iNFRADebate: Maior pagamento de outorga ou menor tarifa na licitação de concessões de serviços públicos?

 Thiago Caldeira*

As licitações para concessão de serviços públicos têm, ao menos, três objetivos: selecionar o melhor operador para a prestação do serviço; precificar corretamente o ativo público; e, como consequência dos anteriores, garantir a primazia do interesse público, por meio do aumento da qualidade (ou disponibilização) de serviços públicos a preços módicos1.

Uma das principais decisões tomadas pelo gestor público para buscar os objetivos acima consiste em escolher o critério de julgamento das propostas dos ofertantes.

O critério de “maior oferta de pagamento pela outorga” é adotado pelo governo federal em concessões de aeroportos, ferrovias, geração de energia (quando em regime de concessão) e certas outorgas em telecomunicações, e o critério de “menor valor de tarifa” em licitações de transmissão de energia e rodovias. A próxima concessão de rodovia federal a ser licitada, a BR-153/080/414, entre Goiás e Tocantins, com data de leilão definida para 29 de abril, inova com o híbrido de menor tarifa com deságio limitado a 16,25%, a partir do qual compete-se por maior valor de outorga. 

No âmbito dos estados e municípios, há projetos no setor de saneamento recém-concedidos tanto por maior pagamento de outorga quanto por menor pagamento de tarifa. Já nos casos de concessões patrocinadas e administrativas, a decisão óbvia consiste no critério de menor contraprestação ou aporte público. 

A principal crítica ao critério de maior outorga que observamos nas contribuições recebidas em consultas públicas prévias às licitações é que o ágio oferecido na outorga, sendo um custo para o investidor e depositado nos cofres do poder público, se torna um custo adicional para o usuário do serviço público. Ou seja, há insatisfação do usuário em pagar uma tarifa que contempla não apenas o custo de prestação do serviço, mas também alimenta os tesouros da União, estado ou município, para fins outros. 

Nesse sentido, o critério de menor tarifa favorece a modicidade tarifária, na medida em que os deságios apresentados pelos participantes da licitação corrigem o “erro” de valuation feito pelo poder público. 

No entanto, o critério de menor tarifa tem a desvantagem de aumentar a probabilidade de o investidor, em uma percepção excessivamente otimista a respeito do projeto, apresentar lance que inviabiliza a prestação futura do serviço (overbidding). O resultado conhecido como maldição do vencedor (pagar mais caro pelo que vale) nesse caso se transforma na maldição do usuário, que vai pagar por um serviço deficiente. 

Vários mecanismos contratuais foram adotados para evitar o mau desempenho na prestação do serviço, a exemplo da exigência de garantias de execução contratual e a subscrição adicional de capital social previamente à celebração do contrato (como no edital da rodovia RIS, em 2018). 

Tais instrumentos não se mostraram suficientes para lidar com investidores que se deparam, em algum momento do período da concessão, com a situação de vislumbrarem horizonte de longo prazo de recorrente fluxo de caixa negativo e sem expectativa de sair do vermelho. 

Também sabemos que as garantias de execução contratual nada vêm garantindo, dada a quase certeza de frustração nas execuções de seguros feitas pelas agências reguladoras federais2 e, mesmo que os seguros fossem pagos ao poder público, continuaríamos com a situação de ausência de prestação adequada do serviço. 

Não sendo razoável esperar que o investidor privado opere tendo prejuízo por décadas e execute investimentos sem perspectiva de retorno, é evidente que, para a prestação de serviço de qualidade, é necessário proteger o fluxo de caixa das concessões de lances excessivamente agressivos, o que justifica a escolha de muitos gestores em estabelecer o critério de maior outorga e com pagamento à vista do ágio (previamente à assinatura do contrato).

Merece ser abordado nessa discussão os deságios elevados em leilões de transmissão de energia nos últimos anos. Ressalta-se a relevante diferença em relação aos setores de transportes: em transmissão, como os projetos são greenfield, o investidor apenas inicia arrecadação de receita dos usuários do sistema após entregar todos os investimentos contratados. Dessa forma, ainda que se permita critério por menor tarifa/receita, há a “garantia” de que o usuário pagará ao investidor somente após (quase) tudo ter sido executado. Tal setor tem investimento bastante concentrado na fase construtiva, nos primeiros anos do contrato, com baixíssimo custo de operação relativamente ao custo total. 

Já numa rodovia, aeroporto, ferrovia ou concessão de saneamento, a forma de assegurarmos que haverá de fato investimento no ano 20 da concessão para ampliação de capacidade da infraestrutura, por exemplo, é termos razoável confiança que o incentivo econômico está alinhado, ou seja, que o fluxo incremental de receita é condizente com a execução desse investimento. Para a confiança de que isso será alcançado, o critério de maior pagamento pela outorga é o mais indicado.

*Thiago Caldeira é secretário de Parcerias e Transportes no PPI (Programa de Parcerias de Investimentos).
1 PASTORE, Affonso Celso et al (Org.). Infraestrutura: eficiência e ética. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017.
2 Apresentações sobre o tema disponíveis em: https://www.ppi.gov.br/ppi-segov-promove-workshop-de-boas-praticas-regulatorias
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