Falta de crescimento econômico e insegurança da nova lei podem travar ampliação de navios

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

O projeto aprovado do BR do Mar (Lei 14.301/2022) vai ampliar as possibilidades para que empresas possam trazer navios ao país. Mas problemas no texto aprovado e a falta de previsão de crescimento econômico mais forte deverão fazer com que o quadro atual do setor de cabotagem não se altere de forma significativa nos próximos anos.

Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pela Agência iNFRA sobre o tema. Eles têm uma expectativa bem menos otimista que as divulgadas pelo Governo Federal ao longo da tramitação do projeto e após a aprovação da proposta. O ministério da Infraestrutura chegou a indicar valores de crescimento de 11% para 30% das cargas transportadas por esse modal no país, além de passar para dois milhões de TEUs em contêineres transportados em 2022. As informações da pasta sobre o tema estão neste link.

Segundo dados da Abac (Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem), que reúne as maiores companhias do setor, o volume de TEUs movimentados em 2021 deverá ficar na faixa de 1,5 milhão, número oficial que deverá ser fechado nos próximos dias. Crescimento na casa dos 14% em relação ao ano anterior.

Com isso, depois do primeiro ano da Covid-19, o setor voltou ao seu patamar das últimas duas décadas, de crescimento acima dos 10% ao ano em relação ao período anterior. Segundo Luiz Fernando Resano, que dirige a associação, ainda há espaço para manter esse crescimento nos próximos anos.

Ele afirma que o BR do Mar pode ajudar em algumas modalidades que foram criadas para facilitar a vinda de navios, que hoje têm restrições para operar no país. O BR do Mar, em síntese, retirou exigências de que a cabotagem deve ser feita por navios brasileiros (construídos aqui ou importados), flexibilizando as possibilidades de trazer navios estrangeiros para essa operação.

Mas, para o dirigente, a maior aposta do governo para atrair mais empresas e navios estrangeiros não deverá ter muita chance prosperar: é o chamado afretamento a tempo pelo BR do Mar.

Também chamada no setor de time charter, essa hipótese prevê que a empresa pode trazer navios por um período para operar no Brasil mantendo sua bandeira original. Com isso, a empresa poderia operar aqui com custos do exterior, especialmente o de tripulação, cujas regras nacionais mais rígidas fazem com que o custo seja maior que a média no exterior.

Insegurança com marítimos
Mas a forma como o artigo que trata do tema foi redigido, mesmo com o veto do governo à parte dele que exigiria que 2/3 dos tripulantes fosse brasileiros, ainda é considerada “insegura” por parte das empresas, na avaliação do dirigente.

Segundo ele, pela Lei 9.432/1997, sempre foi permitido a contratação de estrangeiros em navios nacionais. Mas sempre houve muitas limitações por parte da Marinha, o que tornava isso inviável para as companhias. Para ele, com a redação dada pela nova lei, a insegurança ficou ainda maior. Godofredo Mendes Vianna, sócio do Kincaid Mendes Vianna Advogados e especialista no setor, corrobora a visão de Resano sobre o artigo 12 da nova lei, o que trata de estrangeiros. 

“Esse artigo não é o ideal. Ele não está claro, com alusões à bandeira nacional e às regras da Constituição e convenções trabalhistas”, disse Vianna que avalia que poderá haver uma interpretação de que as empresas terão que usar as mesmas regras dos marítimos nacionais, mesmo em navios de bandeira estrangeira. “Do jeito que está, o tripulante filipino pode buscar equiparação com o brasileiro”.

A parte do artigo da lei vetado, que trata dos 2/3 de brasileiros, deverá ainda passar por forte pressão para ser derrubado. Associações do setor já está se mobilizando para trabalhar no Congresso pela derrubada desse artigo, conforme cópia deste ofício que circula entre representantes do setor.

A insegurança em relação aos vetos serem mantidos ou não se soma a sobre a regulamentação que o governo tem que fazer da lei, com a publicação de decretos e portarias necessários. E, depois disso, ainda há possibilidade de se abrir uma disputa judicial sobre a constitucionalidade de alguns artigos da lei.

Mendes Vianna lembra que dois temas terão que ter especial atenção na regulamentação: as operações especiais de cabotagem e os limites de afretamento em relação à capacidade que a empresa já possui no Brasil (ambas na modalidade time charter).

