ROBERVAL TAVARES DE SOUZA,
PRESIDENTE DA ABES (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL)

“O QUE ESTÁ ACONTECENDO NO RIO DE JANEIRO
NÃO É MODELO PARA O SANEAMENTO””

Presidente da Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental) e superintendente da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), o engenheiro Roberval Tavares de Souza critica o modelo de venda de ativos de empresas públicas de saneamento no qual os recursos recebidos pelo controlador não são reaplicados no setor. Em entrevista à Agência iNFRA, Souza dá o exemplo da venda de ações da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro), em que, de acordo com ele, querem “vender para se pagar dívida”.
“Como há outros estados, como Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que também estão em crise, talvez tenham a brilhante ideia de fazer isso também”, ressalta.
No início deste mês, a Abes realizou seu 29º Congresso juntamente com a 28ª edição da Fenasan (Feira Nacional de Saneamento e Meio Ambiente), com cerca de 25 mil visitantes. Um dos palestrantes foi o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que, ao discursar, defendeu  o fim da tributação ao saneamento.
No evento, a Abes lançou a primeira edição do Ranking da Universalização do Saneamento; a segunda edição virá no primeiro semestre do ano que vem. Para Souza, um dos desafios da área é demonstrar a ligação com o quadro da saúde no país, o que foi o tema do ranking. Outra necessidade do setor é consolidar a atuação das suas agências de regulação, que podem, por meio do monitoramento do desempenho das companhias de saneamento, de tarifas justas e “sem políticos demagogos”, afirma Souza, auxiliá-las a universalizarem a cobertura de serviços de água e esgotamento no país.

Agência iNFRA – O que pode destacar desta 29ª edição do Congresso Abes e da 28ª Fenasan? Quais diferenças em relação a edições anteriores?
Roberval Tavares de Souza – Foi a primeira vez em que houve a união do congresso com a feira nacional do setor. Tivemos 49 painéis técnicos, com mais de 1,2 mil trabalhos. E apresentamos, também pela primeira vez, o Ranking da Universalização do Saneamento, mostrando a relação direta com indicadores de saúde. Precisamos convencer a sociedade de que saneamento é saúde, e também convencer a classe política, porque obra enterrada não gera voto. A próxima edição do ranking será no início de 2018, quando saem os próximos dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), com informações relativas a 2016.

Além de presidente da Abes, o senhor é superintendente da Unidade Sul da Região Metropolitana da Sabesp (que abrange a zona sul da capital e sete municípios da RM de SP). No caso dessas regiões no país, o titular do serviço, que é o município, compartilha a gestão com o estado. Após a reestruturação societária da Sabesp, como fica a gestão compartilhada do saneamento na Região Metropolitana de São Paulo?
Não terá nenhuma interferência nesse sentido, a empresa continua sendo de economia mista, agora ligada a uma holding. A gestão compartilhada do setor nas regiões metropolitanas é um tema muito sensível em todo o Brasil. O Supremo Tribunal Federal definiu esse modelo compartilhado para essas regiões, mas não teve nenhuma regulamentação para apontar responsabilidades e deveres dos municípios e dos estados de forma mais clara. Fazer essa regulamentação é papel federal, para resolver divergências. O grande problema da titularidade com a gestão compartilhada é a menor segurança jurídica. Nas regiões metropolitanas, como são dois entes, os dois precisam assinar os contratos, por exemplo, e os agentes privados precisam lidar com agendas e mandatos de dois governos.

Quais têm sido os principais obstáculos para a expansão da participação privada no setor de saneamento no Brasil?
Hoje, os usuários atendidos pelas empresas privadas no país são cerca de 10% da população. Se quisermos a universalização do esgotamento sanitário até 2033, esse percentual precisa aumentar. Os instrumentos para isso já existem, concessões, PPPs (Parcerias Público-Privadas). O que acontece é que não está se discutindo saneamento em alguns locais, está se discutindo dívida, déficit fiscal.

