Desconhecida, empresa com sócio em paraíso fiscal quer administrar rodovia com pedágio no RJ

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

Uma empresa com capital social registrado de apenas R$ 10 mil, que tem entre os sócios empresas registradas no exterior e cujos reais proprietários não têm nomes divulgados. Essa companhia tem como representante no Brasil um condenado por fraude fiscal e, nos EUA, pessoas ligadas à indústrias de tecnologia e agricultura. Pois essa empresa pode assumir uma concessão federal de rodovia no Brasil.

Trata-se da concessão da Rodovia do Aço (BR-393/RJ), operada desde 2008 pela vencedora da licitação, a espanhola Acciona Concessiones, que teria ainda 15 anos de contrato para ampliar, cujas obras estão atrasadas, e operar a via. Mas, num negócio com pouco alarde, a Acciona anunciou, em Fato Relevante, que estava passando a concessão para a KT2 Assessoria e Consultoria em Gestão de Negócios e Participação LTDA.

A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), responsável pela concessão, deu este mês anuência prévia para a operação. De acordo com Sérgio Lobo, diretor da agência que foi responsável pela análise, a empresa apresentou documentação prevista em lei e a operação está condicionada ao aporte de recursos superiores a R$ 200 milhões, os quais garantem o fluxo de caixa da concessão para operação e a realização de obras e a quitação de empréstimos junto ao BNDES. Lobo afirmou não caber à ANTT avaliar a origem do dinheiro, caso haja o aporte.

Administrar rodovias é um negócio complexo. Mesmo o país sendo um dos maiores do mundo em termos de trechos concedidos, as pouco mais de 60 concessões em atividade pertencem a pouco mais de 20 grupos empresariais. Em geral, essas empresas têm origem em construtoras ou grandes fundos de pensão, que topam assumir o risco de investir grandes somas de dinheiro no início para recuperar nos anos finais, quando isso ocorre.

A KT2 está longe desse perfil. Criada em 2011, a empresa apresenta em suas atividades registros diversos, que vão de teleatendimento a comércio atacadista de informática. Não há em seu histórico qualquer registro de experiência em área de concessões e grandes obras de infraestrutura, além de um capital social ínfimo para esse tipo de empreitada.

A empresa está registrada em nome de três sócios: Carlos Alberto Kubota, Group K2 Holdings LLC e Group 2GK LLC. Kubota é procurador, no Brasil, das duas empresas, que têm domicílio nos EUA, de acordo com informações da Receita Federal.

Kubota é administrador de empresas e já foi condenado pela Justiça, por apropriação indébita, a quatro anos de prisão em regime aberto (pena convertida em serviços comunitários). Como sócio-administrador de outra empresa, a Freio Bus Equipamentos, não recolheu por quatro anos os valores de INSS descontados de funcionários. Ele teve recursos contra a sentença negados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) nesse caso.

Através de sua assessoria, Kubota informou que a Freio Bus era uma empresa familiar e que, quando já não participava de sua administração, ela entrou em processo de falência e que levou aos problemas relatados no processo. “A questão foi resolvida e trata-se de um assunto já encerrado”, informa o texto.

LCCs em Delaware

As empresas americanas representadas por Kubota são duas LLC (Limited Liability Companies), ou seja, companhias que protegem seus donos de responsabilidades legais. Uma das sócias da KT2, a Group K2 tem sede em Miami (EUA), mas está registrada em Delaware, um estado que protege com mais rigor o nome dos proprietários da empresa, além de propiciar benefícios fiscais aos empresários. Parte das entidades de combate à lavagem de dinheiro classificam o estado como paraíso fiscal.A Group 2GK, outra sócia, também está registrada em Delaware e foi criada em 2016.

Tanto a Group K2 quanto a Group 2GK aparecem como coligadas de outras dezenas de empresas na América do Norte, ligadas ao ramo de tecnologia e ao agronegócio, várias delas representadas por Kubota. Não há nenhum registro sobre atuação em concessões ou construção civil, por exemplo.

Dos poucos registros que aparecem nessa área de infraestrutura em relação à KT2 Assessoria e Consultoria, um chama atenção. Em junho de 2017, o secretário de Infraestrutura do Ceará, Lúcio Ferreira Gomes, pediu diária para viagem a Brasília e a São Paulo para, de acordo com dados do Diário Oficial, “participar de reunião na empresa KT2 Comércio de Máquinas e Equipamentos Industriais e Assessoria em Gestão de Negócios e Participações Ltda, em São Paulo/SP e em Brasília/DF de reunião na Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana/Ministério das Cidades, para tratar das obras da Linha Leste do Metrô de Fortaleza”.

A linha Leste do Metrô de Fortaleza era uma concessão que a Acciona venceu, mas não entregou as obras. Nesse período da viagem, o governo cearense tentava uma solução para que as obras prosseguissem, o que não ocorreu e o contrato acabou rescindido.

Perguntado o que a KT2 tinha relação com o tema, a assessoria de Gomes respondeu que a reunião para tratar da Linha Leste foi apenas a de Brasília. Perguntado novamente sobre o tema da reunião com a KT2, a assessoria não respondeu.

