Análise: As perguntas que ficam com a capitalização da Eletrobras

 Roberto Rockmann*

Junho se inicia com a perspectiva de um fato histórico: a capitalização da Eletrobras, prevista para o dia 9. Os bancos que assessoram a oferta vendem a história de que tem R$ 30 bilhões em intenções de demanda (contando estimativas de varejo, FGTS e prioritária), o que poderá levar à oferta adicional de R$ 15% a mais de papéis.

O preço de referência da oferta é de R$ 44 a ação. Gestores que estão olhando a operação apontam que a cotação, com base no preço do fechamento na quinta-feira, é alta e de que pode haver um desconto sobre o preço de tela – e ficar entre R$ 40 a R$ 42. Suas reservas estariam sendo feitas sob esse teto.

A queda de braço, normal em operações desse porte, indica que ela deve ser bem-sucedida (único impasse a ser superado é o aporte na usina Hidrelétrica de Santo Antônio, a subsidiária Saesa). Se sair em R$ 44 ou mais e 15% da oferta adicional for vendida, a operação poderá trazer cerca de R$ 31 bilhões. Ficará a dúvida: o governo usará mais do que os R$ 5 bilhões que pretende para baixar tarifas na CDE (Conta de Desenvolvimento Energético)? Ou o TCU (Tribunal de Contas da União) poderá ser um entrave para a sanha populista?

Com controle pulverizado, a Eletrobras poderá se tornar uma ponta de lança na modernização do setor elétrico em alguns segmentos, como as usinas reversíveis, uma tecnologia ainda incipiente no país. Com grandes hidrelétricas em seu parque de geração, poderá fortalecer a discussão sobre a criação de um novo sistema de preço para a água armazenada nos reservatórios das hidrelétricas, que têm uma função de grandes baterias hidráulicas.

A Eletrobras possui 40% da transmissão no país e, com um sistema com cada vez mais fontes intermitentes, as transmissoras passarão a atuar com novos modelos de negócio. O aumento das renováveis na geração de energia cria problemas de qualidade de frequência. Em alguns momentos, há excesso de oferta de carga e não é fácil regular, não consegue baixar uma térmica ou modular uma hidrelétrica. O uso de bateria, de armazenamento na transmissão ganha relevância.

A mudança do controle estatal para o privado reduz a interferência do Poder Executivo na empresa e poderá levar, em algum momento do futuro, a momentos similares aos vistos nos últimos meses com a Petrobras. Usada muitas vezes para garantir taxas patrióticas de retorno ou para segurar tarifas ao longo de décadas, a Eletrobras terá de seguir um caminho de mercado.

Garantias físicas
Cabe uma pergunta: a revisão das garantias físicas das hidrelétricas, processo em andamento pelo governo federal, que trará perdas e ganhos para alguns, será mesmo finalizada? Se não for, o que dirão os novos acionistas da Eletrobras, cujas hidrelétricas sofreram revisão de 7,3%?

A até aqui bem-sucedida capitalização da Eletrobras contrasta com um outro fato. Para que a operação pudesse sair, foi aprovada em Brasília a Lei 14.182, que autorizou o Executivo a levar adiante o processo, mas criou um jabuti: a contratação de 8 GW de térmicas em locais em que não há gasodutos e em que o consumo de gás é incipiente. Não por interesses literários, até o escritor José Saramago foi invocado em um parágrafo da lei em que não há vírgulas.

A guerra entre Ucrânia e Rússia elevou os preços do gás em todo o planeta e tornou as térmicas, que operarão com 70% de inflexibilidade, ainda mais dispendiosas. Para que as térmicas saiam, costura-se nos bastidores uma saída polêmica: uso de recursos da PPSA (Pré-Sal Petróleo) para financiar a interiorização do gás e a saída desses gasodutos.

Além da discussão sobre a finalidade dos royalties, fica a dúvida: qual fim deverá ter o gás do pré-sal, que no atual contexto tornou-se um trunfo? Deverá ir para gasodutos? Para a indústria? O jabuti tem seu principal apoio no Centrão, mas é malvisto por muitos, que enxergam em seu avanço um caminho frutífero para o TCU, Ministério Público Federal e Polícia Federal.

PL 414
Nas últimas semanas, o Projeto de Lei 414 (que trata da abertura total do mercado livre) está travado por uma disputa nos bastidores entre grandes consumidores (contrários a essas térmicas) e parlamentares da base do governo. Desde o Carnaval, vive-se a expectativa de que o PL tenha seu teor lançado no sistema do Congresso.

As comercializadoras, mais interessadas na abertura do mercado para a baixa tensão, tentam uma saída alternativa ao impasse, buscando incorporar a abertura em um dos projetos de lei que o governo tenta emplacar nos próximos dias para baixar as tarifas. Para evitar que o PL saia da UTI e vá direto ao necrotério, elas tentam que a abertura seja votada ainda neste mês. O PL terá de ser aprovado na Câmara e, se tiver mudanças, também voltará ao Senado. Julho é mês de recesso parlamentar e agosto deverá colocar a campanha eleitoral sob os holofotes.

Petrobras
O abastecimento de combustíveis nesse segundo semestre foi o tema principal na semana passada da reunião do conselho de administração da Petrobras, que teve nos últimos dias mudança de presidente e rumores de nova política de preços. Há preocupação principalmente em relação ao Nordeste. Segundo um conselheiro, a paridade internacional dos preços não foi o assunto mais relevante, mas a crise de abastecimento, que poderá ser grave no curto e médio prazo. O período mais crítico pode coincidir com as eleições.

A guerra entre Ucrânia e Rússia tem feito países europeus buscarem no curto prazo aumentar o consumo de diesel com redução de gás natural em meio à proximidade do inverno no hemisfério Norte. O tema ingressou no radar de investidores e da equipe de assessores do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (o mercado internacional pode ficar desequilibrado até 2024 pelo conflito na Europa).

Gestores de investimentos agora acompanham a temporada de furacões no Caribe na costa leste dos Estados Unidos, um fator que pode trazer pressão de preços sobre os derivados no Golfo do México e no mundo. Até o momento, esperam-se três de grande magnitude no terceiro trimestre. Também têm conversado com diretores das distribuidoras de combustíveis.

Há preocupação no mercado de que a Petrobras tenha dificuldade para importar a quantidade necessária até o fim do ano nesse cenário em que a oferta e demanda internacionais são difíceis de visualizar e o governo tem colocado a estatal contra a parede. A energia ganha cada vez mais o centro da disputa eleitoral de 2022.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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