Afretamento a casco nu
Pelas complicações que o time charter indica ter, a aposta maior do mercado é em outras modalidades de trazer ou usar navios, que foram flexibilizadas pela lei. Uma delas é o chamado afretamento a casco nu. Nesse caso, o navio estrangeiro é afretado, mas passa a ostentar a bandeira nacional (e também os nossos custos operacionais mais altos).

Antes da lei, as empresas tinham restrições até para isso. Elas deveria ter um navio nacionalizado próprio e, a partir dele, era permitido o afretamento de outros, com limite. A nova lei vai permitir que neste ano qualquer empresa, mesmo que não tenha navios, possa trazer um navio afretado a casco nu. No segundo ano, o número de navios sobe para dois nessa modalidade, e assim sucessivamente até que no quinto ano não haverá mais limite.

O advogado Marcelo Sammarco, sócio da Sammarco Advogados, que trabalha no setor, acredita que essa hipótese abre a possibilidade para que empresas estrangeiras que já operam cabotagem em outros países tenham incentivos a trazer seus navios para o país para testar o mercado, o que antes exigia a compra de um navio aqui. Outra vantagem é que, nessa modalidade, a empresa não precisa se submeter a regras específicas do BR do Mar, que serão estabelecidas pelo ministério. Pode entrar e sair com o navio quando quiser.

“Caiu uma barreira importante para a entrada. Há uma atratividade maior para novos entrantes agora”, afirmou Sammarco, que também concorda com os problemas de redação referentes às regras de contratação de trabalhadores brasileiros.

Custos superiores
Abrahão Salomão, CEO da Posidônia Shipping, empresa da cabotagem, e diretor de transportes aquaviários da associação Logística Brasil, ainda vê barreiras para que navios sejam trazidos para o Brasil, mesmo a casco nu. Segundo ele, os custos para operar com bandeira nacional são 30% a 35% superiores a operar com navios de bandeira estrangeira.

“Como esse navio afretado a casco nu vai poder competir [com os afretados a tempo]?”, perguntou Salomão. “Não se deram ao trabalho de pensar como uma hipótese de afretamento conviveria com as outras. Não vejo possibilidade dessas metas serem alcançadas”.

Luiz Fernando Resano também aposta que uma mudança feita pelo Congresso na legislação, que não tinha apoio do governo mas não foi vetada, poderá ajudar a ampliar cargas especialmente no setor de granéis. É o processo de contratação de navios estrangeiros quando não há navios nacionais para atender.

Antes da lei, cada operação de uma empresa que possuísse carga tinha que passar por um processo de avaliação se havia ou não navios nacionais para atender (a chamada circularização). Pela nova lei, as empresas podem fazer a solicitação de um navio nacional por um período de tempo longo e, se não houver navio nacional, o navio estrangeiro (operando em custo estrangeiro) vai fazer o transporte por todo o período, e não mais viagem a viagem.

“Isso abre mais possibilidades de que cargas de granéis possam utilizar a cabotagem. Antes, era um processo burocrático e pouco seguro”, explicou Resano.

“Bater lata”
Há ainda a possibilidade, na avaliação dos especialistas, na ampliação de frota por parte das empresas, especialmente do setor de petróleo, que já são donas das cargas, criando suas próprias companhias de navegação para afretar navios. Mas, para Resano, tudo vai depender também do crescimento da economia.

“Se a economia não crescer, não tem carga para trazer muito mais navio para cá. Ninguém vai ficar trazendo navio para ficar aqui batendo lata”, afirmou o dirigente, usando uma expressão do transporte que significa andar vazio.

Tags:

Compartilhe essa Notícia
Facebook
Twitter
LinkedIn

Inscreva-se para receber o boletim semanal gratuito!

Assine nosso Boletim diário gratuito

e receba as informações mais importantes sobre infraestrutura no Brasil

Cancele a qualquer momento!

Solicite sua demonstração do produto Boletins e Alertas

Solicite sua demonstração do produto Fornecimento de Conteúdo

Solicite sua demonstração do produto Publicidade e Branded Content

Solicite sua demonstração do produto Realização e Cobertura de Eventos