A urgência da infraestrutura: o público e o privado

Marcelo Araújo*

Há um consenso claro entre economistas de diferentes correntes de pensamento sobre o déficit de infraestrutura no país e o quanto isso é limitador de uma retomada mais consistente do crescimento econômico. Mas esse consenso para por aí. Estamos perdendo um precioso tempo na discussão sobre o “como”, em especial se investimentos públicos ou privados, ou ainda em teorias de modelos regulatórios pretendidos melhores ou piores.

Permito-me colocar aqui uma reflexão mais pragmática para colaborar na desobstrução, aceleração e ritmo dos investimentos no nosso país. Não importa se público ou privado, o total do investimento é o que reflete a capacidade econômica de uma sociedade se preparar para o futuro. E mais, se baixo, limita o crescimento pelos gargalos que cria e, se mal aplicado, aloca um capital disponível na sociedade sem gerar a riqueza e o crescimento desejados. Daí a relevância do planejamento e da consistência no ritmo de investimentos.

Marcos regulatórios bons para o investimento são marcos regulatórios “velhos”, portanto, conhecidos e precificáveis. Não nos iludamos: os marcos devem evoluir continuamente, para acompanhar a dinâmica do mercado, mas de forma previsível e com amplo debate e participação dos agentes econômicos. Essa constatação, longe de teórica, deriva do simples fato de haver natural redução, ou mesmo parada dos investimentos, pelas incertezas durante o longo período de discussão de uma grande mudança regulatória. Inexoravelmente, a retomada após novo marco se dá de maneira lenta, até que os agentes se adaptem aos novos condicionantes e reaprendam a precificar os custos e riscos.

Pode-se avançar mais rápido se partirmos da aceleração dos projetos existentes, dentro dos modelos atuais, acolhendo e aperfeiçoando gradualmente os avanços ainda recentes na regulação. Isso mesmo que em paralelo sejam abertas novas frentes, sempre com grande debate e transparência. Assim, não perdemos velocidade pela criação de vácuos no pipeline de projetos e teríamos ainda gigantesco benefício colateral: a alavancagem dos investimentos privados pela maior estabilidade e previsibilidade das regras, o principal fator de atração de novos projetos.

Não podemos perder de vista a enorme desproporção historicamente existente no Brasil entre os investimentos públicos e os privados. Estudo encomendado na primeira metade de 2022 e feito pela Cemec – Fipe, mostra que nos últimos dez anos o investimento privado superou 15% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto o público mal chegou a 3%, expondo a importância da atração de investidores privados, nacionais e internacionais, se quisermos voltar a crescer de forma relevante. Lembrando que esses patamares são muito tímidos perto de nosso potencial ou de anos como 2011, quando o total chegou próximo a 22% do PIB.

Os investimentos em infraestrutura são ainda mais sensíveis a essas turbulências, pois são projetos de elevado valor, longo retorno e em setores mais regulados. Aqui também o investimento privado é decisivo. Estudo recente da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), com dados até outubro de 2022, calcula em R$ 131 bilhões o investimento privado, contra R$ 32 bilhões do público no ano.

O Banco Mundial amplia o alerta no relatório publicado por Raiser et al. (2017), mostrando que, nos dez anos anteriores, os investimentos totais em infraestrutura no Brasil ficaram em 1,84% do PIB, nem sequer cobrindo os próprios custos de depreciação e manutenção dos ativos, estimados em 2,41% do PIB, e muito aquém dos níveis requeridos de 4,25% para manter os níveis de acesso e qualidade com o aumento da demanda. Esse nível, aliás, se aproxima do calculado pela Abdib, de 4,31% do PIB.

Ou seja, criar e manter as condições para forte participação dos agentes privados nos investimentos em infraestrutura é fator chave para o crescimento. Tipicamente, a atuação destes agentes se dá em modelos de autorização ou concessão, com diferentes nuances em cada setor como ferrovias e rodovias, portos e aeroportos, óleo e gás, energia, telecomunicações etc.

A experiência internacional não difere conceitualmente. A concessão é sempre um poderoso instrumento para grandes infraestruturas públicas, em geral não replicáveis, precedidas de planejamentos integrados com visão de longo prazo. Proporciona aos interessados regras claras, tempo de preparação e busca a otimização em um processo competitivo. Pelo maior tempo necessário ao planejamento, implementação e porte, regras para resolução de conflitos e reequilíbrios precisam ser claras e ágeis, com o poder concedente equipado com capacitação técnica e financeira e autonomia decisória.

As autorizações, por outro lado, são instrumentos discricionários e em geral provocadas pelo interesse de agentes privados e têm o grande mérito de dar celeridade à expansão da infraestrutura, sem consumo de recursos públicos. Seu grande desafio é superar as inseguranças dos agentes públicos em decidir fora de processos licitatórios. Prazos curtos e decisões ágeis são fundamentais para o sucesso do modelo de autorizações. Para que se tenha ideia do impacto positivo deste instrumento, desde a promulgação da Lei 12.815/2013, já foram autorizadas 67 instalações portuárias e, segundo a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), em 2022 estavam em andamento 11 novos e autorizados terminais de uso privado com investimentos de R$ 22,6 bilhões.

Também em ferrovias, espera-se grande avanço com a Lei 14.273 de dezembro de 2021, que criou a modalidade de autorização para esse setor, regulada pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) em setembro de 2022, com enorme potencial de viabilização das chamadas short lines, trechos complementares e de conexão com as malhas ferroviárias estruturantes. Essas conexões são fundamentais para aumentar o volume e reduzir as tarifas deste modal, ainda bastante ocioso, do qual 46% das vias têm tráfego abaixo de sua capacidade operacional, segundo o Ministério dos Transportes. 

Se reproduzido no Brasil o efeito do “Staggers Act” de 1980 no mercado ferroviário norte-americano, o país tem a ganhar. Entre outras provisões, viabilizou as conexões de curta distância, fazendo pular de 12,8 mil kms para 76,4 mil km e no conjunto dobrou o volume transportado, multiplicou por três a produtividade do sistema e reduziu em 50% as tarifas.

É hora de o governo exercitar sua ampla capacidade de articulação com pragmatismo. Em vez de pausa para reavaliação, deve avançar corajosamente otimizando os projetos e instrumentos existentes e, em paralelo, construir as novas visões com amplo debate e participação dos agentes. A infraestrutura brasileira pode, em poucos anos, deixar de ser uma âncora segurando o crescimento para se tornar o verdadeiro motor da retomada.

*Marcelo Araújo é diretor-executivo corporativo e de Participações do Grupo Ultra e presidente do conselho de administração da Associação Brasileira de Downstream do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás).
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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