifestar o interesse formal na devolução das outorgas. Nesse momento, marcado para 30 de junho, teria de ser obtida uma declaração da transmissora que faria a conexão do projeto de geração. Esse é um ponto que pode trazer ainda mais atrasos. “Isso pode criar uma avalanche de pedidos e criar um gargalo eventual. Esse foi um ponto que colocamos em nossa contribuição”, diz Ricardo Barros, vice-presidente da Absolar (Associação Brasileira da Indústria Solar).

Não é a única preocupação. Em sua contribuição, o ONS alerta que, “na fase até o dia 10 de agosto, em que o ONS deverá informar se o agente está adimplente com os EUST [Encargos de Uso do Sistema de Transmissão], não haverá tempo hábil para que haja o registro das últimas faturas, o que poderá configurar alguma inconsistência nessa informação”.

Isso leva muitos empresários a reforçarem a importância da urgência da votação da ANEEL sobre o detalhamento do processo e eliminar eventuais dúvidas. “A grande preocupação é que os prazos estão aí e não sabemos ao certo tudo que constará nele”, diz outro executivo.

Ciclo de revisão tarifária inicia dia 30
A pressa para concluir o processo ainda neste mês tem razão. A ANEEL busca correr contra o tempo para encerrar o processo até 30 de junho, quando se encerra o atual ciclo tarifário usado pelas transmissoras no ciclo 2022/2023 de sua RAP (Receita Anual Permitida). Se a discussão se estender além de junho, ela se arrastaria até o ciclo do ano que vem, podendo criar problemas.

“A ANEEL aponta que há 17,7 GW com potencial de judicialização, e arrastar a discussão além do próximo ciclo tarifário poderia aumentar a inadimplência e até ter impacto sobre essa inadimplência, mas, caso ocorra, a saída seria fazer uma revisão extraordinária, o que pode adicionar complexidade”, afirma Barros.

A corrida de ouro, provocada pela Lei 14.120, que concedeu subsídios para quem solicitasse outorga de empreendimentos renováveis até 2 de março de 2022, resultou em pedidos de 200 GW de outorgas, sendo 53,5%, ou 107 GW, de usinas solares. Estima-se que o “perdão” poderia fazer com que 15 GW aderissem ao processo, pelo qual os empreendedores devolveriam as outorgas sem penalidades.

Ideia é liberar a rede de transmissão
A ideia de devolução com anistia seria evitar judicialização e liberar margem de escoamento de energia no sistema de transmissão. “Estamos otimistas de que haja adesão e de que possa ser liberada margem, aí é fundamental que o Ministério de Minas Energia possa concatenar em paralelo o leilão de margem de escoamento, cujo detalhamento ainda falta”, diz Barros, da Absolar.

No fim do ano passado, no governo Bolsonaro, foi lançada uma CP sobre o primeiro leilão de margem de escoamento, que poderia ser realizado no fim deste ano, mas o assunto ainda está indefinido no atual governo. Não se sabe se será mesmo realizado nem as regras que ele teria.

A realização de um leilão reverso em que projetos pudessem ser descontratados é inspirada em um passado recente. Foi feita no governo Temer, mas se referia a projetos de geração em um momento em que o setor vivia uma sobreoferta de projetos. Agora o calcanhar de Aquiles é a transmissão. Esse leilão poderia destravar bilionários investimentos.

Cerca de R$ 50 bilhões em investimentos para colocar em operação projetos com 7 GW de potência instalada de usinas eólicas estão à espera de resolução do impasse em relação à falta de conexão na rede de transmissão. Boa parte desses projetos está com contratos de longo prazo de energia vendidos, já tem acordos assinados com fornecedores de máquinas e equipamentos e conta também com financiamento de bancos, mas hoje está com cronograma incerto em razão de o acesso à rede estar limitado diante da enxurrada de pedidos.

Esses 7 GW em projetos eólicos estão com cronograma adiantado e poderiam avançar com a devolução de empreendimentos que têm outorga, mas não têm condição de colocar o parque de pé ou têm interesses especulativos. Com a anistia, seria realizada “uma limpeza de base”.

Conforme apresentação técnica da ANEEL, há 108 GW de geração outorgada que não está em operação. Para liberar escoamento, a reguladora propõe a criação de um mecanismo excepcional, com adesão voluntária, que “autoriza a revogação dos CUST sem aplicação de encargos rescisórios, e revoga as respectivas outorgas de geração com devolução das respectivas garantias de fiel cumprimento, quando aplicáveis, e isenção de eventuais multas decorrentes de processos de fiscalização em andamento”.

Para isso, é preciso que as companhias não tenham débitos de EUST devidos às transmissoras até o fim do ciclo tarifário; renunciem qualquer discussão judicial relacionada aos CUST celebrados; e não tenham débitos de encargos setoriais e CCEAR (Contratos de Compra de Energia no Ambiente Regulado) vigentes.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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