Oportunidades e desafios de investimentos no setor aeroportuário brasileiro

Gustavo do Canto Lopes*

Após a retração do setor aeroportuário brasileiro em 2016 (-7% em número de passageiros), que interrompeu crescimento contínuo de mais de uma década, o ano de 2017 representou o regresso ao crescimento (+2% em passageiros e +12% em carga). Dada a elasticidade do setor ao crescimento econômico (volume de passageiros cresce em média 2x o percentual de crescimento do PIB), a retomada pode se acentuar, dada a expectativa de crescimento do PIB para 2018 e 2019, de cerca de 3% por ano.

No entanto, as “mazelas” do passado ainda se fazem sentir, consequência do crescimento do volume de passageiros, carga e receitas muito inferior às premissas dos planos de negócio, das alterações regulatórias que mudaram as regras ou expectativas do jogo de forma unilateral (ex. tarifa TECA-TECA) e deram origem a vários pleitos de equilíbrio econômico-financeiro, vários dos quais ainda pendentes, entre outros. Os balanços dos operadores aeroportuários concessionários (e em parte, da Infraero) refletem o impacto acumulado destas “mazelas”: dificuldade de gerar caixa para honrar as obrigações (serviço de dívida, pagamento de outorga fixa e variável, além de outras obrigações contratuais) e continuar investindo na melhoria dos serviços. Para os aeroportos da 1ª (NAT em 2011), 2ª (GRU, BSB e VCP em 2012) e 3ª (GIG, CNF em 2013) rodadas, as “obrigações” representam entre quase 70% (CNF) até quase 150% (GIG) da receita líquida dos aeroportos. O exemplo mais extremo das dificuldades é VCP, que protocolou pedido de recuperação judicial. Os aeroportos da 4ª rodada (FOR, FLN, POA e SSA) foram licitados em 2017, em um contexto muito distinto.

Um estudo da Roland Berger demonstrou como o Brasil foi um dos países que mais tardiamente abriu o seu setor aeroportuário para o capital privado (2001 vs. Reino Unido em 1987), mas um dos que mais evoluiu na atração de investidores: de 22 países analisados (70% do tráfego aéreo mundial), o Brasil é o 10o país com maior percentual de passageiros que são servidos por operadores privados (57% em 2017, já incluindo a 4ª rodada). A 5ª rodada de concessões anunciada no final de 2017 (13 aeroportos) dá continuidade à atração de capital privado, devendo elevar o percentual acima para 65% se for executado na sua totalidade. O contexto desta 5ª rodada, no entanto, é muito distinto, dadas as oportunidades de investimento além da própria rodada.

O momento atual é repleto de oportunidades para quem quiser investir no setor aeroportuário brasileiro (para efeitos deste texto, falamos apenas de operadores aeroportuários, não do ecossistema em volta, que tem oportunidades específicas não cobertas aqui). Os principais exemplos são:

5ª rodada

A mais ambiciosa rodada de concessões até o momento, dado o número de aeroportos (13, que compara com os 4 da 4ª rodada) em estados distintos, representando 16,1 milhões de passageiros distribuídos entre aeroportos maiores como REC (7,7 milhões em 2017) e menores como BPG (21 milhares). O modelo de bloco exige análise conjunta de número de aeroportos, além de uma nova lógica – a de subsidiação cruzada, inexistente nas últimas rodadas de concessão.

Participações da Infraero nas concessionárias da 2ª e 3ª rodadas

A Infraero possui 49% do capital social de GRU, VCP, BSB, GIG e CNF, que foram (exceto VCP) colocados “à venda” na Resolução 14 de 23 de agosto de 2017. Várias destas concessionárias receberam recentemente grandes aportes de capital pelos seus acionistas, o que reforçou significativamente a respectiva solução financeira (ex. pela antecipação das outorgas).

Participações dos operadores privados nas concessionárias da 1ª à 3ª rodadas

A situação dos acionistas privados (51%) das concessionárias da 1ª à 3ª rodadas é distinta e pode criar oportunidades de operações secundárias. Desde GRU, cujo acionista controlador da parte privada (Invepar) tem parte da sua estrutura acionária á venda, até BSB ou GIG, nos quais os acionistas privados assumiram as participações de parceiros privados que acabaram saindo do negócio

(respectivamente Engevix e OTP), pode haver espaço para operações nas condições e preço certos.

VCP (que protocolou pedido de recuperação judicial):

O protocolo de pedido de recuperação judicial da concessionária de VCP abre espaço para uma “solução de mercado” negociada com os atuais acionistas (privado, Infraero), o poder concedente e financiadores (sobretudo BNDES) ou para um processo judicial de consequências ainda pouco claras.

