iNFRADebate: PLS 261 – A chave emperrou? Afinal, qual a sua importância e qual o papel do privado para a nova década que emerge?

Urubatan Silva Tupinambá Filho*

Os fatos

No dia 25 de maio de 2018, o PLS (Projeto de Lei do Senado) n° 261 sobre autorização e autorregulação ferroviária foi apresentado no plenário do Senado Federal. Transcorridos mais de 625 dias ou um ano e nove meses até a edição deste trabalho, a sua tramitação está estacionada na CI (Comissão de Serviços de Infraestrutura) do Senado após passagem na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) em 2018. Com a relatoria do senador Jean Paul Prates (PT-RN) na CI desde 20 de fevereiro de 2019, o PLS está há quase um ano sendo debatido e relatado nessa comissão. Em 1° de outubro de 2019 ocorreu a primeira pauta na CI pela aprovação terminativa da relatoria. Entre retiradas de pauta, adiamentos e pedido de vista coletiva, o que estava estimado para ser aprovado e encaminhado para a CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado em outubro, houve quatro emendas da senadora Kátia Abreu (aceitas duas – uso de mecanismo de arbitragem para regulação da prestação e custo de serviços acessórios; regime de autorização para construção de pátios independentes das ferrovias) e três emendas do senador Wellington Fagundes (recepcionado um – licenciamento de trens para execução do transporte de passageiros ou de cargas).

Com o texto intitulado “A chave para o destrave das ferrovias no Brasil – PLS 261/2018?”1, de 8 de julho de 2019, levantou-se alguns pontos positivos e negativos sobre o PLS, com os ventos de otimismo sendo soprados e o setor ferroviário aguardando o desfecho na CI no segundo semestre de 2019. A chave, pelo visto, emperrou. Em meio à turbulência ocorrida pelo rito da reforma de Previdência ao longo do ano, o fluxo natural do PLS teve lifting. Agora, no novo exercício legislativo, a expectativa está renovada para que o parecer do relator seja aprovado e o PLS caminhe para a CCJ do Senado, com a continuidade do processo a ser debatido na Câmara dos Deputados.

 

Breve panorama da participação do setor privado em ferrovias mundiais

Em estudo realizado com 20 países2, notou-se os aspectos regulatórios ferroviários realizados pelo setor público ou setor privado, sendo órgão nacional, órgão regional, órgão misto, concessão pública, iniciativa privada e concessão mista/privada.

A seguir, temos a localização geográfica desses países e principais informações comparativas para análise.

A declaração do 4° presidente do Brasil – Campos Sales em 1907 exemplifica bem a participação do setor privado (processo de privatização das ferrovias brasileiras) no período da República Velha onde ocorreu o salto de 9.538 km para 29 mil km:

“A longa experiência mostrou que não há vantagem em manter ferrovias sob a administração pública. Entregá-las à iniciativa privada e estimular a atuação dos interesses privados não só alivia o tesouro nacional como amplia a esfera de prosperidade e utilidade, tanto para o comércio como para a indústria.”

Comentando a declaração, destarte, é imperioso destacar o quão necessária se faz a participação das empresas privadas nesse processo, tal qual deve-se citar a importância da gestão e da política pública para direcionamento, atendimento ao Plano Nacional de Viação englobando todos os modais e realizando o planejamento da integração multimodal.

Outrora, o Brasil teve o mesmo ciclo de desestatização das ferrovias como houve na União Europeia com a Diretiva 91/440/CEE em 1991 do Comitê Econômico e Social Europeu, mas não implementou a desregulamentação – como a ocorrida nos Estados Unidos em 1980 com o Harley O. Staggers Rail Act (maior liberdade regulatória, mais independência na criação de tarifas e maior liberdade de entrada e saída dos mercados ferroviários) – e implantou a regulação no final da década de 90 e início dos anos 2000. No caso da desestatização brasileira, as ferrovias não foram privatizadas, mas concedidas com o modelo vertical (infraestrutura ferroviária e operação para uma empresa ou Sociedade de Propósito Específico – SPE), solução adotada entre 1996 e 1997 na qual surgiu a participação privada, de fato,  no mercado brasileiro e com o prelúdio em 1989 mediante concessão para uso e exploração pela Ferronorte, hoje Rumo Malha Norte.

 

Desempenho do transporte de cargas nos EUA (Pré e Pós Staggers Act)

 

Variação do preço das tarifas americanas no transporte de cargas

Os gráficos anteriores evidenciam os resultados obtidos na desregulamentação (mais liberdade econômica) americana (quase o triplo de produtividade, o dobro de volume, mais da metade em receita e queda de 60% no valor tarifário das ferrovias). Dentro desses fatores, o PLS 261 abre o leque para aporte de investimentos, podendo aumentar a malha férrea do Brasil e intensificar o volume de cargas para os portos do país, sem desmerecer os órgãos públicos que têm o papel parceiro para a sustentação das vias férreas e ações para a recuperação das linhas desativadas.