A Acciona também não respondeu à pergunta da Agência iNFRA se tinha alguma relação prévia com a KT2 e nem a qualquer outra questão enviada. Em uma curta nota, a empresa informou que “A ANTT, como parte do processo de venda, analisou a operação e concedeu anuência prévia para a mesma. A KT2 é empresa regularmente constituída no Brasil e continuará bem atendendo aos usuários da Rodovia do Aço e mantendo o fiel cumprimento do Contrato de Concessão tão logo a transação seja concluída. Até a conclusão da operação a Rodovia do Aço permanece sendo operada pela Acciona”. A KT2 nega que tenha prestado serviços para a Acciona.

R$ 117 milhões em obras por fazer

A Rodovia do Aço tem 200 km de concessão e precisa de cuidados nesta operação porque está longe de ser a que estava prevista quando foi leiloada em 2007. Com pedágio atual de R$ 7,00 em três praças, a rodovia deveria estar com a maior parte de seus trechos duplicados desde 2013.

Naquele ano, a concessionária (assim como outras que estavam com obras atrasadas) fez um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), disponível neste link, com a ANTT para ter mais até cinco anos de prazo para concretizar mais de 60 obras que estavam atrasadas. Cumpriu o cronograma para as obras mais simples, mas 16 intervenções mais complexas, como os 27 km de duplicação e 14 km de variantes, nunca começaram.

A equação financeira da rodovia sofre com os valores muito baixos de pedágios ofertados pelas vencedoras das concessões de 2007, ano prévio à crise econômica mundial de 2008, que contavam com crédito internacional barato, principalmente da Espanha, para viabilizar os contratos. No caso da Acciona, o pedágio dela é menos de metade da média das rodovias da primeira etapa federal de concessões, por exemplo.

No início deste ano, em informação antecipada pela Agência iNFRA, a Acciona apresentou pedido formal para se enquadrar nos artigos da Lei 13.448/2017 que permite a devolução amigável da concessão. Nesse sistema, a empresa aguarda operando a via até que uma nova empresa assuma a rodovia, com novo preço de pedágio, e pague as dívidas da companhia junto a bancos.

Em troca, a empresa não tem que cumprir as obrigações, mas não é indenizada pelo que já fez. A ANTT, no entanto, não pode dar prosseguimento ao processo porque o governo não regulamentou a Lei 13.448/2017, que permitiria esse tipo de negociação.

As dívidas da Acciona não são pequenas. De acordo com balanço da companhia de 2017, disponível neste link, do contrato de financiamento com o BNDES assinado em 2011 no valor de R$ 352 milhões, R$ 277 milhões já foram liberados. O saldo da dívida no fim do ano passado estava em R$ 216 milhões.

O banco público informou oficialmente, à Agência iNFRA, que foi comunicado da negociação entre a Acciona e a KT2, e que analisa a operação. Ela é necessária para que a empresa nova possa seguir com os financiamentos. Uma fonte com experiência nesse tipo de operação do BNDES classificou como praticamente impossível que o banco libere a operação nas condições da KT2.

Isso, no entanto, não significa que ela não poderá ser feita. Para isso, a KT2 terá que quitar o financiamento com o BNDES, o que acabou virando condicionante para a venda, de acordo com a decisão da ANTT. Além dos passivos com o BNDES, há outros passivos, da ordem de R$ 40 milhões, segundo o balanço, além das obras que deverão ser entregues e são estimadas em R$ 117 milhões, pela ANTT.

Todo esse dinheiro e mais os custos operacionais da via terão que ser garantidos a uma concessão que tem acumulados em 10 anos de vida prejuízos de R$ 78 milhões. E tem somente mais 15 anos de operação. De acordo com o balanço de 2017, o faturamento com pedágio na Rodovia do Aço foi de R$ 105 milhões.

Cumprir compromissos

Em nota, a KT2 informou que não pode revelar valores e nomes dos proprietários da companhia por questões de “confidencialidade”. Informou ainda que pretende cumprir todos os compromissos assumidos com a ANTT para a viabilização do negócio e a operação da rodovia.

“A KT2 é uma empresa voltada a operação e investimentos em projetos de infraestrutura, tendo os recursos necessários para a operação, atendendo aos requisitos legais para tanto. Tratasse de um processo em andamento, e a empresa irá cumprir tudo o que for acordado com a ANTT e a Acciona”.

No processo em que votou pela aprovação da anuência prévia dessa troca de controle, se cumpridas as condicionantes, a ANTT informa que a documentação inicial da KT2 não estava de acordo com o que exige a agência e que, após a regularização, seguiu com a análise do pleito.

O documento informa que, pelas normas da agência, confirmadas num acórdão do TCU (Tribunal de Contas da União), a expertise técnica não é exigida nesses casos, ficando os engenheiros da própria concessionária responsáveis pelas anotações de responsabilidade técnica (ART) para os projetos de engenharia.

Em relação aos recursos necessários, o diretor Sérgio Lobo diz que, caso eles sejam integralizados, a nova vencedora terá que cumprir as obrigações em relação a obras que estão vencidas, para que não receba as punições previstas – como redução dos valores de pedágio e até mesmo a mais radical, a declaração de caducidade.

Segundo Lobo, se os recursos forem integralizados, a concessionária poderá fazer as obras e, assim, melhorar a via para os usuários, o que poderia demorar em caso de devolução da concessão.

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