Infraero:

A própria Infraero poderá ser alvo de uma operação de atração de capital privado, em moldes ainda por definir, sendo venda privada ou IPO (minoritários ou majoritários) algumas das opções.

No seu conjunto, estas oportunidades representam investimento total de R$10bi, com tickets individuais menores (milionários) ou maiores (bilionários). Estudos da Roland Berger sugerem bons espaços de investimento rentável em várias das oportunidades acima, desde que realizados nas condições certas (de transação e execução). A avaliação das oportunidades é, no entanto bastante complexa, existindo vários desafios a serem considerados:

O número absoluto de oportunidades é grande, exigindo capacidade de análise pragmática, rápida e com investimento reduzido do que pode ou não ter interesse para o investidor, dado o seu perfil e interesses específicos. Para um certo investidor pode fazer sentido participar na licitação de algum bloco da 5ª rodada, enquanto que para outro uma operação com VCP pode ser mais interessante.

Dependendo das condições, a própria Infraero pode ser interessante. Onde focar o esforço de análise?

Participar da 5ª rodada de concessões pode representar, em última análise, avaliar simultaneamente 13 aeroportos. Só o bloco do nordeste, por exemplo, possui 6 aeroportos em 5 estados, o que gera uma enorme complexidade de avaliação fiscal, dependência entre aeroportos, masterplans, concorrência com aeroportos concessionados, etc. – a análise é mais complexa que o somatório de aeroportos individuais.

A análise dos 49% da Infraero nas concessionárias não é apenas econômica, mas também societária, dados os pequenos poderes da participação. Um investidor operacional poderá exigir maior equilíbrio dos poderes societários, o que requer concordância do acionista privado (a que preço?). Para um investidor financeiro, participação de 49% poderá ser elevada, o que exigirá pelo menos um outro parceiro. E em qualquer cenário, como se comportarão os atuais parceiros da Infraero?

Por outro lado, os próprios acionistas privados podem querer realizar uma operação com a sua participação de 51%, o que abre espaço para uma operação concorrente, que pelos poderes societários poderá ser atrativa tanto para investidores operacionais ou financeiros.

A situação de VCP é uma incógnita. O poder público possui (antes da homologação da recuperação judicial) poder para encontrar uma solução de mercado. Uma vez que a judicialização do processo se confirme o centro decisório migra para o tribunal e credores, o que mudará a dinâmica da oportunidade.

Confirmando-se a ida a mercado da Infraero, poderá ser uma oportunidade (a última no setor aeroportuário brasileiro!). A sua atratividade dependerá do formato da transação (venda direta, IPO, minoritário ou majoritário, perímetro, etc.), alocação dos riscos, questões trabalhistas, etc. Não é uma oportunidade óbvia mas pode fazer sentido iniciar posicionamento, sobretudo para um momento póseleições em que alguma decisão possa ser tomado em relação à empresa pública.

Para o investidor, operacional ou financeiro, interessado em equity ou dívida, que queira se posicionar para avaliar e capturar as oportunidades elencadas acima deixamos algumas recomendações:

Ter clara a “tese de investimento”: valor de investimento preferido, critérios de rentabilidade, apetite ao risco e à complexidade da transação, etc. Dependendo da resposta, algumas alternativas poderão já ser excluídas ou outras poderão ganhar interesse.

Ser pragmático na primeira avaliação: em um primeiro momento, não é necessária uma avaliação detalhada para ter sensibilidade a quais podem ser as oportunidades interessantes. Algumas semanas são suficientes para avaliar a atratividade por oportunidade. Para a 5ª rodada de concessões, por exemplo, se pode simplificar a análise de demanda, já que alguns aeroportos têm impacto muito reduzido em DRE. Nesses casos, é mais importante avaliar o risco, sobretudo em CAPEX, passivos, aspectos tributários, concorrência, etc.

Testar as hipóteses (conversar com players, etc.) e se posicionar rapidamente: uma vez tendo uma opinião sobre as oportunidades mais atrativas, é crucial envolver os players relevantes (poder concedente, governo, acionistas, potenciais financiadores, etc.) para avaliar condições de contorno e probabilidade de realização de negócio.

Executar rápida e eficientemente: uma vez avaliadas e testadas as alternativas com maior potencial de sucesso, a execução deve ser rápida e eficiente, minimizando eventos externos que possam criar obstáculos à execução.

Em resumo, este é talvez o momento de maior potencial de investimento no setor aeroportuário brasileiro, mas o número, discrepância e complexidade das oportunidades exige do potencial investidor (operacional ou financeiro) o cuidado na análise, para não “perder o trem”, mas também para não “comprar problemas”.

*Sócio e responsável pela prática de infraestrutura da alemã Roland Berger – maior empresa europeia em consultoria de estratégia e operações de empresas. É formado em Economia pela Nova School of Economics e possui MBA pela Stanford University.

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