 

Ensaio do modelo autorizativo ferroviário

Em 6 de novembro de 2019, a Assembleia Legislativa do Estado do Pará e o governo paraense instituíram o SFEPA (Subsistema Ferroviário do Estado do Pará) contemplando o Regime de Autorização e sendo a primeira lei autorizativa ferroviária do Brasil na era moderna, Lei Estadual n° 8.908/2019, lembrando que – no século XIX – tiveram o Decreto Imperial n° 101 de 31 de outubro de 1835 (primeiro incentivo autorizativo para construção de ferrovias no Brasil) e Decretos Lei como o n° 641 (responsável pela implantação da primeira ferrovia no Brasil em 1854 pelo molde de autorização).

A semente que o estado do Pará plantou está começando a amadurecer. Após seis dias da promulgação da lei, ocorreu a assinatura do protocolo de intenções para estudos de viabilidade econômica de implantação e exploração do projeto da Ferrovia Pará no valor de R$ 7 bilhões entre o Governo do Pará e a empresa chinesa CCCC (China Communication Construction Company) para 492 km de Marabá ao Porto de Vila do Conde em Barcarena3.

No cenário nacional, há 2.776 km engatilhados pelo modelo autorizativo, com destaque para 1.075 km dos sistemas integrados porto-ferrovia, abrangendo o Centro Portuário São Mateus (ES) com a Estrada-de-Ferro Minas-Espírito Santo da PetroCity Portos e o Terminal Portuário de Alcântara (MA) com a Estrada-de-Ferro Maranhão da Grão-Pará Multimodal. Dessa forma, apesar das boas expectativas para os empreendimentos para que o PLS 261 entre em vigor, as reformas administrativa e tributária começarão o rito parlamentar no Congresso Nacional e o período eleitoral surge ao horizonte, alterando o holofote político. Logo, a tendência é que o término da tramitação e a promulgação do PLS 261 fique para 2021.

 

Pequenas barreiras a serem vencidas

Como nem tudo são flores, há certos apontamentos a serem abordados.

  1. Qual a análise do impacto regulatório que pode ser vislumbrada? Como será o acoplamento entre ferrovias autorizadas com a malha atual, vigente, e qual o limite das integrações – pensando no teto ou saturação operacional de uma linha?
  2. Como ficará a proporção de direitos e deveres entre as ferrovias autorizadas e as ferrovias concessionadas?
  3. O PLS 261 não perdeu o time e poderia ter entrado nas renovações antecipadas atuais reforçando a integralidade dos dois regimes?
  4. O rito de qualificação da ferrovia para o investidor, por mais que seja óbvio, precisa seguir primeiro para cadastro no Sistema Nacional de Viação pelo Congresso Nacional ou o Executivo federal é o suficiente para dar a autorização?
  5. Os concessionários poderão migrar para o regime de autorização?4
  6. As concessões vigentes foram realizadas prevendo uma demanda mínima x de tantos milhões de toneladas por quilômetro útil (TKU) no ano. Caso as ferrovias autorizadas capturem demanda das atuais concessões – e as concessionárias tenham 0,9x ou 0,8x de milhões de TKU no ano, haverá reequilíbrio econômico-financeiro ou será considerado risco de negócio para as empresas em operação? 

Os questionamentos serão vários. Mas o importante é entender, mais do que o PLS 261, o estímulo ao mercado ferroviário que precisa ser incisivo no Brasil. O regime de autorização é uma abertura no leque de investimentos junto com as concessões e as suas renovações antecipadas estipuladas em R$ 30 bilhões.

Com ampliação fiscal, reformas legislativas emergindo, o choque de oferta natural surgirá tal qual o mercado aéreo e o portuário.

Vai dar certo.

¹iNFRADebate: A chave para o destrave das ferrovias no Brasil – PLS 261/2018? (08/07/2019).
²The economy regulation of railway networks: A worldwide survey (07/01/2020).
³TV Cidade News – Governo garante início da Ferrovia Pará em 2021, obra de R$ 7 bilhões (03/02/2020).
⁴Agência iNFRA – PL de autorização ferroviária sugere permitir que concessões mudem para novo regime (14/10/2019).
The World Factbook – Central Intelligence Agency of the USA (10/01/2020).
Simpósio Internacional Brasil Ferroviário: Nova Visão, Novo Futuro (18/11/2019).
*Urubatan Silva Tupinambá Filho é analista na área ferroviária da Valec Engenharia, Construções e Ferrovias.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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