Como avalia o caso do remodelamento da Cedae no Rio de Janeiro?
No Rio, não se quis vender a Cedae para se investir em saneamento. Quiseram vender para se pagar dívida. Existem empresas públicas eficientes, e outras, privadas, ineficientes. É preciso parar com a panaceia de que tudo tem de ser privado para ser eficiente; o que vale é, ano a ano, com o lucro obtido, poder reinvestir no setor. Há companhias públicas com eficiência, como a Sanepar, a Copasa, e aqui a Sabesp. No caso da Cedae, você vai vender a empresa, e os recursos não vão retornar para o setor. Isso não faz sentido. Como há outros estados, como Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que também estão em crise, talvez tenham a brilhante ideia de fazerem isso também.

Tem conhecimento de algo nesse sentido?
É só uma inferência. Para a universalização do setor até 2033, temos de investir R$ 15 bi por ano, e temos investido, em média, nos últimos três anos, cerca de R$ 9 bi por ano. O que está acontecendo no Rio não é modelo para o saneamento. Gestão é o principal ponto para as empresas da área, sem políticos demagogos que querem não cobrar ou reduzir tarifas. Também são necessárias mais opções de linhas de financiamento.

Como as agências reguladoras podem auxiliar numa melhor gestão das companhias do setor?
O papel das agências é muito forte nessa questão, porque atuam no acompanhamento de dois pontos: o desempenho das empresas e a definição de tarifas justas. Por esse papel, podem permitir um processo de universalização num tempo menor. A regulação no nosso setor é muito nova, veio com a lei do Saneamento, dez anos atrás. Há agências ainda em fase de maturidade inicial.

Dentro do saneamento, quais áreas (esgotamento, água, resíduos sólidos, drenagem) que ainda não são bem reguladas? Por quê?
Dos quatro pilares do saneamento, o menos avançada é a drenagem. Temos dificuldades em ter indicadores para drenagem, e os planos de saneamento não contemplam, em sua grande maioria, esse item, o que dificulta a regulação desse pilar.

Como está a revisão do Plansab (Plano Nacional de Saneamento Básico) atualmente? Quando deve ser concluída?
A revisão está prevista para 2018. O governo tem elaborado grupos de trabalho; a Abes está participando do processo. Será a primeira revisão do plano, que deve acontecer a cada quatro anos.

Já sobre o planejamento do setor na esfera municipal, como avalia o andamento da criação dos planos municipais de saneamento? Acredita que haverá nova prorrogação de prazo, já que o prazo para essa criação termina este ano?
Com informações do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento) de 2015, temos 30% dos municípios com planos elaborados; devemos chegar ao final de 2017 com 60% das cidades com os planos elaborados. Acho que o governo federal vai prorrogar o prazo para a elaboração desses planos.

Desde a crise hídrica em anos recentes, como no estado de São Paulo, como avalia as medidas que têm sido tomadas para melhorar a gestão de recursos hídricos nessa e em outras regiões?
O que aconteceu em São Paulo em 2014, que é o que está ocorrendo hoje no Centro-Oeste e muito forte no Nordeste, é uma mudança climática no mundo. Outros países a têm enfrentado, como Austrália, Chile, a região da Califórnia nos Estados Unidos.

Há experiências nesses ou em outros países que podem ser adaptadas para a realidade brasileira?
As medidas dos operadores brasileiros vêm sendo demonstradas. São Paulo, por exemplo, deu descontos para incentivar a população a economizar. Os países latino-americanos têm um gasto médio de água superior ao dos europeus, por exemplo, devido ao desperdício da população. A questão é envolver a população em ações de economia.

Como analisa o modelo atual de licenciamentos ambientais para as obras da área de saneamento? Pode citar exemplos de estados/regiões do país com modelos mais avançados ou que ainda precisam avançar nisso?
O modelo precisa de muitas melhorias. As obras de saneamento são soluções para o país, e não problemas, mas são tratadas como uma obra qualquer: ou seja, instalar uma estação para tratar esgoto, ou coletores de esgoto, tem o mesmo tratamento de uma obra para instalação de uma indústria química. No entanto, as obras de esgoto trazem melhorias ambientais, por isso deveriam ser vistas de modo diferente pelas leis ambientais. Esse é um problema da legislação ambiental em nível federal, que alinha todo o Brasil.

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